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Mariam
Bati na porta uma vez e abri. Queria que a madre Ângela viesse comigo para me sentir mais segura diante de seja lá o que fosse que o padre Josef diria, mas ela precisou ficar cuidando de um problema que surgiu na cozinha.
― Com licença, padre Josef. Mandou me chamar? – entrei devagar me aproximando da mesa que estava em frente a ele.
― Sim, filha. Sente-se. – ele indicou uma cadeira a sua frente.
Olhei para Alex que estava sentado na cadeira perto da que eu sentaria e pensei duas vezes antes de obedecer ao pedido do padre. Tive medo de que o motivo de ser chamada fosse alguma repreensão por minha fuga para ver as filmagens e o famoso astro dos esportes radicais.
Assim que me sentei, o padre falou:
― Te chamei aqui porque preciso que tome uma decisão. Você vai seguir o caminho das irmãs? – não fez rodeio ou tentou explicar como na primeira vez em que tivemos uma conversa sobre o assunto.
Fiquei muda.
Por que ele estava perguntando na frente de alguém que não conhecíamos?
― O seu silêncio responde por você. – ele continuou depois de esperar a minha resposta por alguns segundos. – Como não pode permanecer aqui, do jeito que está, esse senhor e a esposa dele te ofereceram trabalho e moradia. Você vai partir hoje com eles. Prepare as suas coisas e despeça das crianças e das irmãs.
Olhei de um para o outro desnorteada. Me senti como uma pedra atirada para cima sem saber onde iria cair. Só havia se passado horas desde que fugi e me encontrei com Alex. Como podia acontecer tantas coisas em um só dia?
― Está dispensada. Seja rápida para não atrapalhar a partida do senhor Baker.
Levantei devagar e em silêncio. Estava ciente de que não podia exigir ficar no orfanato. Senti que estava sendo expulsa. A minha única opção era aceitar o trabalho.
Prendi a respiração como um recurso para não chorar.
Foi lutando para não chorar que me despedi de todos, peguei as minhas coisas e fiquei aguardando o meu novo "dono" no portão.
Mal-agradecida ou não, era assim que eu me sentia: como uma escrava sendo vendida. Naquele momento me esqueci de que Alex era uma pessoa gentil e que até momentos atrás eu era uma fã apaixonada que sonhava estar com ele.
Ia ser difícil tirar o sorriso falso do meu rosto depois de tanto tempo mantendo-o firme onde caberia várias lágrimas. Abraçar as crianças e vê-las chorar era o mais difícil. Meu desejo era sentar no chão e chorar com elas até minhas lágrimas secarem.
Alex veio em direção ao portão onde eu estava abraçando as irmãs. Todas largaram os seus afazeres para se despedir de mim. Apesar da situação me senti muito querida; isso fez doer ainda mais a partida. Quase deixei de lado o meu medo e gritei que ficaria, que seria como elas. Mas o meu coração, ainda que dolorido, me impulsionava a seguir Alex. Liana estava certa; eu precisava conhecer o mundo para decidir quem gostaria de ser.
― Está na hora. – ele declarou.
O segui em silêncio.
Da caminhonete acenei para as freiras e algumas crianças que nos seguiram até a saída. Continuei acenando com o sorriso no rosto até que não os vi mais.
Me virei para frente fixando o meu olhar na estrada.
― Pode chorar. O nó em seu peito vai se desfazer após chorar. – Alex disse suavemente.
O que você sabe sobre mim? – questionei mentalmente. Responder ao seu comentário estava fora de cogitação. Se abrisse a boca ia começar a chorar sem previsão de quando pararia.
Continuei encarando a estrada.
― Vamos direto para o aeroporto. A equipe já seguiu e o carro alugado será entregue lá. Você vai gostar de conhecer a equipe. – ele pareceu entender que a sua sugestão não foi aceita.
Balancei a cabeça para cima e para baixo.
― Aquele que te assustou é o Ricardo. Vai perceber que ele é uma ótima pessoa. – falou como se recordasse do nosso primeiro encontro.
Ele tentou puxar conversa por algum tempo, mas ao perceber que eu não estava a fim, acabou decidindo seguir em silêncio.
― Vida! Senti a sua falta!
A mulher que veio em nossa direção parecia saída de uma capa de revista. Era exatamente como aparecia nos recortes e nos sites que eu conseguia acessar disfarçadamente durante as aulas de informática.
Ela chegou até nós e abraçou Alex pelo pescoço beijando-o na boca. Me ignorou completamente.
Olhei para os lados, constrangida. Era a primeira vez que via um beijo ao vivo e tão de perto.
Além da vergonha, senti ciúmes e inveja. Afinal ele era o meu crush; era com ele que eu imaginava os meus romances secretos e era pensando nele que me tocava escondido embaixo do cobertor quase todas as noites nos últimos oito anos. Era pelo sonho de um dia encontrar alguém que me fizesse sentir como as mocinhas dos livros e filmes, que eu conseguia ver escondido, que não conseguia seguir o caminho das irmãs. E adivinha quem era o personagem principal nesses devaneios? Acertou se disse Alex.
Fiquei algum tempo olhando as minhas mãos até que ouvi o meu nome na frase:
― Querida, essa é Mariam. A menina de quem falei. – me apontou e completou: ― Mariam, essa é a minha esposa Gabriela.
A mulher me olhou dos pés à cabeça e sorriu. Nunca vi um sorriso tão perigosamente falso.
― Quantos anos tem, criança? – perguntou. Sua sobrancelha levantada mostrava o quanto estava curiosa.
― Vinte e cinco. – respondi encarando os seus olhos.
Ela pareceu entender a minha atitude como algum tipo de desafio, pois logo comentou:
― Você escolheu a mais bonita de lá para me fazer ciúmes, não foi? – tocou o queixo de Alex de uma forma sensual demais para ser uma ameaça.
Voltei o meu olhar para o chão novamente.
― Ninguém te ofusca, meu amor. – a voz de Alex deixava claro que ele sorria. Parecia completamente apaixonado por sua esposa.
Senti vergonha por gostar dele.
Deus, faça com que eu encontre o meu verdadeiro príncipe encantado nessa nova fase da minha vida. Por favor, me ajude a esquecer esse sentimento por Alex – ainda olhando para o chão, eu implorava.
Me atrevi a olhar para o casal logo quando ela deu um selinho nele e falou:
― Vamos, Mariom, te passo as coordenadas do trabalho quando pousarmos em casa. Estou morta e louca por um banho de banheira relaxante.
Registrei que ela errou o meu nome. Pareceu que fez isso de propósito.
― É Mariam, querida. – Alex corrigiu como se ouvisse os meus pensamentos.
― Desculpe, Mariam. Vamos!
Havia fotógrafos pelo aeroporto que registraram tudo. Até a minha figura com vestido cinza que destoava das vestes das celebridades. Senti saudades do orfanato e uma nova onda de tristeza quase fez as minhas lágrimas saírem.
A senhora Gabriela me guiou até as últimas poltronas do jatinho, me orientando a descansar nas próximas quatro horas de voo.
Era a minha primeira vez em um avião e tudo que eu menos queria era ficar sozinha.
Alex tinha ido conversar com o piloto.
Desejei que ele estivesse comigo. O que não ia ajudar muito uma vez que ele não era meu pai nem meu marido para segurar as minhas mãos tremulas de medo daquela máquina gigante que logo alcançaria o céu. Na verdade, nem éramos amigos. Eu era a fã e ele o benfeitor.
Ninguém veio até a mim. Era como se eu tivesse uma doença contagiosa. Havia uma longa distância entre eu e a primeira pessoa próxima.
Cada vez mais, a ansiedade e o medo me envolviam.
Quando o avião começou a se movimentar me desesperei e segurei com força os braços da poltrona. Quando ele decolou o meu estômago revirou, mas ao invés de vomitar simplesmente chorei. E permaneci chorando baixinho pelas quatro horas seguintes. Em nenhum momento olhei pela janelinha da aeronave. Permaneci tremendo e chorando de medo.
Só soube que se passaram quatro horas porque o piloto anunciou a descida. Ninguém foi me ver no meu canto durante o voo.
Enxuguei o meu rosto com a mão, quando ouvi a voz dele dizendo para nos preparar para o pouso, e voltei a segurar com força os braços da poltrona com medo de como seria descer.
Foi menos assustador do que pensei, mas ainda assim foi terrível. A mesma sensação de ouvido tampado que tive na subida voltou e com ela a sensação de frio na barriga. Rapidamente houve um pequeno impacto da aeronave. Estávamos no chão.
De cabeça baixa passei pelos membros da equipe do Sport is life com minha mochila a tiracolo. Tentei me afastar, mas ouvi Alex me chamar:
― Mariam, aguarde, por favor.
Sem ter para onde fugir, parei e esperei.
Ele se aproximou deixando a esposa se despedindo do piloto e do pessoal da gravação.
Olhei para ele ciente de que os meus olhos deviam estar vermelhos e inchados.
― Vai sentir saudades, mas logo se acostuma. – ele entendeu que a dor que eu sentia era de saudade.
Tive uma crise de riso misturada com uma crise de choro. Era uma cena lamentável que fazia as pessoas próximas olharem.
Ele me encarou como se eu tivesse ficado louca.
Balancei a cabeça e perguntei, tentando controlar as minhas emoções:
― Como foi a sua primeira vez em um avião? Você dormiu tranquilamente nas poltronas do fundo? Ficou olhando a paisagem pela janela?
― Nossa! Não pensei que pudesse ter medo de avião. – parecia tentar mostrar humor.
― É que o desconhecido não costuma assustar. – fui cínica. – O que assusta mesmo são as pessoas com boas intenções.
Passei as costas das mãos nos olhos limpando as lágrimas recém derramadas.
― Qual é o seu problema? Te fiz um favor. – Alex falou demonstrando irritação.
― Não pedi nada – respondi mais alto que o necessário.
― Quer voltar? Posso pagar para que pegue o primeiro voo de volta. – não havia traços do Alex gentil que conversou comigo no quintal do orfanato.
Essas palavras me atingiram fazendo com que eu lembrasse que ele não me devia nada. E que eu não tinha para onde voltar.
Encarei os meus pés sem saber o que dizer. Ainda estava com raiva, mas gritar com ele não era a solução.
― Você não é uma criança, Mariam. Terá que aprender a agir como adulta. – dizendo isso ele se afastou.
Me ajude a me adaptar. Estou com medo – quis gritar e correr atrás dele, porém permaneci parada olhando o ponto em que ele desapareceu atrás de uma porta de vidro.
Poucos minutos depois, Ricardo, o segurança assustador, veio até a mim e me guiou até o carro.
Alex e Gabriela estavam no banco de trás conversando sobre alguma coisa que envolvia consultas médicas.
Orientada por Ricardo, me sentei no banco da frente e fiquei olhando pela janela enquanto o carro seguia em direção ao meu novo lar.