Capítulo 5 Capitulo 5

- Essa você vai ter que adivinhar. Mas, podemos tomar um café antes? - Desliguei o monitor do computador e levantei animada.

Era tão fácil conversar com ele que não seria sacrifício algum passar um café.

Saímos para a copa, enquanto João Victor tagarelava sobre os seus personagens favoritos. Programei a máquina e encostei o quadril no balcão, analisando o cara loiro na minha frente.

- Você é da Grifinória![6] - Chutei, não só porque noventa por cento dos fãs escolhiam a mesma casa que Harry, mas pelas características.

- Errou feio. Coragem e altruísmo, acho que não combinam comigo.

- Na verdade eu pensei nela porque você é caloroso e amigável. - Encolhi os ombros. - Não me diz que é da Sonserina?

[7]

- Corvinal.[8] - Respondeu com um sorriso convencido. - A inteligência além da medida é o maior tesouro do homem!

Olhei da cafeteira para ele, pensando que o homem inteligente nem conseguia passar o próprio café, porém a piada travou na minha garganta, pois tive medo de que aquilo pudesse ofendê-lo.

- Eu sei exatamente o que você está pensando. - Seus olhos estavam estreitos. - Que eu não consigo passar o próprio café, não é?

Acenei com a cabeça, mordendo o canto do lábio.

- Eu já tentei, mas sempre fica ruim. - Deu de ombros e voltou para o nosso assunto anterior. - Você é da Lufa-lufa?[9] - Sorri.

- Por que você acha que sou da Lufa-lufa?

- Paciência e lealdade combinam com você. - Confirmei seu palpite e continuamos conversando até que o café estivesse pronto.

Pouco mais de um mês depois...

Meu período de experiência no escritório estava prestes a terminar e eu começava a ficar ansiosa quanto à minha permanência.

Nada de extraordinário aconteceu no último mês além da amizade - não sei se já posso chamar dessa forma - que construí com João Victor. Nunca tive um amigo homem, então era tudo novo para mim, mas ele fazia questão de passar na minha sala todos os dias quando não estava ocupado. Tínhamos um intervalo para tomar café no qual conversávamos sobre qualquer coisa, inclusive sua família. A irmã que estava no último trimestre da gravidez, as coisas que ele fazia durante a semana... Gostava das nossas tardes, pois na maioria das manhãs ele se dizia mal-humorado. Ah, e ele continuava roubando as minhas jujubas, porém nunca tive coragem de bater na mão dele e dizer para não pegar. Ele era legal.

Em relação ao meu trabalho, acredito que fiz um progresso notável e nós já havíamos contratado dois novos funcionários para o nosso time. Cleber, nosso gestor de RH, e Carol, a moça que ficava responsável pela limpeza e abastecia o café. Falei uma vez com Cleber e o restante do contato que tínhamos era por e-mail, já que o meu setor ficava muito ligado ao dele, porém era inevitável que não nos esbarrássemos no corredor vez ou outra.

Quase no fim do expediente, Sabrina bateu na minha porta.

- Doutora Clarice pediu para falar com você. - Prendi a respiração por um segundo depois que ela deu o recado.

Aquela conversa seria para me demitir ou efetivar, talvez prolongar o período de experiência. Soltei o ar devagar, tomando coragem para enfrentar a decisão. Já estava tão habituada ao lugar e à equipe que nem permiti me desesperar por isso antes, mas agora meu coração começava a acelerar.

- Pediu para me chamar? - Perguntei assim que a advogada liberou minha entrada em sua sala.

- Sim. Sente-se, por favor. - Fiz conforme pediu e me acomodei à sua frente. - Como sabe, seu período de experiência acaba amanhã e, de acordo com seu último mês de trabalho, acho que ter você aqui é um desperdício. - Gelei na hora, arregalando os olhos.

Eu não fazia ideia do que responder, já que ao meu ver as coisas iam bem, bem até demais. Comecei a tentar lembrar das vezes em que conversei com ela, se havia dito algo errado ou até mesmo se havia feito algo de errado no último mês. Não conseguia me lembrar de nada.

Merda!

Acho que o fato de ser fechada, quase nunca sair da minha sala e não gostar de conversar, deve ter minado a oportunidade de

gostarem de mim.

Como me impor diante de uma situação dessas? Havia muito medo presente, receio de abrir a boca e acabar de vez com qualquer chance que um dia tive.

- Você é muito boa no que faz, tem ótimas sugestões, é esperta. Vai ser um prazer te ter na nossa equipe, mas tenho certeza de que com o incentivo certo você pode voar, garota. - Falou alguns segundos depois e eu soltei o ar que nem percebi prender.

- Meu Deus, a senhora quase me matou! - Coloquei a mão sobre o coração, tentando aplacar a velocidade em que ele batia.

- Eu falei sério, Íris. Quero muito que continue aqui, porém tenho que te avisar que com seu currículo e competência você poderia ter um emprego muito melhor. - Olhei para cima e a doutora estava impassível, mas, pelo seu olhar, vi que achava graça na minha reação.

- Eu gosto daqui, vai ser ótimo se puder continuar. Também já estou adaptada e é muito mais fácil lidar com pessoas que já conheço. - Confidenciei.

- Por isso que preferi te chamar para conversar em vez de te mandar direto ao RH para assinar os papéis. Não que seja da minha conta, mas você já tentou procurar um tratamento? - Falou mais hesitante, como se não achasse correto aquele tipo de indagação.

- Duas vezes, a primeira não lembro bem e na segunda eu era adolescente. Como não me comunico bem, acabei não me adaptando. - Encolhi os ombros.

- Se permite o conselho, não como sua chefe, mas como uma mulher mais velha e vivida, não há problema em não gostar de

se comunicar, no entanto se torna um problema quando influencia na sua vida e carreira. Precisávamos de um profissional inferior a você para trabalhar em conjunto com o RH, sua experiência e nível acadêmico pesaram na escolha. Então, acho que falar com um profissional te faria bem.

- Vou considerar o seu conselho com toda certeza. - Sorri. - Então, eu estou contratada?

- Com toda certeza! - Ela imitou a minha fala e retribuiu o sorriso. - Bem-vinda à nossa equipe, oficialmente agora! - Estendeu a mão para mim e eu me aproximei para apertar. - Pode passar no RH para assinar os papéis.

Agradeci e saí da sala com tanta alegria que nem cabia mais em mim. Tinha vontade de pular, espernear e sair gritando que eu consegui, que era boa pra caramba. Entrei na copa quase sem enxergar nada à minha frente de tão feliz e encontrei Victor colocando uma xícara de café.

- Eu vou ficar! - Dei pulinhos em sua frente, animada.

- Ahn? - Ele inclinou a cabeça sem entender do que eu estava falando.

- Aqui. Eu fui efetivada!

- Ah, você achou que iríamos te mandar embora? - Perguntou risonho e eu lembrei que ele era um dos meus chefes.

- Sei lá. Como eu ia saber? - Dei de ombros.

- Se eu soubesse que você tinha dúvidas, te diria. Eu gosto do seu trabalho, Clarice também. - Comentou, soltando a xícara no balcão e abrindo os braços para mim. - Bem-vinda, de verdade agora! - Hesitei antes de ir de encontro ao seu abraço.

Era sempre complicado na hora de abraçar os outros. Me sentia estranha em estar tão junto de outra pessoa, em poucos eu

conseguia sentir essa sensação de acolhimento que estava sentindo no meio dos braços do advogado. Me afastei sem graça e agradeci pelas boas-vindas, quando Carol entrou na copa.

Peguei uma xícara para tomar café junto com ele. Era meio que uma rotina nossa.

- Deveríamos comemorar. - Ele sugeriu, levando a xícara aos lábios e soprando o café, acompanhei a cena com o olhar, sem conseguir desgrudar os olhos da boca dele.

Acho que nunca senti isso na vida, essa vontade de beijar a boca de alguém era algo totalmente novo para mim.

- O quê? - Perguntei sacudindo a cabeça.

- Sua contratação, acho que deveríamos comemorar. - Parecia algo casual, sem segundas intenções, mas mesmo assim eu me sentia desanimada em sair para algum lugar.

- Ah! Não sou muito de sair. - Peguei minha xícara de café e assoprei, dando um gole pequeno.

- Maratona de Harry Potter na minha casa com pizza? Ah, isso você não pode negar, eu até compro jujubas se você quiser. Ou posso ir pra sua casa também, tanto faz. - Estreitou os olhos risonhos, enquanto esperava eu responder.

- Quando? - Perguntei, pois hoje era quinta-feira e amanhã teríamos que trabalhar cedo.

- Pode ser amanhã à noite ou sábado, esse fim de semana estou livre.

                         

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