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Mesmo ouvindo aquelas palavras de Lidiane, custava a acreditar que era verdade.
- Quando?
- Hoje de manhã, quando estava dando sua segunda trepada da manhã com André.
Passo a mão pelo meu rosto, colocando o cabelo atrás da orelha.
- Tenho que ir ver ele – sussurro sem olhá-la.
- Hâ?!
Olho para ela.
- Vou lá ver ele – Ando em passos rápidos em direção ao quarto, com ela logo atrás.
- Você não pode sair da favela. Tá esquecida que sua caneca tá a prêmio?
- É o Marco.
- Você tem ele como um deus – Resmunga sentando no banco do carona do carro.
- E ele é pra mim – Dou de ombros.
- Não se esqueça do diabo do Gael.
Paro de dar ré no carro, sustentando o olhar dela.
- Gael nunca me machucaria – digo convicta.
Ela balança a cabeça de um lado para o outro incrédula.
- É o Gael, Maria – diz séria – Você só conheceu uma parte inofensiva dele. Não conhece ele de verdade.
- Você conhece?
- Rubinho contou o quê e ele fez com a Marcela.
- A gente não sabe se é verdade – Manobro o carro, dando partida.
- Se for, vai ser sensata e começar a ter medo dele?
Uma parte de mim tinha uma pequena noção da perigosidade de e Gael. Mas não me assustava. Apesar das circunstâncias, ele nunca chegou a me colocar necessariamente em perigo, sem eu querer, ou me ferir de alguma forma.
Se eu estava naquela situação, era por quê eu quis desde o início.
Quando paro o carro em frente de casa , um breve silêncio se instala. Lidiane me olha, esperando com que mudasse de ideia, entretanto, nós duas sabíamos que isto não iria acontecer.
Sem dizer mais nada, ela desce do carro, batendo a porta com força. Apertando o volante, piso no acelerador, a olhando pelo retrovisor.
Meu coração batia descompassado no meu peito, quase que dolorosamente. A ansiedade havia tomado conta do meu corpo, junto com o nervosismo.
Sete meses havia se passado desde a prisão de Marco. 30 semanas haviam se passado, desde a última vez que nos vimos, desde a promessa que havia feito de tirar Gael de nossas vidas e era naquela promessa que estava me segurando desde então.
Continuo as dirigir, torcendo mentalmente que não houvesse nenhuma blitz a frente.
Quando meu rosto saiu no jornal, a surpresa e o choque me paralisaram. Apesar de querer manter o anonimato, não querer sujar minhas mãos com sangue, o alvo estava pintado em minhas costas; As ordens vinham de mim. Era eu que estava a frente do Complexo do Alemão.
Em outras palavras, o terror estava sendo disseminado por mim. Mesmo não sendo minha intenção desde o início.
Meu objetivo era ser melhor do que Gael na liderança, dar aquelas pessoas, o que não tinham, oferecer a ajuda que lhes negavam.
Parecia ser algo simples, mas não era. Principalmente quando a polícia começou a intervir nos bailes funk, prejudicando não só a mim, já que era nos bailes que havia grande distribuição de droga, mas os próprios comerciantes, que tiravam dali seu pão de cada dia.
Foi depois de inúmeras reclamações, que me dei conta de que precisava ser radical. Agir da mesma maneira que estava agindo comigo ou pior.
Foi aí que a Perigosa nasceu.
Perigosa, por que conseguia ser traiçoeira como um cobra. Era quando menos se esperava, me eu dava o bote.
O fluxo de pessoas subindo e descendo a Rocinha era intenso. Nada fora do normal.
Deixando meu carro na esquina, olho para as duas direções enquanto caminhava a casa a poucos metros de mim.
Bato no portão de ferro, sentindo o sol do meio dia em minhas costas que, estavam cobertas por um tecido fino.
Após bater pelo segunda vez, dessa vez mais alto. O portão abre.
- Raissa, não é? – digo quando ela aparece. Não tinha mudado muito, havia ganhado mais corpo e cortado o cabelo.
Ela me olha de cima a baixo.
- Você é a Antônia, não é? Veio aqui uma vez.
Pelo menos ela lembrava de mim.
- Foi. Já faz um tempinho – Coço o lado da cabeça – Seu irmão já chegou?
- Minha tia disse que ele tinha sido solto, mas ele tá no hospital ainda.
Franzo o cenho.
- Por quê ele tá no hospital?
- Fizeram uma rebelião na cadeia e ele por ser ele, foram pra cima dele. Ainda bem que ele não se feriu muito.
- Mas, disseram quando ele vai receber alta?
- Tão esperando o médico pra isto.
Olho novamente nas duas direções, voltando a olhar para ela.
- Posso esperar ele?
- Tá. Tudo bem. Entra aí.
Apesar de conhecer a casa, esperei com que Raissa mostrasse o caminho.
Tudo parecia estar do mesmo jeito. A impressão que tive era que havia voltado no tempo.
- Fica a vontade - diz Raissa - Vou arrumar a cozinha antes que minha tia chegue.
Assinto, observando-a se afastar, olhando em seguida para a escada.
Subo os degraus sem fazer barulho, passando pelos quartos, cujas portas estavam abertas, menos o quarto de Marco.
Meus olhos vagam pela cama arrumada e os objetos sobre a escrivaninha. Mesmo ele não estando ali, seu cheiro estava presente e isto de alguma forma, me aqueceu por dentro.
Ele só estava preso por causa de Gael e Rubinho, principalmente por causa de Rubinho; Se ele não tivesse inventado que havia sido Marco que roubou a droga, Gael não se sentiria no direito de entregar o melhor amigo para a polícia.
Aquele era um dos motivos que encontrei, para deixar Rubinho cozinhar vivo todos os dias dentro daquele barraco.
Por enquanto até decidir o quê faria com ele, ele ficaria naquele lugar, definhando, se deteriorando a cada dia que se passava.
Sento na beirada da cama, inclinando meu corpo para trás, apoiada nas mãos. Minha barriga havia começado a pesar, com isto, surgiu as dores nas costas e por todo o abdomên. Além de eu não conseguir respirar normalmente e não encontrar uma posição favorável para dormir.
Mesmo sabendo que dentre dois meses minha vida mudaria completamente, depois de ter que colocar duas crianças no mundo, não conseguia amá-las, não conseguia sentir o amor que minha mãe sempre dizia ter por todos seus filhos.
Até aquele momento, não conseguia sentir nada. Só raiva as vezes, por aquela barriga me impossibilitar de fazer ações comuns.
Um bom tempo se passou, até que escutei vozes animadas vindo do andar de baixo. Imediatamente, meu coração começa a bater com força em meu peito e tento identificar as vozes, mesmo não conseguindo ouvir com clareza por causa das batidas que pulsavam em meus ouvidos.
Até que ouço passos no corredor e engulo em seco. E quase que de repente, a porta se abre e a surpresa se estampa no rosto de Marco, que olha para minha barriga e novamente sustenta meu olhar.
Logo atrás dele, estava dona Lídia que pela sua expressão, deduzi que não havia gostado de me ver ali.
- Raissa me deixou entrar - murmuro levantando com dificuldade.
Dando dois passos para perto da parede, olho Marco com atenção notando os hematomas em seu rosto.
Dona Lídia tira a colcha da cama, sacudindo a mesma, fixando o olhar em mim.
- Tá grávida dele? É por isto que está aqui?
- Tia! - Marco repreende.
Ela olha para ele.
- Preciso saber se vou ter que criar mais um filho seu.
- Não é por isto que estou aqui não - digo séria - Fiquei sabendo que ele havia sido solto e vim ver ele.
Dona Lídia me ignora, continuando a sacudir a cama.
- Vem se deitar, Nem. O médico disse que tem que continuar em repouso - diz olhando para o sobrinho, enquanto dobrava a colcha da cama. Marco obedece, soltando o ar dos pulmões devagar ao se deitar - Vou ver o quê tem na cozinha pra comer - Antes de sair do quarto, me olha com atenção, com a expressão fechada.
- Sua tia não gosta de mim - digo convicta. Acreditava que desde a primeira vez que nos vimos, simplesmente nosso santo não bateu um com o outro.
- Impressão sua - diz com o corpo virado na minha direção - Ela só tá assim por que não pegou amizade com você.
Cruzo meus braços sob minha barriga, não conseguindo acreditar naquele argumento. Me considerava um tipo de pessoa, que sempre sentia quando alguém não gostava de mim e dona Lídia infelizmente estava na lista das pessoas que preferia me ver bem longe.
- Vem cá - Ele estende a mão na minha direção. Sentindo como se um imã me puxasse, seguro sua mão, sentando ao seu lado da cama. Ainda deitado, ele passa a mão por cima da minha barriga - Tá de quantos meses?
- Tô entrando nos oito meses - Não conseguia enfiar na minha cabeça aquele negócio de semanas. Virava uma verdadeira confusão, junto com o jeito que se contava as semanas de gestação - E são dois.
Ele ergue as sobrancelhas.
- Dois?
- Foi isto que o médico disse. Parece que eles compartilham a mesma placenta - Olho com atenção o formato redondo da minha barriga - Ele disse que por causa disso, são gêmeos idênticos.
- Trabalho em dobro.
- E preocupação também - Ainda não tinha a certeza que conseguiria dar conta. Sentia que não - Foi o Gael, não foi? - pergunto me referindo aos ferimentos pelo corpo dele.
- Provavelmente - Meu corpo fica tenso no mesmo instante. Durante todo aquele tempo, Gael não fizera nada contra mim diretamente, era como se ele tivesse evaporado no ar mas, o fato de Marco ter sido quase morto na cadeia, deixava claro que ele estava determinado em fazer sua vingança.
- Ele vai vir atrás de mim - Concluo baixo. Mais cedo ou mais tarde, tal coisa aconteceria.
- Antes disso mato ele - Sustento o olhar dele, enquanto ele se sentava devagar - Os dias de Gael estão contados. Nem que seja a última coisa que eu faça - Ele passa o braço pela minha cintura, me puxando para junto de seu corpo.
Deito minha cabeça em seu ombro, inspirando profundamente.
- Senti sua falta - murmuro.
- Também - Os dedos das mãos dele, deslizam para dentro do meu cabelo - Mas agora tô aqui - Abraço a cintura dele, erguendo a cabeça na direção do rosto dele, recebendo um beijo em minha boca - E não vou mais deixar tu ir embora.
Sorrio sem mostrar os dentes, sentindo que naquele momento, tudo que havia acontecido antes, ficará no passado e que dali em diante ficaríamos juntos.