Capítulo 3 Capitulo 3

Prendi o cabelo em um rabo de cavalo frouxo e joguei o celular dentro da bolsa antes de sair. No fundo eu tinha um pouco de esperança de que no momento mais improvável meu telefone fosse tocar com uma boa notícia, sobre qualquer uma das várias entrevistas que fiz durante as últimas semanas.

- Estou pronta! - Avisei entrando no quarto da minha avó. Ela estava em frente ao espelho, terminando de colocar seus brincos.

- Só vou pegar minha bolsa e podemos ir. - Concordei e fiquei encostada esperando que ela terminasse de se arrumar.

Saímos de casa e pouco mais de vinte minutos caminhando, chegamos à Igreja. Sentei ao lado de vovó para assistir à missa e fiquei quieta observando o padre discorrer sobre a fé e como ela fazia total diferença em nossa vida. Todos estavam em silêncio ao

redor. Como era quinta-feira e bem no meio da tarde, a igreja não estava lotada.

No decorrer da homilia, bem naquele momento em que o homem de Deus fez uma pausa para respirar, meu celular começou a tocar dentro da bolsa. Em poucos segundos a igreja inteira foi preenchida com um barulho bruto, escandaloso e nada discreto. Congelei, sentindo vontade de cavar um buraco aos meus pés e me enterrar bem fundo lá dentro.

Todos os olhares, incluindo o do padre, se voltaram na minha direção e eu odiava estar em situações daquele tipo, nas quais me tornava o centro das atenções. Jamais na minha vida consegui apresentar um simples trabalho em grupo ou até mesmo falar em público.

- Vai atender! - Vovó cochichou do meu lado, dando um sorriso de desculpa para as pessoas ao redor.

Continuei apática, esperando que meu cérebro voltasse a ter domínio sobre meu corpo e meu coração voltasse a bater no ritmo normal, sem o risco de infarto iminente.

Quando viu meu estado, vovó puxou minha bolsa e tirou o celular de dentro, arrastando a tela para desligar. Me senti um pouco aliviada por ter a ensinado não só a atender, como também a recusar as chamadas. Peguei o aparelho e pressionei o botão de baixar o volume, até senti-lo vibrar na minha mão. O padre deu seguimento ao sermão e eu continuei morta de vergonha.

"É uma situação comum, as pessoas não estão te julgando."

Repeti a ladainha várias vezes para ver se aquela sensação saía do meu peito.

O aparelho começou a vibrar outra vez e eu olhei para o número desconhecido ponderando se eu atendia ou não.

- Vou lá fora atender. - Avisei a vovó, que apenas acenou com a cabeça.

Por sorte, estávamos sentadas na última fileira e eu não precisaria ser o centro das atenções mais uma vez.

- Alô. - Falei assim que já estava na calçada da igreja.

- Íris? Aqui é a Sabrina, secretária da Gomes & Cunha Advogados. - Eu havia encontrado com a moça simpática no dia que fui ao escritório. Conseguia me lembrar de sua fisionomia.

- S, sim... - Respirei fundo para não gaguejar, nem

hesitar.

- Estou ligando para marcar outra entrevista amanhã às

treze horas. Você acha que consegue comparecer?

- Consigo! - Quase dei uns pulinhos de alegria, aquilo significava mais uma chance e eu não desperdiçaria.

- Te aguardamos amanhã, então. Boa tarde! - Me despedi e encerrei a ligação.

Levei o celular ao peito, apertando-o como se o estivesse abraçando. Sentia que essa seria a chance para me reerguer.

Cheguei ao prédio trinta minutos adiantada e peguei o elevador para o décimo segundo andar, onde funcionava o escritório. Confesso estar mais calma do que a primeira vez, pois de certa forma eu sabia o que me esperava.

Vovó me ajudou a escolher o vestido formal até a altura dos joelhos e um salto pequeno, meus cabelos foram presos de forma mais arrumada e eu me sentia incrivelmente bonita.

Quando saí do elevador, não avistei ninguém na recepção. A mesa de Sabrina estava vazia e o lugar silencioso. Me sentei na poltrona que havia ali para aguardar, pois deveriam estar todos no horário do almoço.

Coloquei a bolsa sobre o colo e cruzei as pernas, aproveitando para notar a decoração. Havia uma ilha que comportaria umas três pessoas atrás de tão grande, mas da última vez que vim aqui, só havia uma moça. As paredes eram brancas e os móveis eram de madeira escura, combinando muito com as poltronas cinzas que tinham no canto onde eu estava sentada.

Pouco mais de vinte minutos depois, ouvi vozes vindo do corredor. Levantei antes que se aproximassem muito e o advogado surgiu com uma mulher estonteante. Com certeza ela era advogada, pois sua postura e o estilo formal denunciavam isso.

Fiquei muda, aguardando que eles me notassem e assim o fizeram.

- Ah, você já chegou. - Doutor João Victor foi o primeiro a falar e se aproximar.

- Sim. - Me forcei a falar, tentando me manter tranquila.

- Clarice, essa é Íris, é com ela que você vai conversar hoje. - Me apresentou.

A mulher sorriu de um jeito acolhedor. Ela ficava ainda mais bonita quando sorria daquela forma e eu acabei retribuindo, o que fez o advogado me olhar surpreso.

- Vejo que você está mais tranquila hoje. Somos sócios, então é crucial que Clarice te aprove também para que possamos te

contratar. - Explicou e eu acenei pedindo a Deus que as coisas dessem certo para mim dessa vez.

03

Uma semana depois...

Clarice: Estou na sala de reunião esperando por você. A moça da contabilidade ainda não chegou, mas peça para Sabrina mandá-la para cá logo que pisar na empresa.

Assim que entrei no escritório, li a mensagem de Clarice quase revirando os olhos para o tanto de detalhes logo cedo. Decidimos contratá-la para um período de teste pelo seu currículo e experiência na área jurídica e ela havia a denominado como "moça da contabilidade".

- Sabrina, assim que Íris chegar mostre a sala de reuniões e a mande para lá. - Pedi e fui ao encontro da minha sócia.

Odiava qualquer compromisso antes das onze, pois nunca conseguia estar acordado o suficiente, e Clarice adorava reuniões matinais. Não entendia a lógica.

- Tenho um cliente às dez, então espero que seja rápido.

- Entrei na sala avisando e a vi na mesa separando alguns papéis.

- Bom dia para você também, Victor. Já disse o quanto adoro o seu bom humor matinal? - Ironizou sem me olhar e eu revirei os olhos, deixando minha pasta em cima da cadeira que quase sempre ocupava. - Tem café. - Apontou com o queixo para uma bandeja em cima da mesa.

Me servi de uma xícara cheia e saboreei o gosto amargo da única coisa que tornava minha manhã feliz.

- Qual a pauta da reunião? - Sentei, me sentindo 10% acordado.

- Não quer esperar a moça da contabilidade chegar?

- Não posso saber antes? - Arqueei uma sobrancelha, meio irritado.

- Precisamos fazer algumas contratações e eu separei os dados financeiros da empresa nos últimos três meses. Acho que temos o suficiente para contratar um administrador legal.

- Eu acho que deveríamos colocar um gestor de RH antes de tudo. Ele saberá como atender às necessidades da empresa melhor do que nós. - Deixei minha opinião e dei um gole no café.

- Estamos perdendo um tempo enorme com questões administrativas do escritório, Victor. Esse tempo poderia ser revertido em casos e clientes que não pude atender nos últimos dias por estar atolada em papelada. - Calmamente, começou a reorganizar os papéis dentro de três pastas.

- Eu passei a última semana fazendo entrevistas e escolhendo candidatos e já que é você quem lida com questões administrativas, contratar um profissional vai sobrar novamente para mim. Um gestor de RH facilitaria a nossa vida, já que em breve

também vamos associar outros advogados à firma. - Nunca discutimos para tomar decisões, mas como dois advogados, sempre a conversa se estendia por horas.

- Não sei se conseguiremos pagar dois profissionais desse escalão, ao menos não agora. Precisamos esperar a Íris avaliar nossas receitas.

Ouvimos uma batida suave na porta e alguns segundos depois ouvi a voz hesitante da nossa nova funcionária.

- Bom dia!

- Bom dia. - Clarice cumprimentou.

- Dia. - Respondi sucinto, bebericando meu café. - Sente-se. - Falei e apontei para a cadeira ao meu lado quando vi que ela continuou de pé olhando entre nós dois.

            
            

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