The Storm
img img The Storm img Capítulo 5 The team's locker room
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Capítulo 6 A day in the park img
Capítulo 7 The old days img
Capítulo 8 A long night img
Capítulo 9 Who is Tom img
Capítulo 10 The secret of Lia img
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Capítulo 5 The team's locker room

Para meu azar, ainda estávamos apenas no início da aula de Abigail, ou seja, me mantive durante uma hora como uma estátua que fora petrificada com a cara mais tensa possível, quem pudesse enxergar como me sinto por dentro, poderia me confundir facilmente com a obra "O grito", de Edvard Munch. Tenho vontade de gritar bem alto que esses dois rapazes são perigosos e que, graças à uma alma caridosa que estava passando pelas redondezas bem na hora, por pouco não deformaram o rosto de Kurt.

E tudo o que eu sei é que essa alma caridosa deseja desesperadamente um travesseiro para afundar o rosto, gritar até que a garganta arda em desgaste e que nenhuma voz me reste.

O fim da aula é anunciado com a campainha ecoando seu som estridente.

-Espero que tenha sido uma aula proveitosa. Aguardo vocês até a próxima, até a próxima. – diz Abigail, sempre em seu tom baixo, calmo e vagaroso, jogando palavras ao vento, uma vez que os alunos saem desesperados como se estivessem anos em cativeiro.

Estou tão apavorada que mal consigo me mexer, e Taylor, por sua vez, parece intrigado com algo que lê no livro. Ele não faz nem um pouco o tipo que gosta de ler, de qualquer forma, como estou presa entre ele e a parede, preciso que ele abra caminho.

Até penso em pedir "por favor, com licença." ou qualquer outra frase que tenha um efeito educado, mas que não demonstre tanto assim meu medo. Em poucos segundos sou capaz de pensar em cem frases, no entanto, não consigo, a realidade é que estou travada, temo o que pode acontecer daqui em diante.

Respiro fundo, ensaio mentalmente o que vou dizer e começo:

-Com licença, a aula já terminou. – por mais que seja quase impossível que ele não tenha me reconhecido, tento agir de forma como se eu jamais o tivesse visto antes, ao mesmo tempo que falo com ele, observo a sala ficar cada vez mais vazia e Jack continua entretido com algo que remexe dentro de sua mochila. Preciso sair sem chamar a atenção do loiro, ou que eu chame a atenção, mas que pelo menos saia de uma vez por todas dessa sala. Taylor me salvou uma vez, acredito que seja o menos cruel daquela alcateia selvagem.

-Eu vi, não sou cego. – ele nem se mexe, sequer olha para mim.

Susan, ao invés de me ajudar, sai tão animada conversando com uma de suas colegas de leitura que nem percebe que não estou atrás dela, e a sala agora conta apenas com uns seis alunos, que também já estão organizando suas mochilas para saírem.

Como medida de desespero, resolvo ser mais direta diante a resposta grosseira de Taylor:

-Então, deve ter notado que todos já estão saindo.

-Já notei. – responde, arfando descontente pelo nariz, dessa vez olhando para mim com um sorriso fechado e forçado, ao passo que também fecha o livro da matéria de Abigail. -Mas não tô a fim de sair agora.

Sinceramente nem sei o que dizer, já é tarde demais, Jack já está de olho em mim, pondo sua mochila nas costas e vindo em nossa direção. Ajo com rapidez e irritação nas palavras, pois é quase certo que ele está me encurralando de propósito:

-Me deixa passar, por favor.

-Fique à vontade. – Taylor inclina um pouco para trás, demonstrando que se eu realmente quiser passar, terei que aceitar que ele continuará sentado, enquanto eu passo por cima.

Jack precisou de apenas três segundos até estar ao nosso lado. Nem tive tempo de tentar a opção que me foi oferecida:

-E aí, sumida? Como é que vai essa força? Metendo muito o seu nariz onde não é chamada? – a voz de Jack sai tão sarcástica que meu estômago embrulha na mesma hora, minha garganta seca como um deserto e a única reação que tenho é tentar manter uma certa compostura, uma vez que o estrago está feito.

Devolvo um sorriso fechado, odiando ver que só agora Taylor resolve se levantar e ficar atrás de Jack. Ele não parece muito ligar para nada, apenas acompanha Jack no que quer que ele faça. Mas se for desse jeito, por que Jack obedeceu a Taylor quando o impediu de fazer algo comigo?

-Eu só quero passar. – evito qualquer contato visual, me levanto da cadeira, mas Jack se põe na minha frente.

Abigail, que ainda está em sala de aula, observa de longe Jack me encurralando e o interrompe:

-Humm, estou vendo que já conhecem a Lia.

Jack muda seu semblante rapidamente, ele vai de um sociopata macabro a um aluno exemplar em segundos:

-Sim, ela é nossa vizinha. Se disponibilizou pra mostrar a escola pra gente, não é, Lia? – ele me abraça de lado e enfatiza meu nome, pois até então, não sabia como eu me chamava.

Olho para ele por pouco tempo, o suficiente para que Abigail deduza que ele fala a verdade e que fique livre para ficar mais perto do que antes:

-Ótimo, ótimo! Então, não percam tempo, podem ir, alunos não podem ficar dentro da sala depois que os professores saem, e eu já estou indo.

-Claro, vamos. – Jack força um lado simpático, e só de tê-lo envolvendo seu braço pelos meus ombros consigo sentir a tamanha falsidade que ele utiliza para lidar com o dia de hoje, que foge completamente do personagem que ele costuma usar cotidianamente. Pelo menos até onde eu vi, sei que esse "eu" atencioso e respeitador não é de seu feitio.

Abigail apressa os passos pelo corredor ao lado oposto ao qual seguimos, enquanto eu permaneço com Jack com o braço direito ao redor do meu pescoço e Taylor anda ao meu outro lado livre. Juntos parecemos uma espécie de trio de melhores amigos.

Tudo o que eu queria era que Natan e Susan aparecessem, mas o destino está a favor dos dois. Visto isso, e agora mais ciente do que tudo de que a gangue a qual eles pertencem não está para brincadeira, pois foram capazes de invadirem uma escola para me amedrontarem até que eu dê o que eles querem, começo uma mini sessão de súplica:

-Eu já disse que não foi minha intenção fazer vocês perderem... seja lá o que for. Eu só queria...

-Ei, ei, ei... – Jack diminui a velocidade dos nossos passos para que tenhamos o corredor inteiro para trocarmos ideia. Ele fala baixo mediante os poucos alunos que passam ao nosso lado, ao mesmo tempo que sorri como se conversasse comigo o mais agradável dos assuntos -... a gente não tá chateado com você, né, Taylor?

-Não. – responde Taylor, no mesmo tom debochado.

-Olha aí, tá vendo?! Não é o que você tá pensando. A gente tá matriculado de verdade nessa merda, sabe como é, né? Ainda somos menores de idade, falta pouco até que sejamos donos dos nossos narizes. Se tá achando que viemos te perseguir... sim, também faz parte, mas só se tornou um plano a partir do momento em que eu te vi sentadinha do outro lado da sala. Não fazia ideia de que encontraria a caloteira de Ohio bem aqui nessa escola.

Ouço cada palavra e tento não chorar de nervosismo. Entre tantas vontades, só queria mesmo que ele se desgrudasse de mim, sua energia é pesada, meu corpo absorve toda a vibração caótica que emana dele:

-Mas eu não sei como fazer pra... pra me livrar disso. Não tive intenção de... – tento explicar, com muita força na voz para que o timbre não vacile e denuncie meu pavor.

-Eu também não sei como você vai fazer pra se livrar disso. – Jack sorri. -Mas vai conseguir, sei que vai. Você tem cara de estudante esforçada, comprometida e inteligente. Vai saber o que fazer. Só não demora tanto, agora que somos amigos, pode-se dizer que temos um ano todo de espera, ou pelo menos é o tempo que a nossa linda amizade vai durar, mas eu não tenho tudo isso de tempo. Então, dá seus pulos. Tô cagando pros meios, eu quero só os fins.

Ele finalmente me solta quando vê se aproximar Chris e Diana, provavelmente andando sozinhas com os braços cruzados porque Megan já está em detenção como auxiliar no refeitório.

Jack as encara e sorri, enquanto elas sorriem de volta e olham para mim como se me xingassem de vadia, aposto que pensam que estou me jogando para os novatos. Mal elas sabem que eu queria mesmo era nunca tê-los conhecido.

Enquanto vira o corpo para acompanhar o andar das meninas, Jack finaliza ao voltar sua atenção para mim:

-É, vai ser um ano daqueles. E já que a vida me deu esse presentão... – ele aponta para mim com as duas mãos abertas. -Por qual motivo não agradecer, não é mesmo?

Ao terminar sua frase, Jack me dá as costas e caminha ao lado de Taylor para irem a qualquer lugar, quem sabe aporrinhar outra pessoa.

São tantas coisas que passam dentro de mim que não sei como explicar: o estômago borbulha, a garganta se enche de um ardor inexplicável, a respiração ofega e as pernas bamboleiam escondidas dentro do meu jeans. Agora, parada no meio do corredor sem reação nenhuma, imagino tantas possibilidades de escapar que, no final das contas, percebo que nenhuma tem validade. E o pior de tudo é que eles se mostraram outras pessoas, os alunos da turma compraram as facetas de bons moços, descolados e extrovertidos, ou pelo menos Jack fingiu perfeitamente, enquanto Taylor bastava sorrir de lado das brincadeirinhas de Jack, já era o suficiente para Chris, Diana, Megan e até mesmo para professora Abigail, que adorou a participação de Jack em suas perguntas, embora ele fizesse questão de bancar o aluno que não sabe, mas que está ali para ouvi-la e aprender. Seria incrível se não fosse trágico.

Ainda que eu não goste de boa parte dessa escola, sinto calafrios só de imaginar que daqui a pouco alguém possa sofrer o mesmo que Kurt quando não pagar as contas, ou pior. Afinal, sejamos honestos: jovens, drogas e curiosidades cabem muito bem dentro de um mesmo contexto.

Num ímpeto que se forma repentino e inconsequente, vejo-os se distanciando, de costas, conversando como dois alunos normais, como se nada que tivessem me falado fosse extremamente problemático:

-Não são bem vindos.

Me arrependo na mesma hora.

Merda. Merda. Merda.

Posso vê-los em câmera lenta se virando para mim. Jack desfila lentamente, tal como se atuasse para um filme de suspense, e que ele certamente seria o vilão dessa história ridícula que eu não deveria estar fazendo parte. Taylor permanece no mesmo lugar em que parou.

Com Jack tão perto, posso sentir seu perfume amadeirado. Três ou quatro alunos passam ao nosso redor, em virtude disso, o loiro apenas solta sua mão direita que segurava a frente da alça de sua mochila, acaricia minha bochecha com dois dedos ásperos, inicialmente com movimentos suaves, mas que se intensificam em questão de três segundos.

Como reação, viro o rosto para o lado, e ele aproveita para aproximar os lábios do meu ouvido para sussurrar:

-Não abusa da sorte, vadia. Geralmente não somos bem vindos em nenhum canto. Vai se acostumando, porque achei que seria pior, mas adorei estar aqui, e não vou sair tão cedo. O pessoal amou nossa presença. Vai ser sua palavra contra a nossa. – ele se afasta um pouco, me olha dentro dos olhos e finaliza. -Até amanhã.

Finalmente eles se vão, infelizmente não por muito tempo.

A vontade que tenho é de gritar, mas como estou em público, é melhor procurar um ombro amigo, que a essa altura deve estar numa mesa rodeada de leitores assíduos do grupo de leitura, sem ao menos notar que não estou por perto.

Em passos não muito rápidos, me concentro em não desabar em lágrimas, consigo sentir minha garganta pegar fogo, mas sigo em frente e firme.

Ao chegar no refeitório, mergulho num ambiente tomado pela algazarra de jovens que conversam assuntos variados em mais de treze grupinhos diferentes espalhados por todos os cantos. Em meio a toda bagunça e sons de talheres tocando nos pratos, procuro com os olhos onde Susan pode estar. Nunca estive tão certa na vida.

Passo com cuidado ao lado de um grupo de emos, cujas franjas lisas tampam suas faces esculpidas em muito pó compacto e as linhas d'água dos olhos num rabisco profundo de lápis preto. Eles costumam odiar qualquer um que não seja do meio deles, e apesar de nunca terem feito nada a ninguém, jamais duvidamos de quem nos observa dos pés à cabeça com olhos semicerrados em tempo integral.

Finalmente chego perto de Susan, que falava de forma alegre algo sobre Gatsby. Em outra ocasião, adoraria perguntar quem seja, no entanto, as condições não são favoráveis.

Sem intenção de tremular as mãos ao tocar em seu ombro – mas já tremulando –, interrompo a interessante troca de conhecimento, e isso não gera uma boa impressão dos outros quatro sentados à mesa, que, como se não bastassem os emos, também me olham bem sérios. Talvez o problema seja eu.

-Ah, oi. – diz Susan, a única que me recebe com alegria e surpresa. -Foi mal, já ia atrás de você, mas é que surgiu uma reunião de última hora com o pessoal e...

-Su, será que você pode me acompanhar? – digo, sem enrolações.

É claro que ela já percebe minha reação, e não é para menos, nos conhecemos desde que éramos crianças, é claro que ela perceberia.

-Com licença, mas "O grande Gatsby" não pode esperar, garotinha. Se não viu, estamos no meio de uma Grande reunião. – se manifesta Leon, cuja indignação mora no seu dedo indicador levantado ao ar como se me ralhasse com um fio potente de eletricidade que só ele consegue ver, sem falar dos olhos dele tão arregalados que parece até que eu interrompi a conversa mais importante de toda a história da humanidade. Eu o temeria, se não fosse seu cabelo partido ao meio e lambido por gel, sua camisa polo verde marinho e o casaco branco de algodão amarrado ao pescoço como mero utensílio de enfeite, sem intenção nenhum de aquecer.

-Tudo bem, Leon. Na verdade, eu tenho um assunto pra falar em particular com a Lia. Será que eu posso faltar a reunião hoje? Prometo que é um assunto de suma importância.

Susan praticamente trata Leon como o deus supremo daquele grupo que, em minha opinião, deveria ser um dos mais interessantes da escola, mas só acolhe um bando de gente arrogante, pois acham que detêm todo o conhecimento do mundo.

Ele revira os olhos, gesticula impaciente a mão esquerda em círculos consecutivos, como quem responde "Vai, anda, vai logo, antes que eu me arrependa."

Ao finalmente tê-la ao meu lado, decido me distanciar até a área verde, que consiste num pequeno espaço aberto onde os alunos aproveitam a luz do dia depois do almoço. Engulo em seco, não consigo pensar direito, na verdade, analisando com cuidado, nem sei ao certo por qual motivo estou puxando Susan para um assunto como esse. Já é perigoso uma pessoa estar participando, imagina se mais ela souber, e automaticamente Natan também saberá.

-Já, o que é tão importante que não pode esperar a reunião acabar? – Susan pergunta, pegando em minhas duas mãos e sentindo meu nervosismo resultar em trêmulos quase imperceptíveis. -Ei, o que foi? Tá me deixando preocupada, garota...

Olho Susan no fundo de seus olhos esverdeados, e só agora me toco do quão inconsequente serei se chamar mais alguém para esse caos que eu mesma criei, porque sou burra e me meto onde não sou chamada, mas agora já é tarde, consegui deixar Susan tão aflita quanto eu, e despejo palavras incompletas em gaguejo como:

-É... é... eu...

-Meu Deus! – Susan se espanta, por segundos temo que ela saiba a verdade só de ter lido minha expressão, seria o auge da intuição. -Não vai me dizer que menstruou e tá sem absorvente?!

Por incrível que pareça, sinto um certo alívio. Em resposta a isso, sorrio em agradecimento. De maneira alguma vou envolvê-la nisso:

-Sim! – respondo imediatamente, em outra situação ela desconfiaria da minha resposta pronta à sua pergunta, mas quando se trata de menstruação e nada para conter o fluxo desse fenômeno natural, as indagações são descartadas, e então a sororidade entra em ação.

-Minha nossa, Lia. Eu tenho estoque aqui na mochila. – Susan corre contra o tempo, como se o problema fosse todo dela, encontra um pacote de absorventes e me dá. -Aqui, vamos ao banheiro AGORA.

Sem muita escolha, sou puxada pelo braço. Quase saímos juntas da área verde, mas Natan aparece na nossa frente num piscar de olhos, se espreguiçando como se tivesse acabado de acordar e arregala os olhos ao nos ver:

-Lia! Su! Finalmente a gente se encontra como um verdadeiro trio. Pra onde as senhoritas estão indo, hein?!

Ao ver Natan, vestindo o casaco do time por cima de uma blusa branca básica, sinto uma espécie de proteção que afaga meu coração. Sem nenhuma explicação, parto para um abraço bastante apertado.

Não tenho olhos na nuca, mas como estou com a orelha grudada em seu peito, ouço Natan perguntar sussurrante para Susan "O que aconteceu?", ao que ela responde na mesma entonação "TPM!". É nessa hora que Natan parece compreender perfeitamente e me abraça tão apertado quanto, e por um momento acho até que ele se alivia por ser somente isso, ele odeia quando choramos, nunca sabe lidar e sempre acaba agindo como uma barata tonta.

Ao passo que desconto meu nervosismo todo nesse abraço, o amasso cada vez mais forte, enquanto ele reclama:

-Ei, mulher, não exagera, vai me fazer vomitar toda a comida que engoli agora há pouco. Eu tô cheião, nunca comi tanto na vida.

Como a cura do momento, sinto-me um pouco mais aliviada. Me distancio dele na mesma hora que o ouço dizer, e retruco:

-Cheião? Mas você odeia a comida daqui.

Natan arregala os olhos, comprime os lábios e passa a mão direita nos cabelos, como quem procura uma resposta rápida ao ser pego no flagra, mas tudo o que consegue é um gaguejo desconcertado de uma explicação que nem chega a ser dita, já que Susan é mais rápida e o entrega:

-Acho que ele continua odiando a comida, mas não quem tá servindo. – Susan aponta para o outro lado do balcão onde as cozinheiras, e a auxiliar mais esperada, servem a três atletas do time de Natan, todos já repetiram a comida três vezes, rumo à quarta.

Reviro os olhos, respiro fundo e dou um leve empurrão sem força no peito de Natan, que sorri e ergue as mãos ao alto em rendição:

-É sério, a comida estava bem boa hoje, e eu não sei qual o motivo, talvez seja... Não sei, mas não tem nada a ver com a Megan, sabe...

Dito isso, um dos colegas de time passa por ele, também trajando o casaco do time, alisando a careca que reluz à luz do dia, e ao ver Natan parado à nossa frente, o cutuca com o cotovelo em seu braço e diz enquanto passa:

-Que comida ruim da porra, mas quem tá servindo compensa, né, não?! – o rapaz careca levanta a mão para que Natan bata numa espécie de high five estalado, e ele o faz, ainda que a contragosto.

Susan bufa por sentir vergonha alheia, revira os olhos e diz:

-Homens...

Natan dá um sorriso amarelo, ao que tenta mudar de assunto rapidamente:

-Ah... então, e aquele nosso rolê? Ainda tá de pé, né?

Susan sorri e balança a cabeça como quem deixa o assunto para trás e responde:

-E aí, Lia? Só depende de você. – ela dá uma ligada nos olhos arregalados, ao lembrar do nosso assunto antes de Natan aparecer. -Eita, vamos ao banheiro. Como você se esqueceu?

Antes que eu responda e pense numa mentira rápida, como dizer que meu fluxo não é tão intenso assim, que dá para esperar mais um pouco, tudo porque quero aproveitar mais a presença de Natan, uma vez que nós nos encontramos tão pouco tempo, a campainha toca, anunciando a nossa volta às salas, no entanto, hoje o terceiro ano do Ensino Médio tem aula de educação física, o que significa que temos exatos vinte minutos para nos trocarmos no vestiário.

Natan se apressa e se despede praticando o seu espanhol que ele vem aprendendo a passo de tartaruga, dando ênfase nas palavras estrangeiras para demonstrar seu grau de comprometimento:

-Señoritas, preciso ir. O time tá discutindo algumas cositas essenciais essa semana. Por isso ando bastante sumido, mas semana que vem voltamos a nos ver com mais frequência. Todo dia, toda hora, prometo.

-Ah, não, prefiro assim. – brinca Susan.

Natan dá de ombros, dá um beijo em nossas testas e logo se distancia.

Há quinze minutos atrás eu queria enfiar meu corpo todo num buraco minúsculo e claustrofóbico para nunca mais sair, porém, com a presença de Natan e Susan tudo melhora, parece até que consigo cultivar flores num jardim inóspito. Sempre que posso analiso meu círculo de amizade, e sei que sem eles já teria largado de mão de tudo isso.

-Vem, vamos! Você precisa logo de um absorvente. Ah, e será que você vai conseguir se exercitar? Pode dar uma cólica, o que também não é problema, já que tenho remedinho pra isso. – tagarela Susan, me puxando pelo braço corredor a fundo, e hoje parece que as pessoas se apressaram para entrar nas salas, já que os caminhos estão completamente vazios, como se o anúncio de uma bomba tivesse vazado e todos tivessem corrido.

-Você é a louca dos remedinhos, Su. – brinco.

-É, eu sei, de nada. – responde ela, toda orgulhosa.

Estamos quase chegando em nossos armários, leva cerca de cinco minutos até estarmos lá, a escola é grande, são tantos corredores que um novato se perde facilmente.

Em quase dois metros de distância, escutamos alguém nos chamando por trás:

-Ei!

Eu e Susan nos viramos. Tudo acontece tão rápido que não deu para processar passo a passo de Megan chacoalhando uma garrafa de refrigerante, abrindo a tampa e despejando o líquido num violento jato turbulento de gás molhado e açucarado em mim e Susan.

Ficamos ensopadas da cabeça aos pés, já que Megan fez questão de nos regar para que nada saísse seco.

-Sua... VACA! – grita Susan, tão assustada quanto eu, passando as mãos em seus encaracolados fios ruivos, e eu sei exatamente o quanto demora para que ela faça todo o ritual de limpeza de seus cabelos.

Megan não se ofende nem um pouco, ao contrário disso, ela ri vitoriosa, entrega a garrafa seca para Diana que está ao seu lado e Chris apenas ri do outro lado:

-Qual o seu problema, idiota? – esbravejo, olhando toda minha roupa manchada e ainda sem acreditar que isso acabou de acontecer.

-Motivo número um: senti vontade de te dar um banhozinho de leve, amor. Ah, e olha, acho melhor você dar o seu jeito pra eu sair desse inferno de auxiliar de merenda, porque senão, essa cena aqui vai se tornar frequente até que eu saia de lá, entendeu bem?

-Piranha! Eu quero mais é que você vá se fod... – nunca vi Susan tão enfurecida, e antes que ela possa terminar, Megan a interrompe num tom mais alto, acabando de contar os motivos, como se ela precisasse de algum:

-Motivo número dois: acho melhor você parar de bancar a vagabunda da escola e já se atirar nos novatos. É feio, sabia, menina? Ser tão atirada assim...

-Disso você entende bem, não é, Megan? – finjo um sorriso falso, lembrando do momento em que Jack estava me ameaçando no corredor, enquanto Diana e Chris passavam juntas de braços cruzados, obviamente elas já contaram à Megan.

-Vou fingir que não ouvi isso, já fiz o que queria. Mas o recado tá dado: fica bem longe dos novatos, eles não são pro seu bico. – Megan dá uma risada provocada, e finaliza sua fala arrogante: -Como se alguém no mundo fosse pro seu bico, né? Ai ai...

Megan estala os dedos e consequentemente suas amigas a seguem como boas cadelinhas obedientes. As três somem pelo corredor, provavelmente para, também, pegarem seus pertences para a aula de educação física.

-Mas que merda, cara... – choraminga Susan, num pranto silencioso pelo cabelo todo desmazelado.

De certa forma sinto-me culpada, afinal, Susan não deveria ter recido esse "banho" gratuito:

-Su, me desculpa, se não fosse por mim...

-Não, amiga... – ela bufa de raiva, mas já aceitando que terá que fazer o ritual de três horas para lavar o cabelo hoje de novo. -...vem, vamos. Direto pro banho, eu não queria fazer educação física mesmo. – sorri ela, e eu sei que no fundo é só para não me deixar com a consciência pesada.

Com a mudança de planos, seguimos para nossos armários, mas dessa vez com o intuito de pegarmos uma muda de roupa nova. Nos é aconselhado a, em dias de educação física, trazermos uma roupa extra, para qualquer imprevisto, e ainda bem que sou adepta a ouvir as regras. Susan também.

Como duas fugitivas, conseguimos escapar dos olhos vigilantes da professora, que estava concentrada demais nas meninas ao exigir que fizessem cem polichinelos e, em seguida, vinte abdominais. Certamente ela nos liberaria ao nos ver toda ensopadas, mas para isso teríamos que aparecer na frente das outras meninas, o que seria uma humilhação ainda maior.

Finalmente debaixo do chuveiro, deixando que a água esvaia de mim todo o líquido pegajoso que grudou na minha pele, ouço o resmungo de Susan no box vizinho:

-Quando eu pegar aquela mocreia, juro que não sobra nem uma pena naquela galinha cachorra.

-Decide, ela é mocreia, galinha ou cachorra? – brinco.

-TUDO O QUE HÁ DE RUIM NESSE MUNDO. – grita Susan, certamente enrolando os cabelos para que se mantenham pelo menos um pouco arrumados, já que ela jamais os lavaria na escola e correria o risco de alguém vê-la assim. Eu particularmente não vejo nada de errado, mas ela abomina essa ideia só de pensar.

Seu celular toca e ela, aprumada para atender, enrola uma toalha em torno do corpo ensaboado, pisando no chão deslizante com cuidado, remexe a mochila e finalmente acha o aparelho.

Pelo eco do banheiro, consigo ouvir tudo:

-Oi, pai. Ai, graças! Aconteceu uma tragédia, meu cabelo tá todo molhando... por quê?... olha, não dá pra explicar... não, não, eu preciso que o senhor venha me buscar... sério?... A quanto tempo mais ou menos?... NÃO! NÃO! EU JÁ TÔ INDO. ME ESPERA AÍ, NÃO SAI DAÍ. – com o apavoramento de Susan, desligo o chuveiro, abro uma fresta da porta de alumínio e a espio vestindo suas roupas rapidamente.

-O que foi? Aconteceu alguma coisa com seu pai?

-Não, não, é que eu pedi carona por mensagem, ele ligou e disse que tá estacionado aí na frente. Não vou correr o risco de ir a pé pra casa e mais gente me ver assim. Vem, vamos. Eu te dou uma carona. – diz ela.

Por um momento até cogito a possibilidade de ir com ela, mas lembro que prometi um piquenique com Petter hoje, e não posso furar de novo:

-Pode ir, eu tenho algumas coisas pra fazer depois daqui. – explico, forçando um sorriso fechado.

-Tem certeza?

-Absoluta.

-Olha, olha. Qualquer coisa, me avisa, hein. Beijinho. – ela se despede com um beijo em minha testa e sai em disparada com a mochila nas costas.

Eu respiro fundo e permaneço imóvel sob o chuveiro forte. Com os olhos fechados, permito que os poucos minutos de lavagem tirem, além de todo o açúcar, a maré de azar que me ronda, ultimamente, principalmente as mais perigosas. Reflito um pouco sobre quais atitudes adequadas para tomar, sobre o que fazer e até o que não fazer.

Estou mais calma em parte porque Susan e Natan me proporcionaram um momento de distração, no entanto, só eu sei o quanto estou receosa.

Sem mais delongas, fecho o registro, busco minha toalha e com cuidado ando pelo piso do vestiário.

Procuro minha mochila por todos os cantos, mas principalmente onde jurava que tinha deixado: em cima de um extenso banco retangular e comprido que repousa em frente ao armário pessoal de cada aluna, mas não está.

Para confirmar, abro meu armário e acho apenas um bilhete de papel rasgado de qualquer jeito do caderno, com os dizeres: "Já que quer ser tão amiguinha dos meninos, vai lá no vestiário deles, talvez sua mochila esteja lá."

Não está escrito em lugar nenhum o quanto esse bilhete faz borbulhar dentro de mim um tipo de água fervente que adoraria ser derramado vagarosamente em Megan e em qualquer pessoa que se associe a ela.

Amasso o bilhete, jogo para bem longe e me vejo presa numa única alternativa: meu celular está lá dentro, se eu quiser me vestir, preciso ir lá de qualquer jeito.

Respiro fundo, amenizo as aflições, amarro bem o nó da toalha acima dos meus seios para que não desmache e então começo a missão impossível.

Conforme ando e olho a cada canto com barulho suspeito, me alivio ao ouvir quase nada, pois enquanto relaxava debaixo do chuveiro, as pessoas iam embora, ou seja, vai ser muito azar se eu encontrar alguém por aqui que não sejam as faxineiras ou algum professor.

Como o vestiário dos meninos é distante do feminino apenas alguns metros, não demora muito até que eu consiga entrar sem esforço algum.

Assim que invado o recinto masculino, ainda circula pelo ar o vapor da água quente que utilizaram ao mesmo tempo. Os espelhos e alumínios vermelhos dos armários estão suados e emaçados.

Sem muita procura, da porta avisto minha mochila em cima da banqueta extensa que, pelo visto, os meninos também têm no mesmo estilo que o nosso.

Antes de correr em disparada para pegar a mochila e dar o fora o quanto antes, paraliso no meio do caminho ao ver Taylor me olhando de longe, apenas com uma toalha enrolada que cobre da cintura para baixo, expondo sua barriga definida em gominhos tão nítidos que é impossível não olhar.

Fico paralisada, pois imagino que Jack talvez esteja presente, mas depois que não escuto aquele tom sarcástico, tenho certeza que estamos a sós.

Enquanto ele me encara de longe com uma cara de quem não está entendendo nada, desvio meu olhar e seguro forte no nó que dei na toalha que envolve meu corpo para que não caia.

Que situação!

                         

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