Encontrei-a em frente ao espelho estudando seu corpo. Ela sempre fazia isso quando acabávamos de transar. Eu a achava linda, mas ela sempre via alguma coisa para reclamar. Para mim, era magra até demais, mas ela se via gorda. Inicialmente, achei que fosse besteira de mulher, até convivermos mais.
- Sexta-feira é o aniversário de casamento dos meus pais - iniciei, vendo que começaria seus choramingos de quantas horas a mais precisaria gastar na academia - Vai ter um jantar e eles esperam que você vá.
- Sexta-feira agora? - ela ficou de lado, apertando a pele de sua cintura.
Eu via pele e osso; Nicole via gorduras localizadas que precisavam ser eliminadas com dietas absurdas que a deixavam irritada e chorosa, e isso, como médico, me preocupa, mas,
para ela, todos os meus conselhos sobre saúde eram irrelevantes. Eu não entendia nada de moda, fora o que dissera a última vez que tentei.
- Sim.
- Tenho que ir para Madri, no sábado - ao menos virou-se para dizer isso - Peça que me desculpem.
Rangi os meus dentes. Sou conhecido por ser uma pessoa calma e bem-humorada, mas a indiferença de Nicole, com algo tão importante para mim, me tira o controle.
Não era segredo, para nenhum de nós dois, que quase todos de minha família não nutriam grandes amores por ela. Seria pedir muito que se esforçasse um pouco para mudar isso?
- Natalie...
Foi o suficiente para ter sua atenção em mim.
- Nicole!
- Não irá viajar no sábado! - saltei da cama e procurei minhas roupas espalhadas pelo chão - Acabamos de ficar noivos, então é importante para minha mãe que esteja presente no jantar.
- E eu acabei de assinar um contrato importante com a maior casa de moda do mundo - disse ela, com uma voz chorosa - A oportunidade da minha vida. Meu corpo é a minha vitrine. Pego o primeiro voo, e não posso chegar com olheiras gigantes...
Eu me desliguei do que ela discursava. Vesti a camisa, depois a calça, coloquei os sapatos e, quando dei por mim, me despedia com um beijo frio em sua testa.
- Liam, você entende, não é, meu amor? - o tom dessa vez era mais angustiado do que arrogante.
Algo no que falei, ou deixei de falar, parecia tê-la alertado que havia ido longe, arriscado demais em se mostrar tão desinteressada.
- Conversamos quando você voltar, Nicole.
Estava entre a porta e o corredor quando a senti me alcançar. Minha relação com Nicole, esse tempo todo, só pareceu perfeita devido às nossas profissões. Como médico, eu tinha uma agenda bem atribulada, e com ela não era muito diferente, tendo que viajar para tantos lugares do mundo, o tempo todo.
Antigamente era o sexo que nos prendia, agora nem isso parecia suficiente para unir nós dois. Eu já não queria levá-la ao jantar, não queria forçar sua presença à minha irmã e minhas sobrinhas, que não escondiam o desagrado em relação a ela.
Eu me pergunto se deveria manter esse relacionamento, já que está cada vez mais claro que tínhamos desejos e valores opostos.
***
Ainda tinha algumas horas até assumir meu plantão no hospital. Horas que eu tinha planejado passar com minha noiva. Ao invés disso, me vi jogado no sofá da casa de meu irmão. Ele deveria ser a última pessoa a quem eu pediria conselhos amorosos, mas talvez seu cinismo fosse exatamente o que eu precisaria nesse momento.
- Adam, o que você acha sobre o amor?
Aceitei a xícara de café que me ofereceu, quando na verdade gostaria de uma dose dupla do whisky que ele tinha na mão.
- Uma grande idiotice - ele sentou ao meu lado, jogando um dos pés sobre a mesinha de centro, em frente ao sofá.
- Papai e mamãe se amam - lancei essa verdade sobre ele - Katty e Frank também.
Queria ver como Adam sairia dessa. Eu amava esse cara, mas ele havia ficado cínico e amargo demais ao decorrer dos anos. Além da família, a única coisa que realmente amava era o seu trabalho. Trocava de mulheres como trocava de terno. Enquanto eu me tornava cada vez mais consciente do que a vida poderia me oferecer, Adam rejeitava tudo.
- Quatro pessoas determinadas a romantizar normas e doutrinas de uma sociedade em decadência. E chamam isso de amor. Eu digo que é conveniência e troca de interesses. Os homens trabalham e as mulheres criam seus filhos. Simples assim.
- Não acredito isso. É cínico demais até para você. As mulheres hoje em dia são independentes e querem muito mais que um homem assinando o cheque.
- De qualquer forma, os únicos cheques que pretendo assinar - seu sorriso alargou um pouco mais - são os do restaurante e do quarto de motel.
- Um dia verei esse sorriso arrogante sumir do seu rosto quando encontrar a pessoa certa
- depositei o café mal tocado em cima da mesa e liguei a TV.
- E você encontrou?
Touché.
Quer vencer o inimigo, use as mesmas armas que ele.
- Talvez tenha - respondi, mais para mim mesmo do que para ele, exatamente - Mas, se não, vou continuar a procurar.
"Quem sabe ela estivesse por aí. Esperando nossas vidas se cruzarem um dia", pensei.
EU ERA UMA MENTIROSA PATOLÓGICA e agora ladra também. Pior que admitir isso para mim mesma, era não sentir o mínimo de culpa por isso.
Quando decidi vir até Nova York, visitar minha prima Penelope, achei a ideia brilhante. Só precisei dizer ao meu pai que iria até a cidade de Austin pegar as peças que James precisaria para consertar nossa velha caminhonete. Convencer meus irmãos que não havia nenhuma segunda intenção nisso foi uma tarefa árdua, principalmente quando Clyde sugeriu me levar até lá.
Mas o mais difícil de tudo foi enganar tia Lola, para conseguir pegar escondido uma cópia da chave do seu apartamento, onde Penelope morava. Eu tive que causar um pequeno probleminha em seu carro, que levou a um grande problemão que até a obrigou a passar a noite na fazenda.
"Tia Lola, você não se perde com tanta chave, não?", perguntei, balançando o molho de chaves enquanto ela tomava seu chá e aguardava alguma informação do meu pai sobre o seu carro encalhado na estrada.
"Na fazenda, {s vezes, ainda estou me acostumando", disse ela, numerando uma a uma. "Essa aqui é de Nova York ...
Enquanto ela explicava cada uma, obviamente mantendo entre nós duas uma conversa tranquila e civilizada, meu plano foi ganhando forma em minha cabeça. Foi aí que me tornei uma ladra. Mas eu sempre ouvi dizer que os fins justificam os meios. Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos, e por aí segue.
No amor e na guerra vale tudo, e claramente, nessa disputa, eu estava em desvantagem. Precisava de alguém que me entendesse. Que soubesse a importância de ser uma alma livre. Então, quando minha doce e tímida prima escreveu avisando que tinha se livrado do noivo, abandonado seus pais opressores e a cidade onde passou boa parte de sua vida, senti um misto de orgulho e inveja.
Penelope sempre foi mais obediente, recatada e dócil do que jamais tentei ser. Enquanto eu reclamava por ser oprimida por excesso de zelo e amor, ela se retraía em meio a críticas severas e falta de carinho. Meus tios nunca foram amorosos com ela, não que eu me lembrasse. As poucas vezes que os vi, tive uma imagem de um casal rígido e frio na criação de sua única filha. O que é completamente oposto do estilo de vida que adotaram ter. Eram religiosos fervorosos, sendo o pai dela o pastor da cidade onde viviam.
Em contrapartida, tinha eu. Sempre fui a princesinha da casa. Não do tipo mimada, mas superprotegida. Ao ponto de ter três garotos e um homem desesperado se eu soltasse uma lágrima por ter uma farpa no dedo.