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A insistência do meu celular me acorda.
Ainda com os olhos fechados, pego o aparelho retangular em baixo em baixo do travesseiro ao lado do meu e atendo, mal enxergando o número que estava na tela.
- Alô? - digo rouca.
- Patroa, o bambu tá gemendo! - Franzo o cenho, afastando o celular da orelha, olhando a sequência de número, sem conseguir reconhecer.
Me odiava quando não salvava os números.
- Quem é?
- Como quem é, patroa? É o cego que tá falando.
O cego não era cego completamente, só não possuía um dos olhos, já que o mesmo, perdeu em uma briga.
- Ah - Minhas pálpebras se fecham contra minha vontade, me puxando para o sono que estava - O quê foi dessa vez?
- Os vermes pegaram os dois caminhão que vinha com as drogas - Abro meus olhos de repente, encarando a pouca luz do quarto.
Aquilo não era nada bom.
Aqueles dois caminhões estavam encarregados em abastecer toda a favela. E sem aquela droga, não haveria faturamento.
Sento na cama, mantendo minha cabeça baixa.
- Cadê o André?
- Já cansei de ligar pra ele e nada. O cara tem sono pesado - Ele faz uma breve pausa - Sabiam a rota e a hora que os caminhão íam passar.
- Vou dar um jeito - Após dito isto, desligo. Enfurecida, frustrada, pela aquela situação decorrente que, a cada dia que passava, não parecia ter uma solução.
Irritada, saio da cama. Ligando no automático para André.
O telefone chama até cair na caixa-postal, acabando por me irritar ainda mais.
Após escovar os dentes, deixo o quarto, encontrando a casa silenciosa. Lidiane continuava dormindo.
Na cozinha, ligo a cafeteira e encaro a mesma, enquanto fazia o café. Na minha cabeça fervilhava vários pensamentos ao mesmo tempo, me impedindo de me concentrar em apenas em um.
A única certeza que tinha, era que precisava agir urgentemente. O mais rápido possível.
Então, depois de forçar um pouco de café garganta a baixo, decido arriscar a primeira opção.
O telefone chama quatro vezes, até ser atendido abruptamente, fazendo com que meu coração desse um pulo.
- Diga aí - diz uma voz masculina do outro lado.
- Sou eu. Antônia.
- Tô ligado.
Breve pausa.
- Os caminhões que vinham com as drogas foram pegos pela polícia.
Outra pausa.
- E eu com isso? - A pergunta tira minha reação por alguns segundos.
- Preciso de outra remessa - digo baixo.
Desta vez o silêncio se prolonga mais um pouco.
- Tá me tirando de otário? - Sua voz era ríspida, bruta - Acha que sou idiota?
Engulo em seco.
- Pago em dobro.
Ele ri debochado.
- Com que dinheiro? Tu tá quebrada.
- Me dá 30 dias.
- Só vou vender minha porra agora, com dinheiro vivo. Sem isso. Sem droga. Tá ligada?
Pressiono meus lábios com força, mordendo minha língua.
- Entendi.
Ele desliga, não me dando chance para argumentar.
Infelizmente estava em uma hierarquia. Essa qual, aonde havia pessoas mais poderosas que eu, mais influentes; Que mandavam e desmandavam em várias favelas do Rio de Janeiro e que eram a cabeça de tudo.
Para ele, o chefe da facção, eu só era um peão, que recebia ordens, apesar de estar a frente da favela do Complexo do Alemão.
E era disto, que já estava de saco cheio.
Praticamente, além dos meus pés atados, havia atado também minhas mãos, me deixando escolha alguma.
Pelo menos era isso que eu achava.
Entro em meu carro rapidamente, dando partida no carro bruscamente, quase atropelando um motociclista que vinha na minha direção.
Se Rubinho não quisesse morrer naquele dia, era melhor ele ter uma solução para todos meus problemas, incluindo a polícia, que parecia cada dia mais perto do meu cangote.
Arranco a chave da ignição, assim que paro o carro em frente do barraco, acabando por estacioná-lo em cima do mato, devido a rua estreita.
A porta bate quando a abro e encaro Rubinho deitado de lado no que deveria ser uma cama.
- Vai acordando aí - digo impaciente, andando de um lado para o outro.
- Posso saber onde é o incêndio? - pergunta se sentando, apoiando as costas na parede de madeira.
- A polícia pegou os dois caminhão que iria abastecer a favela e agora o chefão não quer me vender mais droga.
- Achou mesmo que ele venderia depois desse seu vacilo?
- Não dei a droga pra polícia!
- Se fosse inteligente, mudaria a rota todo mês.
- Sabe o trabalho que isso dá?! Não é tão simples assim não!
Ele dá de ombros.
- Não. Não sei. Nunca estive a frente de um morro, com minha cabeça a prêmio. Então não consigo nem imaginar - Inclino a cabeça para trás, soltando o ar dos pulmões - Mas sei de uma pessoa que se sairia facilmente dessa situação.
- Tá. Já sei! - digo irritada - Gael! - O nome amarga em minha boca - Mas ele não tá aqui e se você quiser continuar respirando. É melhor me dizer o quê fazer - Rubinho fica em silêncio, encarando o vazio calmamente, sem pressa alguma.
Estralo os dedos, chamando a atenção dele.
- O dia está bonito hoje - Comenta, os olhos fixos do lado de fora do barraco - Nunca percebi em como o azul do céu é profundo.
- Isto pode ser a última coisa que irá ver.
Ele volta a me olhar, esboçando um leve sorriso no rosto.
- E ficar completamente perdida no meio disso tudo? Sem mim, não iria durar nem duas semanas. No final dos quinze dias, já estaria morta em uma vala qualquer, com a boca cheia de formiga e seu filho...
- É melhor nem terminar - digo entre dentes - Por que juro por Deus, que se sair qualquer palavra da sua maldita boca sobre meus filhos, mato você agora.
Ele continua sustentando meu olhar, não tirando o sorrisinho do rosto.
- Como tá o faturamento desse mês?
- Por causa das apreensões. Baixo.
- Faça aumentar - diz sem pensar - Precisa de dinheiro e depois disso de um vendedor.
- Se eu for falar com ele de novo...
- Não vão ti vender mais nada. Estão com raiva do que fez. O favorito era o Gael.
- Como consigo esse dinheiro? - digo com a voz firme, não querendo ter que ouvir o quanto Gael era competente e admirado.
Era meu reinado e todos só deviam se concentrar em mim.
- Do jeito mais fácil que existe. Roubando - Estreito meus olhos - Fazendo arrastão em ônibus e vans. Só precisa dar a ordem.
Engulo em seco, erguendo meu queixo, tirando a hesitação de cogitação.