Nos enfrentamos com a mesma determinação de quando disputávamos o controle de TV ou a última fatia de pizza. Sorri docemente e coloquei minhas mãos em seus ombros, que só agora notei como tinham ficado largos.
- Se não me beijar, vou dizer ao meu pai que não apenas fez isso como confessou a promessa que fez aos meus irmãos. E que não me deseja mais porque agora sua cama nunca anda desocupada.
Pior do que ter Clyde, Austin e Dallas afugentando todos os meus prováveis namorados, era um pai cujo o coração frágil de sua filha estava partido.
James arregalou os olhos, e foi naquele momento que percebi que havia vencido.
- Você... você... - gaguejou, e por um segundo senti pena dele - Não faria isso!
Jamais usei meus irmãos ou meu pai contra ele. Mas também nunca tinha pensado em beijá- lo. A ideia só surgiu hoje, quando fui comprar sorvete. Ouvi Crystal Lany, a neta da dona da sorveteria, confessando à sua amiga que James tinha o melhor beijo que já experimentara na vida.
"Uma explosão de sabores", foi o que dissera, animada. O meu James?
Admirada, voltei correndo para a oficina. Nunca tinha pensado nele dessa forma. Menos ainda que ele fosse o rei do beijo. E já que naquela cidade nenhum rapaz tinha peito suficiente para enfrentar meu pai e as três feras, eu tinha que unir o útil com o agradável.
Primeiro, éramos amigos de longa data. Segundo, meus irmãos nunca se incomodaram de ver James ao meu lado. Embora só agora eu compreenda o real motivo, não seria um choque tão grande se anunciássemos um namoro. Por último e não menos importante, em uma das muitas conversas que tive com tia Lola, desde que se mudou para o Texas, a primeira base de um relacionamento era a cumplicidade, amizade e paixão envolvida.
Dois desses itens James e eu compartilhávamos. Só faltava a paixão, mas isso poderia ser trabalhado com o tempo.
- James, você sabe que eu faria - bati o martelo.
Ele bufou. Depois soltou um palavrão que eu já estava habituada a ouvir.
Fechei meus olhos e aguardei. Aguardei e aguardei o suficiente para notar que fazia biquinho com meus lábios. Exatamente como tinha feito no jardim da casa de Dylan Green, à espera do meu primeiro beijo, aos treze anos.
- Pronto! - James se afastou tão rápido como tocou meus lábios.
- Assim não, James! - Puxei-o de volta - Quero que me beije como beijou Crystal Lany.
Ignorei seu olhar surpreso, voltei a fechar meus olhos e esperei. Esperei pelo momento que seus lábios tocariam os meus. Que o beijo lento se transformasse em um beijo apaixonado e descontrolado. Que meu coração saltasse em meu peito e nós dois descobríssemos algo que nunca havíamos notado - fomos feitos um para o outro.
Pelo menos sobre um dos meus devaneios eu acertei. O beijo iniciou lento e não dava sinais de que iria avançar. Era como se James beijasse uma porta. Ou que eu beijasse uma porta. Nem
mesmo quando praticava em uma maçã ou no espelho do banheiro em meu quarto tinha sido tão sem graça. E molhado, não de um jeito nojento, mas eu não estava gostando. Parecia que eu deslizava minha boca em um melão sem sabor. E meu coração batia tão acelerado como uma senhora de noventa anos fazendo algo tão empolgante como crochê.
Fui eu que interrompi o beijo e me afastei.
Inicialmente tive receio de que James tivesse curtido mais do que eu. Por alguns segundos, não consegui encará-lo. Tive medo que minha insistência e teimosia idiota tivesse colocado nossa linda amizade em risco. Porque não importava quanto beijos déssemos, sempre seríamos isso: grandes amigos.
- Ei, Jully? - James aproximou-se de mim e ergueu meu queixo para que o encarasse - Será sempre a minha melhor amiga.
Retribuí seu sorriso ao notar que nada havia mudado.
- Desculpe, James - voltei para a pilha de pneus e, dessa vez, sentei apenas na borda - Achei que nós dois... talvez...
James retornou à esteira e me lançou um sorriso terno.
- Você irá encontrar, Julienne - iniciou ele - Vai encontrar alguém que não irá se importar com a cara feia que seus irmãos possam fazer, porque ele irá saber o quanto você é valiosa e irá lutar por isso.
Foi bonito o que James disse para me confortar, mas era irritante também. Não queria ninguém que precisasse lutar por ela como uma virgem na mais alta torre. Não desejava um príncipe encantado como seus irmãos desejavam para ela. Queria ser normal, cometer e aprender com seus erros e escolhas. Não conseguiria isso se continuasse a viver debaixo de suas asas.
Enquanto James retornava para debaixo da caminhonete, meditou sobre isso. Precisava dar um jeito nisso ou acabaria como uma velha, solteirona e maluca.
- Não vai funcionar - disse James, arrastando-se pelo chão - Vou precisar trocar algumas peças. Tem um amigo do meu pai, em Austin, que só trabalha com carros antigos. Vou até lá esse final de semana.
- Posso fazer isso para você - sugeri, ao saltar dos pneus.
- Tem certeza? É uma boa viagem até lá.
James me olhou desconfiado. Ele sabia que eu odiava fazer viagens longas.
- Não há nada de interessante para fazer aqui ou na fazenda. Quem sabe outros ares me anime um pouco?
A realidade é que tinha outros planos rondando na minha cabeça. Se eu quisesse vencer essa guerra, precisava de aliados.
- Se seu pai não vir problema nisso...
- Ele não irá se importar - interrompi, meu coração mais acelerado em expectativa do que o beijo dele provocou - Apenas me dê o endereço e a lista do que precisa.
James foi em direção à mesinha e começou a escrever no bloco de notas:
- Se esperar mais algumas horas, posso te levar em casa.
- Tudo bem - guardei a folha no bolso do jeans - Preciso ir ao banco, ver a vó do Derek.
- Está saindo com o Derek? Eu vi vocês dois na praça, outro dia.
- Sair não é realmente o termo.
Derek é assistente de xerife do meu irmão, Dallas. Tão bonito como covarde, era mais provável que enfrentasse uma cela repleta de foras da lei do que encarar o olhar duro do xerife.
- Eu vejo você depois - me despeço, dando um beijo estalado em sua bochecha, e saio com um enorme sorriso em meu rosto.
NÓS TÍNHAMOS ACABADO DE TRANSAR e eu não sentia nada de especial após isso. Nada além do esgotamento físico, seguido da sensação de relaxamento. Foi bom. Sexo com Natalie ou Nicole, como preferia ser chamada agora que sua carreira como modelo começava a deslanchar, sempre foi algo prazeroso.
Somos compatíveis no sexo, ela é linda e atende minhas necessidades muito mais na cama do que fora dela. Era o único lugar que parecíamos ser compatíveis.
O problema é que ultimamente venho desejando mais. Algo como o que meus pais compartilhavam há anos. Como minha irmã Katty e Frank haviam construído em sua relação. Amor e cumplicidade.
Sentimentos que, desde meu envolvimento com Cecilia e seu fim trágico, eu havia esquecido como eram. Não me culpo pelo o que aconteceu, como Adam continuava a fazer. Aceitei que tinha sido uma fatalidade, uma das obras do destino no qual não temos controle.
Meu único e amargo arrependimento é não ter contado nada ao meu irmão, quando tive chance. O modo como tudo realmente aconteceu. Cecilia, eu e o bebê que poderia ter sido meu. Às vezes me via sentado ao lado dele, contando tudo. Eu tinha medo de que a admiração e o amor que ele sentia por mim virasse repulsa, desprezo por ter mantido esse segredo por tanto tempo.