Capítulo 3 Boas intenções

Mariam

Depois de voltar do encontro, não tão agradável, com meu artista favorito encontrei uma pilha de roupas para lavar. Sabia que sobraria para a freira Liana se eu não fizesse o trabalho, então tratei de começar a lavar antes que ela chegasse e me impedisse de ajudar. Fazia algum tempo que eu a ouvia reclamar de dores no pulso. Não queria que ela se esforçasse demais.

Antes que eu começasse, ela chegou como se ouvisse os meus pensamentos. A olhei caminhar em minha direção. Ela era apenas dois anos mais velha que eu. Quem a olhasse diria que tinha treze anos de idade diante da sua fragilidade aparente. Por incrível que pareça as outras freiras e as crianças do orfanato não pareciam notar tal fragilidade, pois a enchiam de trabalho.

Liana combinava com a roupa que as freiras usavam. Ela costumava dizer que já nasceu freira. Assim como eu, ela foi abandonada pelos pais logo que nasceu e não conhecia outro mundo além de San Martin, cidadezinha onde o orfanato ficava.

Sempre quando conversávamos sobre nossos sonhos eu dizia a ela que um dia me casaria com Alex Baker, moraríamos em uma casa linda e teríamos filhos parecidos com o pai. Ela costumava rir dizendo que eu devia sonhar com algo mais fácil, pois além de já ser casado Alex não podia ter filhos, fato que eu contei para ela depois de ler em algumas revistas. Como resposta eu dizia: sonho é sonho. Ela então dizia que o seu sonho era ser tão sabia quanto a madre Ângela, responsável pelo orfanato. O seu sonho anulava o meu desejo de levá-la comigo, para que ela tivesse uma vida de rainha, quando eu me casasse com Alex.

Enquanto observava os seus passos lentos, eu recordava algumas de nossas conversas.

Quando ela sentou no grande banco de madeira, comentou:

― Acabei de saber que um artista famoso está chegando com uma doação para o orfanato. – enquanto falava, ela prendia os seus cabelos loiros que o vento insistia em tirar do lugar.

― Por favor, fale que é uma mega máquina de lavar. – joguei os lençóis sujos na grama, olhei os montes de roupas espalhados, a máquina que não funcionava há quinze dias (sim, eu estava contando) e o tanque nada convidativo.

― Sorry, honey! São brinquedos para as crianças. – ela respondeu rindo.

― Deus me perdoe, mas ... que droga! – fiz uma careta de desagrado.

― Fique feliz pelas crianças. Quase não temos brinquedos. Além disso, algumas acabaram de chegar e precisam de motivos para sorrir. – o seu sorriso sumiu.

Apostaria o que fosse que ela pensava em porque tantas crianças eram abandonadas por suas famílias.

― Eu sei. – dei um leve tapa na minha boca.

Lembrei que mesmo tendo chegado recém-nascida, e não conhecido como era ter pais, ainda tinha o sentimento de vazio.

Segundo a irmã Luiza, eu fui encontrada em uma cesta no portão do orfanato. Como a maioria das crianças no orfanato, eu não sabia o motivo de ser abandonada. Se passaram mais de vinte e cinco anos e nunca fui sequer cogitada para adoção.

O meu destino era escolher entre me tornar freira ou enfrentar o mundo sozinha. Sabia que a qualquer momento teria que fazer a opção. Meu prazo final foi quando completei dezoito anos. Desde essa época venho me escondendo quando o padre responsável aparece no orfanato. A madre Ângela era compreensiva quanto ao meu desejo de esperar.

Meus sentimentos quanto ao meu futuro eram incertos. Eu queria ficar no orfanato, cuidar das crianças e ajudar as irmãs, mas também queria ser a esposa de um homem carinhoso e cuidar dos nossos filhos; principalmente se esse homem fosse Alex Baker. Esse era o meu maior pecado: desejar o marido de outra mulher.

E era mergulhada nessas dúvidas e pecados que eu passava os meus dias, semanas, meses e anos.

- Mariam, Mariam... – Liana chamou algumas vezes.

- Oh, desculpe! Me perdi em pensamentos. – me virei para Liana depois de alguns instantes vagando em lembranças.

- Fique mais alerta. Soube que o padre Josef chegará mais tarde. O foco da sua visita é a sua permanecia aqui.

- Acho que não posso mais evitar o meu destino, porém não sei o que decidir.

- Posso te dar um conselho?

- Por favor! Faça isso!

- Se eu estivesse em seu lugar optaria por sair do orfanato. – ao perceber que seria interrompida ela levantou a mão pedindo para deixá-la concluir. – Veja bem: você é uma pessoa curiosa. Se escolher se tornar freira sem conhecer um pedaço maior do mundo pode se ressentir disso até o fim dos seus dias, no entanto se sair do orfanato e perceber que o mundo não é o lugar em que deseja estar, poderá voltar para os nossos braços. Garanto que será bem acolhida, qualquer que seja a circunstância em que retornar.

Pensei em dizer que as suas palavras fazia o mundo parecer assustador, mas, levada pela emoção, simplesmente a abracei com força.

- Às vezes sinto que a qualquer momento você vai voltar ao céu. Que está aqui apenas de passagem, como um anjo disfarçado.

Ela riu e eu apertei ainda mais o abraço. Foi quando ouvimos a algazarra das crianças no quintal.

- Acho que os presentes chegaram. – Liana comentou ainda em meus braços.

Afastei um pouco e sorri antes de dizer:

- Sei que está curiosa para ver tudo. Pode ir.

- Você que devia ir. Pode ser que o seu Alex esteja lá. E eu tenho que lavar tudo isso. – apontou as roupas que espalhei na grama.

Lembrei do meu encontro com Alex enquanto respondia:

- Eu é que vou lavar. Tenho esperança de que o padre Josef tenha compaixão ao me ver trabalhando.

Ela riu muito e aproveitei para completar:

- Vá! Aproveite e avise para as irmãs não deixarem as crianças no quintal mais tarde, pois vou estender as roupas e todas sabemos o que acontece quando aqueles anjinhos encontram lençóis estendidos.

- Tem certeza que não quer ir? – perguntou com uma expressão que deixava claro a sua dúvida.

- Tenho. Vá! Vá! – a empurrei devagar em direção ao barulho das crianças do outro lado, onde ficava a maior parte do quintal.

Sorrindo ela acenou, depois que a deixei seguir por conta própria.

- Se eu for embora sentirei a sua falta. Sentirei falta de todos. – lamentei olhando a figura dela sumir atrás da parede do orfanato.

            
            

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