Se não estivesse tão preocupada com o péssimo estado de conservação dos jardins da Callas, até poderia ajudá-la mais... Sorte que as coisas parecem ter acalmado, Jasmim possui um dom para lidar com os clientes e organizar o caos de pedidos. Volto para trás do balcão, Jasmim me estende uma xícara de café e um misto quente. - Aposto que passou outra noite sem jantar. - olha feio e apenas concordo. - Até quando vai ficar vivendo nesta pindaíba [6] ? Pelo menos, comer, você tem que fazer direito. Dou uma mordida no sanduiche e fecho os olhos em êxtase. Nem eu sabia que estava faminta. - Só mais este mês, juro. Já não devo mais nada para os advogados do divórcio, mas até o próximo salário chegar, a coisa está apertada. Não quero mexer nas poucas economias que me restam, mas não exagere, não tenho passado fome. - minto. - Ontem foi exceção, tive uma reunião última hora. Acho que, finalmente, a intragável da minha chefe vai me dar um projeto grande. Fiquei estudando as plantas baixas [7] e acabei chegando super tarde. Capotei sem janta e banho. - Percebi. - repreende enquanto termino de devorar o lanche. - O Daniel foi te chamar umas duàs vezes e nada. Precisa de diversão, Polaca. Não pode ficar só do trabalho para casa. Isso não é vida. Sinto-me envergonha, tenho dado furo atrás de furo. Quero me divertir, adoraria fazer novos amigos e confesso que ouvi as batidas do namorado dela na minha porta, contudo estava tão exausta, que virei para o lado e apaguei. - Eu sei disso. Juro que hoje, eu apareço por aqui mais tarde. - junto e beijo os dedos em sinal de promessa. O assunto é interrompido por um ronco de motocicleta e uma discussão, que começa lá fora, chamando a nossa atenção. Ambas levantamos a cabeça, na mesma hora, para espiar. Curiosidade é uma merda! Diacho! Parece que o casal, que dá um pequeno show em frente ao café, não está em seus melhores dias. Uma morena, escandalosamente bonita, gesticula e fala sem parar, enquanto um homem permanece apoiado na moto, ainda de capacete. O moço não diz uma só palavra e isto me intriga. Há algo nele que prende minha atenção logo de cara e me faz observá-lo de novo. O homem é bem construído e grande, mas não do tipo bombado. Apenas do tipo 0% de gordura e na medida certa. Como um desses atletas sarados. Um gostoso. As coxas grossas, apertadas em um jeans desgastado, balançam impacientes e despertam mais o meu interesse. Fico em alerta... Os gritos da mulher aumentam... e flashes de cenas de brigas, que eu protagonizei na minha antiga vida, passam diante dos meus olhos fazendo a pele do meu pescoço formigar. Porém, em minhas memórias, quem gritava era o homem. Á essa altura, o café inteiro assiste ao espetáculo da morena. Ela chora, faz beicinho e bate os saltos altíssimos na calçada. Sua calça é tão justa que nem sei como consegue respirar. Um "Ohhh" coletivo surge quando o homem ameaça dar a partida na moto e a morena agarra-se a ele, impedindo que saia. Sinto-me mal por ela... Que papelão! A moça segura nos braços do cara como se sua vida dependesse disto. Um outro "Ohhhh" invade o café, exclusivo da ala feminina, quando o cara faz um gesto, a briguenta se afasta e lá se vão o capacete e a jaqueta. Pelos Deuses do Olimpo e adjacências! Suspiro. O céu estava em festa quando projetaram esse aí. Até eu me sinto em festa! Ohhh. Suspiro novamente . Ele é tão... Bonito. Parabéns pelo seu rosto, senhor! Reparo nos bíceps, que a mulher não larga nem por decreto, e tenho um mini frenesi. Aliás, parabéns pelo corpo todo, amigão! Entendo-a completamente, também quero me agarrar nesses brações. Seu rosto é feito de ângulos retos, maçãs destacadas, queixo quadrado, um nariz simétrico, tudo isso emoldurado em uma barba malfeita . Destas que dá vontade de tocar. Espetáculo de homem! Minha vontade é ir até ele, segurar em seu rosto estupendo e dizer obrigada por existir, e despertar pensamentos adormecidos em mim. Provavelmente, seria espancada pela morena ou presa pela polícia. Mas, que culpa tenho eu, se está escrito: feito para o seu prazer, na testa dele? Fico hipnotizada, só admirando... Tudo. Caramba ! Ele é atraente. Muito... Mesmo... De cegar meus olhos. Diferente, eu diria. Dono de uma morenice instigante que faria sucesso no Sul... É tão quente. Eu me animo mais e reparo mais... Gosto do seu cabelo escuro, curto e despenteado, e do jeito que cai um pouco para esquerda. Não consigo ver a cor dos olhos, mas aposto que vou gostar. Porém, o que mais me encanta, é que em momento algum, ele levanta a voz. Um Lord inglês! Argumenta tão baixo com a mulher histérica, que não consigo ouvi-lo. O que é uma pena e me deixa quase triste. O silêncio reina absoluto, todo mundo atento, nem um mísero barulhimo de louça batendo ou conversa... A platéia inteira focada, só esperando um desfecho para o drama que continua. Ele está aborrecido e seus lábios carnudos contraídos em uma linha fina. Hummm... Como será a sensação de ter essa boca grudada na minha? Balanço a cabeça para afastar o pensamento fora de hora... Estou com um pouco de pena dele, a mulher continua a chorar, gritar e fazer beicinho. Tudo ao mesmo tempo e não necessariamente nessa ordem. Um outro "Ooooooh" feminino eclode no momento em que ele a abraça. Consigo ouvir um... - Menos Andreza, bem menos. Meus pelos arrepiam e não tinha arrepios assim desde... Hum? Bom... Nunca . Daqui, sua voz soa como imaginei que seria. Não esperava nada menos que esse tom rouco e aveludado vindo de um ser como ele. Agora, já sinto até um pouco de inveja... Que mulher sortuda! Queria eu, ser apertada nesses brações e imprensada em seu peito largo. Eu sei... Eu sei... Cobiçar o homem alheio é feio. Pecado, diria a minha mãe. Mas, em minha defesa, alego que o homem foi feito para ser cobiçado. É até judiação comigo! É corpo que não acaba mais. Devem ter quase dois metros de pura virilidade, ali. E... É com certa nostalgia antecipada, que eu e todas as mulheres boquiabertas no recinto, observamos o casal subir na moto e sair das nossas vistas ao virar a esquina. - Ai, ai... Juro que amo o Dani, mas se um destes me chamasse para uma rapidinha ali no cantinho, iria sem pensar duàs vezes. - Jasmim suspira com os olhos vidrados na esquina. Dou risada quando ela abana-se, teatralmente, com a bandeja. - E quem recusaria? - brinco concordando com ela. - O homem é um dez mais para ninguém botar defeito. Lindo e ainda um cavalheiro! Nossa mãe! Viu que ele não levantou a voz nem por um minuto sequer? - imito seu gesto e também me abano com o avental. - Ôh se vi! Dez é pouco! Nota mil para ele! - assovia e alguns clientes olham com curiosidade. Jasmim desculpa-se, afunda atrás do balcão e senta-se no chão gargalhando. - Hum... Agora não te entendi, Polaca. Pensei que não estivesse à procura de diversão. Tiro o avental preparando-me para partir, mas antes, sento ao seu lado no chão. - Não estou à procura. - cutuco seu ombro com o meu. - Deus me livre de encrenca, mas não estou morta e nem louca. - brinco. - Também tenho minhas necessidades, poxa. - Tem? - parece surpresa. - Jurava que depois da separação você nunca mais...