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A mulher era um completo enigma para mim. Primeiro, porque na minha entrevista quase precisei chamar uma ambulância para socorrê-la, pois parecia passar mal. Depois, mesmo gaguejando, supriu todas as informações que eu precisava sobre ela.
Clarice me informou que não teve problemas em relação à comunicação e que ela foi muito bem. O fato de já ter trabalhado em um escritório bastante conceituado pesou, e por isso Íris foi nossa melhor candidata. A moça também tinha um mestrado em Controladoria e Finanças Corporativas, o que era uma surpresa.
Como alguém com esse currículo estaria fora do mercado de trabalho? O requisito mínimo da vaga era a graduação, então uma candidata daquele nível encheria os olhos de qualquer empresa. Mas não era só isso, tinha algo nela que me intrigava.
- Trouxe um resumo das nossas finanças para você analisar. - Dividiu as pastas entre nós três.
Nos últimos meses, recorri ao meu irmão que era contabilista para me ajudar com as contas do escritório. Apesar de Felipe ser sisudo e fechado na maior parte do tempo, me ajudou e deu dicas, até resolveu algumas questões para nós, mas quando começamos a crescer, o primeiro conselho dele foi de contratarmos alguém para dar conta dessa parte, e cá estamos nós.
Quando a reunião acabou, fiquei encarregado de mostrar a sala de Íris, já que era o primeiro dia de trabalho da moça. Ainda tinham várias salas vazias no escritório, e eu esperava que até o fim do ano uma boa parte delas fosse ocupada com nossa equipe.
- Este é o seu escritório. - Abri a porta e dei espaço para que ela passasse. - Seu computador já está conectado e configurado. Pode trazer algumas decorações, dar um toque mais pessoal...
Ela entrou enquanto eu falava, observando a sala que apesar de ser menor que a minha, era tão moderna e bem decorada quanto.
redor.
- Uau! - Foi o que conseguiu dizer.
- Clarice te mostrou o andar na semana passada?
- Não. - Falou, ainda admirada com o que via ao seu
- Vamos lá, vou te apresentar tudo. - Chamei e seguimos
lado a lado para fora.
Ela não parecia mais tão hesitante quanto da primeira vez que conversamos, porém ainda notava certa timidez em sua postura. Seguimos para os fundos e entramos na copa.
- Temos cafeteira, micro-ondas e uma geladeira, se você quiser trazer a própria comida. - Continuei falando, sinal que meu humor já começava a melhorar. - Mas também há um restaurante
na esquina, no qual Clarice sempre pede comida no almoço. Vou pedir para a Sabrina te passar o telefone de lá.
- Obrigada, doutor. - Respondeu com a voz doce. Ergui a sobrancelha e a olhei de lado.
- Somos colegas, pode me chamar de João Victor, ou só Victor mesmo. - Pela primeira vez no dia ela olhou diretamente nos meus olhos para responder.
- Na verdade, você é o meu chefe. - Mordeu o cantinho do lábio depois de falar, o que a deixou fofa.
- E você pode foder com tudo tirando ou colocando um zero em algum lugar, então, prefiro que sejamos colegas aqui, mas sem pressão. - Entortei os lábios e ganhei um sorriso dela como recompensa. Considerei recompensa, já que a moça tinha um sorriso encantador.
- Então quer se aproximar de mim por interesse no excelente serviço que eu já serei paga para fazer? - Sorri do comentário esperto.
Notei que preferia aquela versão dela. Comentários rápidos e espertos combinavam mais com a Íris.
- Bem lembrado, menina dos números.
Saímos da copa e eu mostrei a outra sala de reuniões que tínhamos, antes de voltarmos para a sua.
- Qualquer coisa de que precisar, pode me chamar. Sabrina também estará à disposição para te ajudar. - Falei já na porta, ponderando se ficava mais um pouco e perguntava sobre ela ou a deixava em paz para trabalhar.
E por que eu queria conhecer melhor essa moça? Não tinha explicação!
- Bom trabalho, Íris. - Virei as costas, usando meu lado racional pra separar as coisas. Como ela mesmo havia citado antes, eu era seu chefe.
- Obrigada, dout... - Me virei com os olhos estreitados antes que ela terminasse a palavra. - Victor. - Ela se corrigiu com os olhos meio arregalados. Pisquei com um sorrisinho nos lábios e vi que seus ombros relaxaram.
Eu não era do tipo que causava medo nas pessoas, por isso presumi que seu antigo chefe fosse um babaca para causar aquele tipo de reação nela.
04
Custei a acreditar quando a doutora Clarice me ofereceu um contrato de experiência de 45 dias, mesmo que a nossa entrevista não tenha sido tão boa.
Achei que após revelar sobre meu transtorno, a advogada me diria que não era possível trabalhar em seu escritório, mas contra todas as minhas expectativas, ou nem todas, ela me ofereceu um período de teste e há mais de uma semana eu estava aqui. Ao meu ver, as coisas iam bem e estava conseguindo dar conta do trabalho.
Tínhamos uma equipe resumida e isso ajudou a me adaptar rápido no escritório. Sabrina era muito profissional e eficiente, ajudava sempre que eu precisava. Doutora Clarice vivia ocupada e só parava na hora do almoço. Victor, apesar de estar sempre entre uma reunião e outra, quando não saía para alguma audiência, quase todas as vezes me encontrava na copa quando eu ia passar um café no meio da tarde. Algo me dizia que ele não sabia
manusear a cafeteira, pois sempre esperava alguém ir lá para que fosse beber também.
Por enquanto, éramos apenas quatro pessoas, mas com as receitas positivas dos últimos meses, conseguiríamos contratar um gerente de RH e o tão sonhado administrador legal que a doutora Clarice tanto insistiu.
Estava atenta a uma planilha quando ouvi uma batida na porta. Mandei entrar, tirando os olhos da tela do computador. Victor surgiu, vestido com um terno azul marinho bastante alinhado. Na verdade, todos os dias da última semana ele chamava atenção dentro de suas roupas formais. Eu não paquerava meu chefe, só era impossível não prestar atenção. E também tinha aquele cheiro que parecia sempre entrar antes dele nos lugares... Ave Maria, como viemos parar aqui?
- Precisa de algo? - Mantive meu tom profissional.
- Vim perguntar se você quer tomar um café. - Parou em frente à minha mesa, apoiando as duas mãos no encosto e inclinando o corpo para frente.
Por um momento eu achei que ele estivesse me chamando para sair, no entanto, depois de buscar o histórico da nossa interação desde que comecei aqui no escritório, acabei entendendo o motivo dele estar aqui.
- Já pensou em aprender a usar a cafeteira? - Fui casual ao perguntar. Não viramos amigos, mas ele era um cara descontraído na maioria das vezes.
Victor jogou a cabeça para trás gargalhando e eu acabei acompanhando-o.
- Você me pegou! Eu nem sei ligar direito aquela coisa. Pode me ajud... - ele se interrompeu ao olhar para a minha mesa.
- Isso é a varinha do Harry Potter?[4]
Senti um leve formigamento nas minhas mãos à medida em que seguia seu olhar até a minha varinha no suporte. Na outra extremidade, havia três miniaturas de bonecos alinhados e, ao lado do monitor, um pomo de ouro (que na verdade era um peso de papel).
- Você disse que eu podia trazer decoração, eu achei que... - Não consegui continuar a explicação e acabei baixando os olhos. Ele devia me achar a pessoa mais infantil do mundo nesse momento.
- Caralho, um pomo de ouro! - Voltei a olhar para cima e ele parecia... admirado?
Achei que por um momento ele fosse rir, achando infantilidade demais colecionar coisas assim, pior que isso, trazer para o escritório esse tipo de objeto.
- Eu sou fã desde criança, tinha 10 anos quando li o primeiro livro. - Contei, um pouco menos constrangida.
- Também li toda a saga. Nunca me interessei em colecionar dessa forma, mas, olhando agora, é tão legal. Posso pegar? - Perguntou, se aproximando e fazendo o cheiro almiscarado se agitar ao meu redor.
- Claro. - Dei de ombros.
Ele analisou a varinha com as mãos de um jeito engraçado.
- É de madeira? - Colocou de volta no lugar e abriu o pote de jujubas vermelhas[5] que também havia em cima da mesa.
Eu amava jujubas e odiava quando as roubavam de mim, porém o assunto me pareceu tão interessante que nem me importei que o advogado estivesse com a mão cheia das minhas gomas doces.
- Uhum, não é nada como azevinho e pedra de fênix, mas acho que dá para o gasto. - Acabei sorrindo. Era tão legal falar sobre uma das minhas paixões. - Qual a sua casa? - Perguntei empolgada e ele deu risada.