Capítulo 4 Aquela fã novamente

Alex

Tinha acabado de chegar no local onde estávamos hospedados depois de uma rápida visita ao orfanato onde doamos alguns brinquedos e roupas comprados em San Martin mesmo. Era um jeito de ajudar a economia do local e as crianças ao mesmo tempo. Um jeito de agradecer a hospitalidade dos moradores que se disponibilizaram a ajudar em tudo o que precisávamos.

Escolhemos ajudar o orfanato porque em todas as conversas, com qualquer morador da cidadezinha, sempre surgia o assunto orfanato.

Assim que cheguei na pensão percebi que ainda faltava muita coisa para ser organizada antes de partimos. Isso me fez decidir voltar ao orfanato enquanto a equipe organizava as coisas. O encontro com as crianças havia mexido comigo. Eu era grato por ter pais maravilhosos, e ver as crianças do orfanato tão amorosas e carentes de carinho me fez pensar em adotar todos eles.

Claro que era um pensamento tolo, levado pela emoção. Não resolveria a questão do abandono adotando todas as crianças que eram deixadas pelos pais. Mas enquanto pensava em coisas que poderia fazer para ajudar, decidi que usaria a minha fama e prestígio para ajudar essas crianças a serem vistas e adotadas. Faria campanhas, doaria dinheiro e enfiaria a minha ideologia goela abaixo de todos os meus amigos e conhecidos.

Andava pelo terreno do orfanato enquanto pensava em opções mais eficientes para ajudar as crianças abandonadas. Passei pelos fundos onde antes elas jogavam futebol. Não havia mais crianças brincando. O local estava tomado por lençóis e roupas recém lavadas. Caminhei por entre as roupas evitando encostar nelas para não as sujar. Foi quando a vi. Lá estava a minha fã maluquinha.

Ela ainda estava com o vestido estampado com flores grandes e coloridas, que evidenciava as suas curvas suaves; os seus cabelos castanhos presos em uma trança e os pés descalços. Exatamente da mesma forma como a encontrei no início da manhã. Ela era uma mulher linda. Nem a sua simplicidade poderia esconder isso.

A observei colocar uma bacia cheia de roupas no chão e depois começar a pegar peça por peça, balançar e colocar nos poucos locais vazios do varal.

Ela parecia uma menina naquele cenário.

― Olá, Mariam! – anunciei a minha presença.

Ela me olhou assustada, mas logo um sorriso se formou em seu rosto. Parecia não ter mágoa da minha atitude no nosso primeiro encontro.

Me aproximei.

― Então, o senhor é o benfeitor das crianças. – comentou voltando a colocar as roupas no varal.

― A equipe se uniu para comprar algumas coisas para eles. – expliquei.

― Entendo. O que posso fazer pelo senhor? – questionou. Certamente estava curiosa com a minha presença já que não havia mais ninguém ali, principalmente depois do nosso encontro em frente a capela.

― Quis ver a crianças novamente, mas encontrei muitas roupas limpas no lugar. – confessei.

― Eles estão estudando. Aqui só terá crianças novamente quando as roupas estiverem secas e seguras. – não deixava de sorrir enquanto falava.

― Compreendo. – imaginei as crianças correndo e arruinando o trabalho dela.

Ela continuou o seu trabalho em silêncio. Sua expressão demonstrava uma serenidade que me causava inveja.

― As crianças gostaram dos presentes? – perguntei sem ter o que falar e sem vontade de partir.

― Adoraram. Eu teria preferido uma máquina de lavar. – respondeu sem parecer se incomodar com a forma como seria interpretada.

Confirmei que ela era uma peça rara. Parecia não saber mentir ou esconder os seus sentimentos.

Antes que eu pudesse responder ao seu comentário, ela disse:

― Sente-se um pouco ali. – apontou um banco de madeira. – Já terminei. Podemos conversar, se quiser. Sabe que sou sua fã e que não ofereço perigo. Talvez agora eu possa aproveitar a presença do meu ídolo sem o medo de ser arrastada por um segurança.

O seu comentário me fez sorrir e lembrar do meu amigo Ricardo.

― Como começou essa história de ser minha fã? – perguntei depois de sentarmos.

― Faz bastante tempo. Na adolescência; época em que toda menina começa a sonhar com um príncipe encantado que a resgata de alguma dificuldade. Por acaso, uma pessoa jogou um panfleto de um programa de esportes pela janela do carro. Eu peguei para jogar fora. Foi quando vi você no papel. É o homem mais bonito que já vi.

- Quantos anos você tem? – perguntei curioso.

― Vinte e cinco.

― Então me conheceu no início da minha carreira. – imaginei que ela devia ter uns quinze anos quando me viu naquele panfleto. – Eu era bem mais jovem. Hoje com trinta e dois anos, estou muito diferente daquela época.

- Está mais bonito. É o homem mais bonito que já vi. – o seu sorriso não desaparecia.

Meu ego agradeceu pelo elogio. E me senti bem por fazê-la sorrir.

― Isso muda rapidinho se andar um pouco mais. Já saiu dessa cidade alguma vez? O seu príncipe encantado pode estar te esperando.

― Talvez esteja. – respondeu balançando os pés. – Eu nunca sai.

Senti uma imensa vontade de confortá-la, principalmente ao perceber que as suas limitações não ofuscavam a sua serenidade e o seu sorriso.

― Você vai encontrar a pessoa certa. – disse encarando-a. Queria que ela soubesse que podia ser feliz.

― Às vezes me pergunto se essa pessoa já não passou. Ou se irei reconhecê-la. Talvez ela não me reconheça. Talvez eu não seja alguém que possa ser amada por um homem, assim como não fui amada por meus pais. – falou baixo com se falasse consigo apenas.

― Por que diz isso? – questionei curioso diante do que ouvi.

― As irmãs do orfanato querem que eu seja freira.

Me questionei, em pensamentos, se ela falava tão abertamente por ter crescido rodeada de crianças e freiras.

Sem entender exatamente o que a sua resposta significava, tentei argumentar:

― Isso não justifica. Você precisa amar a Deus para servi-lo. E certamente ele te ama – tentei com essas palavras afirmar que ela é amada sem invadir a sua privacidade.

E outra vez ela me surpreendeu com a forma aberta como falava:

― Ai é que está! Não me refiro a esse tipo de amor. Eu gostaria de ser freira, mas me pego pensando se não estarei traindo a Deus quando passo 90% do meu tempo pensando em coisas que fariam as freiras corarem.

― Isso é natural. O corpo humano reclama essas necessidades. – me sentia um professor.

― Necessidade é comer, beber água, ir ao banheiro. – ela insistia em tratar as reações do seu corpo como algo errado.

Sem saber como explicar sobre sexo para uma menina em corpo de mulher, decidi mudar de assunto e esperar que ela aceitasse a mudança.

― O que acha de passar algum tempo fora desse orfanato? – falei a primeira coisa que me veio a cabeça.

― Se for para ter o mesmo resultado da minha última saída, dispenso.

― Não gostou de ter me conhecido? Agora fiquei ofendido. – agradeci mentalmente por ela não insistir no assunto "pecado".

― Você é que não gostou de conhecer uma louca que te persegue. – seus olhos brilhantes pareciam implorar para eu dizer que estava errada.

― Gostei sim. Estou aqui, não estou? – comentei sorrindo. Fazia tempo que não me sentia tão a vontade em uma conversa.

― Está para fazer caridade. Não sabia que eu estaria aqui. Tenho certeza de que se soubesse nem teria vindo. E nem sei porque estou aqui conversando essas coisas com você. Desculpe. – levantou. – Foi bom revê-lo em circunstâncias melhores.

Até pensei em pedir para ela ficar, pois percebi que gostava da sua companhia, mas achei melhor deixá-la partir. Não queria confundir ainda mais o seu coração dividido entre a curiosidade humana e a obediência à religião que provavelmente seguiria.

Apenas a observei correndo entre os lençóis até chegar a porta dos fundos do orfanato.

Depois que Mariam saiu, resolvi voltar e terminar de fazer as malas, mas acabei decidindo passar na sala da madre e pegar os contatos para enviar uma máquina de lavar. Essa foi a desculpa que inventei porque na verdade uma vozinha gritava na minha cabeça dizendo que eu podia ajudar aquela garota a se descobrir, que podia levá-la conosco. Ela poderia fazer amizade com Gabriela, trabalhar, estudar e escolher o seu destino.

Antes de bater na porta do escritório da madre ou dar meia volta e esquecer a ideia louca, ouvi uma conversa que me fez decidir levar aquela loucura adiante.

― Onde ela está? – era uma voz masculina.

― No quintal lavando roupa. – uma voz feminina respondeu.

― Isso não é função das freiras que designei para esse orfanato? – a voz autoritária parecia cansada.

― Sim, padre Josef, mas a menina se sente inútil por não poder fazer nada para pagar pelo que oferecemos.

― Não deve se sentir tão mal assim ou não recusaria a oferta de se juntar a ordem. Ela não é nenhuma menina e os homens do vilarejo não são confiáveis. Já pensou no escândalo que seria se ela aparecesse aqui grávida? – o padre não parecia disposto a aceitar as palavras da madre.

― A menina não pensa nisso. E nunca saiu desse orfanato para nada além de estudar como as outras crianças.

Pensa sim. Saiu sim – pensei comigo enquanto continuava ouvindo a conversa alheia.

― Já está decidido. Vá chamá-la!

― O senhor vai mandá-la embora? – a voz da madre era de uma pessoa suplicando.

― Se ela não optar por seguir as doutrinas hoje, vou indicá-la para trabalhar na casa de alguém e seguir a própria vida. Em Roma muitas famílias necessitam de babás ou domésticas. Ela vai ficar bem, uma vez que fala italiano fluentemente.

― Compreendo. – a madre parecia derrotada.

― Não teria como não compreender. Após os dezoito anos só pode ficar aqui se seguir a ordem ou pode ser prejudicial as crianças em formação. Sempre foi assim e essa garota já está com vinte e cinco anos. Não dá mais para esperar. Vá buscá-la!

Diante do silêncio da voz feminina, decidi bater na porta antes de ser pego espionando.

Não esperei muito e uma senhora atendeu a porta. Era a madre.

― Posso conversar com a senhora, madre?

― A garota pode esperar. – a voz masculina autoritária se fez ouvir. – Peça que ele entre.

Ao entrar vi que o dono da voz era um senhor de idade avançada.

― É justamente sobre a garota que eu gostaria de conversar. – fui direto ao assunto. – Enquanto esperava na porta para não os interromper acabei escutando parte da conversa.

― Prossiga. – o senhor me encarava curioso sobre as minhas intenções.

― Acabei de conhecer a garota da qual falam. A minha esposa está a procura de uma assistente pessoal para acompanhá-la nas viagens e cuidar das coisas de casa. Acho que ela seria ideal. Pelo monte de roupas que vi nos varais, ela não parece fugir do trabalho. Além disso, foi muito educada comigo.

― E ela lavou tudo na mão. – a madre se gabou com orgulho da protegida.

Anotei mentalmente que precisava ter pressa ao comprar uma máquina de lavar para doar ao orfanato; tinha que ser o mais rápido possível. Quando Mariam disse que preferia uma máquina de lavar aos brinquedos pensei que estava fazendo graça, mas ouvir da madre me fez sentir pena das mãos pequenas e frágeis lavando peças pesadas.

Por isso as mãos dela estavam um pouco avermelhadas. – pensei recordando a nossa recente conversa.

― Eu gostaria de conversar com a sua esposa antes de decidir. – o padre declarou. Não parecia querer se opor, só se mostrar preocupado com o bem-estar de Mariam.

― Sim, claro. O senhor prefere falar pessoalmente ou pode ser por telefone? A equipe está se preparando para partir logo mais, então teria que ser hoje. – peguei o celular do bolso para induzi-lo a escolher ligar. Apesar de achar que nem era preciso, pois ele parecia disposto a se livrar do problema Mariam.

― Ligue, por favor.

Obedeci e assim que Gabriela atendeu expliquei a situação e mencionei o desejo dela de ter uma assistente. Quando obtive o seu consentimento passei o aparelho para o padre e aguardei a conversa entre ele e minha esposa.

Talvez com uma assistente para perturbar Gabriela discuta menos sobre tratamentos de infertilidade. – pensei e me senti como se fizesse uma travessura.

O padre encerrou a conversa ao telefone e disse:

― Irmã, vá buscar Mariam!

            
            

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