Era um susto por eu ter passado por debaixo da cerca quando o treinador amansava um cavalo xucro. Outro quando eu quis descobrir onde a estrada da fazenda dava, andando quase uma hora sob o sol escaldante, pelo menos para uma garotinha de dois anos. Pavor quando pensei que uma cobra podia ser meu bichinho de pelúcia. Incredulidade quando enchi meu quarto de sapos esperando que algum deles virasse príncipe. E minha lista era mais extensa do que os muitos detentos que Peachwood tinha na delegacia. Mas o que mais apavorava todos eles, eram os homens. Depois do episódio do sapo, eu tive uma verdadeira aula sobre príncipes. "Fica longe deles, J.J. São encantadores de mocinhas inocentes para lev|-las para longe de sua família e de todos que amam", dissera Dallas, ao colocar o último sapo na lata enquanto eu o
presenteava com um olhar arregalado e atônito.
Foi como dizer em pleno natal que Papai Noel não existia. Ah, essa ladainha durou até eu começar a frequentar a escola. Conhecer meninos e fazer amizades. Então o caminho não era mais me amedrontar, era botar para correr qualquer garoto com ideias erradas, ou não, que se aproximava de mim.
Às vezes eu acho; não, tenho certeza, que meus irmãos só me protegem do jeito que protegem porque são uns grandes canalhas. Temem que façam comigo o que eles devem fazer com metade das mulheres da cidade. Não que sejam completamente canalhas. Mas pulam de uma cama para outra como as pulgas pulam no cachorro maltrapilho que ronda a fazenda.
Hipócritas filhos da mãe!
- Então? Como é estar apaixonada, Penelope? - afofei o travesseiro e o abracei, ficando em uma posição que ela fosse incapaz de fugir dos meus olhos questionadores.
- Eu não estou apaixonada - ela focou atenção na bainha do lençol, fugindo de mim.
Mesmo sob a luz fraca no quarto, iluminado apenas pelo abajur, pude notar suas faces coradas, e sabia que estava mentindo.
Um bom mentiroso reconhece outro. E ela não era tão boa assim.
- Eu cheguei aqui e achei que ele estava sugando sua alma pela boca. Depois teve aquele passeio no parque. Não desgrudava o olho de você, e você parecia presa no mesmo feitiço. Se isso não é estar apaixonada, tenho medo do que seja.
Ela gemeu, deitando na cama.
- Já te expliquei que não é tão fácil. Adam é amigo do meu chefe. O senhor Durant tem uma política rígida sobre isso. Bem, foi o que Aline me disse.
- Ele é o seu chefe e não o seu dono. Saiu das mãos de um ditador para entrar em outro? Ah, quanto desapontamento.
- Não é só isso... - ela suspirou - É que ele é meio assustador.
- Um encantador de mocinhas inocentes?
- Quê?
Relembrei o episódio dos sapos em meu quarto e a tentativa de Dallas de me assustar.
- É, acho que Adam é um encantador de mocinhas tolas e inocentes - concordou ela, rindo.
Balancei as mãos, fingindo sentir calor excessivo.
- Eu queria que ele me encantasse e...
O travesseiro em meu rosto abafou o que ia dizer. Começamos uma guerra de travesseiros. Éramos como duas adolescentes falando sobre os meninos bonitos da escola. Apesar de ter tido
algumas amigas, nunca fomos assim tão próximas. Meu pai não deixava que fosse a festas de pijamas sozinha, e meninos estavam obviamente fora da lista. Também não levava amiguinhas para casa, seus pais eram, na maioria, conservadores demais para deixar suas meninas cercadas de garotos bonitos.
Com Penelope, não tinha sido muito diferente. As meninas de sua comunidade ou sentiam inveja de sua beleza ou viam sua timidez como prepotência. Era compreensivo que fôssemos tão próximas, mesmo com todos os quilômetros de distância separando nós duas.
Cansadas e rindo mais do que nossos lábios poderiam suportar, caímos esgotadas na cama.
- Vocês dois ficam lindos juntos - segurei sua mão e sorri.
O olhar que me devolveu não dava margem a dúvidas. Penelope estava apaixonada por Adam, mesmo que ainda não tivesse descoberto isso ainda.
Eu torci pelos dois. Torci como nunca tinha torcido por ninguém em minha vida.
***
Andei apressadamente pelo terminal Barbara Jordan, no aeroporto Bergstrom. Seriam cinco minutos até o estacionamento onde havia deixado o carro, mais duas horas e quarenta e dois minutos na estrada, totalizando 195 milhas de Austin até Peachwood. Tempo suficiente para que eu analisasse o quanto estava encrencada.
Não que eu já não soubesse disso, apenas ignorei o fato por todo fim de semana. Agora não tinha mais como fugir, meu pai e meus irmãos iriam arrancar a minha pele e fazer lindas jaquetas com ela.
Respirei fundo e correspondi ao sorriso gentil do belo rapaz do estacionamento, ao me entregar a chave da Raptor. Dei uma gorjeta generosa por ter cuidado da picape tão bem durante minha ausência. Sei que boa parte de toda sua gentileza se devia ao fato de que estava interessado em mim. Algo que espantosamente ignorei. Primeiro porque, sem dúvida alguma, era mais novo do que eu, e a ideia de que ele tentasse enfrentar um dos meus irmãos, mesmo que fosse Clyde, o mais calmo dos três, parecesse ridícula.
Em outro momento, só por diversão, eu teria jogado algum charme ao rapaz, mas tenho coisas mais importantes para me preocupar.
Minha visita a Penelope tinha sido bem produtiva. De um jeito dócil, mas firme, ela me fez entender que não é agindo impulsivamente que conseguirei que meus irmãos me vejam além da garotinha de tranças que corria atrás deles pela fazenda.
Eu tinha que mostrar que cresci e era completamente capaz de cuidar da minha vida sem a constante intromissão deles. Eu não era nenhuma debiloide. Tudo bem, muitas vezes, ou quase sempre, era impulsiva e desastrada, mas aprender a controlar isso faria parte do amadurecimento que estava buscando.
Então, o melhor a fazer seria engolir meu orgulho e reconhecer o meu erro. Talvez até ganhasse alguns pontos com eles, afinal, encontrarem Julienne arrependida, no lugar da voluntariosa, certamente iriam surpreendê-los.
Peguei a I-35 N/US-290 em direção à interestadual a caminho da Rodovia 35 Frontage. Depois de seis horas de voo, fiz apenas duas paradas na estrada para comprar água fresca e comer um enorme prato de panqueca no Denny's. Quando eu fico nervosa sinto fome e como feito uma maluca, acho que é uma característica de família, ou talvez só tenha adquirido mais um dos maus hábitos dos homens que me educaram.
Passei pela placa que dá boas-vindas à cidade. Um pêssego suculento e letras douradas nos convidando a conhecer a pequena cidade pitoresca onde há as melhores tortas da fruta no país.
Ignorei a estrada que dava caminho para a fazenda e fui em direção ao coração da cidade.
A delegacia ficava a cem metros do hospital, por onde passei, e do outro lado da rua da escola primária. Estacionei na área permitida e torci para que a coragem e a determinação que tinham me acompanhado de Nova York até aqui ainda estivesse comigo.
- Tudo bem, Julienne - bati os dedos em minhas pernas, controlando a ansiedade - É apenas seus irmãos. Eles vão espernear, fazer um sermão quase interminável dos riscos que poderia ter corrido em uma cidade gigante como Nova York, depois a torturarão com uma carranca e greve de silêncio que terminará tão rápido como começou.
Dizer isso em voz alta deveria ter um efeito calmante, mas isso não aconteceu. Decidi parar de protelar e encarar logo a situação. Afinal, eu tinha uma fera para amansar, e se conseguisse fazer com que Dallas ficasse ao meu lado, o resto seria como um passeio no parque de diversão. Atravessei a rua e cheguei à calçada no mesmo momento que a viatura de Dallas estacionou.
Ele tinha um olhar irritado, que me fez encolher até perceber que o motivo de sua fúria, naquele momento, não era eu.
- Derek, leve o Green lá para dentro - disse ao seu assistente, que surgiu rapidamente na entrada - Quem sabe mais uma noite na cela o faça encontrar o juízo, se é que um dia possuiu um.
De dentro da viatura surgiu um rapaz desengonçado e obviamente alcoolizado. Resmungou quando o policial o amparou ao sair, mas abriu um sorriso ao me ver.
Dallas colocou-se entre nós dois, bloqueando a visão que pudéssemos ter um do outro. Vi quando ele cruzou os braços e afastou as pernas, posicionando-se para uma briga, que seria no mínimo injusta, dada as condições de quem enfrentava.