Durante meu tempo com o Jonathan, em muitos momentos comentaram sobre o caçula dos Miller. Jefferson havia sumido no mundo poucos meses antes de eu começar a trabalhar na Athena e eu nunca tinha o visto pessoalmente.
Era um pouco mais alto do que o Jonathan, tinha feição parecida e os mesmos olhos verdes, mas ao contrário da expressão sempre sorridente e radiante do mais velho, ele parecia carrancudo e mal-humorado.
- Desculpem pelo atraso. - Reparei nos lábios dele, que eram mais grossos e pareciam levemente ressecados.
Uma conversa aconteceu atrás de mim, pois ele respondeu apenas com um movimento de cabeça antes de caminhar para mais perto e se acomodar na poltrona ao meu lado.
- Agora que todos os herdeiros estão aqui, posso começar a leitura do testamento...
Curvei meu corpo para frente, para reparar bem nas palavras do advogado, por mais que ele estivesse falando devagar, não queria perder nada.
Para a mãe, Jonathan havia deixado a casa e um fundo com o qual ela poderia se manter e pagar os empregados. Isso não era uma surpresa, sabia que, quando ele não estivesse mais ali, aquele não seria o meu lugar. Para mim ele também havia deixado uma grande quantia. Era o jeito dele de me proteger e garantir que pudesse me cuidar a partir daquele momento.
Era muito grata ao Jonathan por todo o carinho, por ter cuidado de mim e me proporcionado momentos felizes.
Embora ele não me devesse nada, não foi o que ele deixou para mim que mais me surpreendeu, mas o que deixou para o irmão caçula. A Athena era uma empresa criada pelos Miller. A família sempre teve a maioria das ações. Arthur, meu falecido sogro, havia deixado todas os sessenta por centro ao filho mais velho, já que o caçula havia desaparecido no mundo. Jefferson não tinha direito a empresa até a morte do irmão, que deixara as ações para ele, mas havia uma condição:
- Deve se casar com a Clare. Caso isso não ocorra, as ações em nome de Jonathan Miller serão postas à venda e o dinheiro revertido a uma instituição beneficente - falaram os lábios do advogado.
Eu não pude entender o que Jefferson disse, mas pela expressão corporal dele, levantando os braços para cima e caminhando para o fundo da sala, ficou evidente que ele não gostou nem um pouco. Jonathan tinha o colocado em um beco sem saída, se o Jefferson não aceitasse a empresa fundada pelo avô deles deixaria de pertencer aos Miller. Eu estava surpresa demais para opinar a respeito. Nunca tinha visto o irmão dele antes, como Jonathan poderia esperar que nos casássemos?
O advogado me entregou uma carta que, segundo ele, fora escrita por Jonathan antes de morrer. Eu achava que ele já havia me dito tudo e não estava preparada para isso.
Kristen se levantou e foi atrás do filho. Eles conversaram, mas eu só conseguia ver os movimentos corporais, não os lábios. O caçula estava furioso e a mulher tentava o conter. Não era o que ele queria e nem eu.
- Isso é tudo? - perguntei ao advogado. Ele balançou a cabeça.
- Vou entrar em contato com a sua advogada para passar os detalhes de acesso ao fundo.
Assenti e caminhei com a Sarah para fora do escritório do consultor jurídico.
Encarei o Jefferson antes de seguir pelo corredor. Ele tinha um olhar parecido com o do irmão, mas certamente era a única semelhança entre os dois.
Capítulo três
Meu irmão só poderia estar de sacanagem comigo. Não havia outro argumento para aquela pegadinha sem precedentes. Deixar o controle da empresa para mim desde que eu me casasse com a sua viúva.
Jonathan costumava ser louco às vezes, mas eu não imaginava que fosse tanto. Ele deveria estar muito alterado quando escreveu aquele testamento para propor algo assim.
Saí do escritório do advogado irritado. Minha mãe veio atrás de mim, mas parou de me seguir quando eu a dispensei na rua e entrei em um táxi. Eu não queria saber da empresa, muito menos de uma viúva deixada para mim em testamento. Aquele tumor deveria ter cozinhado o cérebro do meu irmão.
Enquanto me acomodava no banco de trás do veículo, indo rumo ao ancoradouro onde havia deixado o meu barco, eu amassava a carta que ele havia deixado para mim sem me dar ao trabalho de lê-la.
Minha mente fervilhava imaginando sobre o que ele poderia ter escrito ali, por mais que uma parte de mim estivesse irritada demais para querer ler.
Por fim, rasguei o envelope e peguei a folha de sulfite escrita a próprio punho. A letra do meu irmão não era a mais bonita do mundo, porém, ao menos, se fazia legível.
Jeff,
Vou começar essa carta com querido irmão, por mais que você tenha se esforçado muito para não ser tão querido assim. Espero que nos últimos anos tenha sido muito livre e curtido a vida como sempre desejou. Honestamente, queria muito que você pudesse continuar curtindo, e que eu continuasse a lidar com as responsabilidades por nós dois, mas a vida não quis assim. Estou escrevendo essa carta depois de vários médicos terem me dado uma sentença de morte. Descobri um tumor inoperável e a sensação é de ter uma arma apontada para minha cabeça. Ela é invisível, mas alguém vai atirar e acabar comigo a qualquer momento.
A Athena é sua, não adianta mais não querer, fugir ou se esconder no meio do oceano. Não há outra pessoa para assumir e você não pode deixar o legado da família morrer, assim como a centena de colaboradores que dependem dos seus empregos. Você fez faculdade e, quando concluiu o curso, trabalhou por um tempo na diretoria da empresa comigo, sei que está capacitado e há muitas pessoas que irão te ajudar nessa transição. Lembre-se de que do faxineiro ao diretor financeiro, todos dependem de você.
Sei que deve estar me odiando agora, mas se está lendo essa mensagem é porque se importa comigo o suficiente para voltar.
É sobre se importar que eu continuo essa carta. A Clare é tudo para mim e eu assumi o compromisso de cuidar dela. A minha morte não deve revogar isso, então, em nome de todas as vezes em que limpei a sua barra, case-se com ela, proteja-a, seja um bom amigo. Tenho certeza que vocês podem descobrir como fazer funcionar. Ao lado dela vai perceber o poder que ela tem de trazer beleza às nossas vidas.
Não estou pedindo que a ame nem que sejam marido e mulher de verdade. Podem chegar em um acordo e manter um bom casamento de conveniência. Acredite, esse contrato pode beneficiar a ambos.
Diga a quem questionar que era a sua obrigação, porque é. Estou pedindo isso, implorando na verdade. Era a minha missão, agora é a sua.
Por favor, não me desaponte. Chegou o momento de parar de fugir e criar raízes.
Com carinho, Jonathan.
Minha missão era casar com ela?
Neguei com a cabeça e a joguei para trás, repousando no encosto. O quanto a quimioterapia ou os remédios poderiam tê-lo afetado para que dissesse algo assim?
Uma coisa era exigir que eu assumisse a empresa, todos esperariam o mesmo. Eu era o último herdeiro dos Miller, mas me casar com uma desconhecida era insano e injustificável.
O pior era que o meu irmão fizera de tudo para que aquela carta soasse como seu último pedido. Ela era a minha obrigação.
- Como se eu ligasse para obrigações antes - resmunguei.
- Falou algo, senhor? - O taxista se mexeu no banco da frente.
- Não.
- Tudo bem.