Luís sempre se referia ao celular de André como "caixinha de fósforos" por ser um modelo pequeno muito antigo.
- Estou levando sim, mas de qualquer modo, tem telefone na pensão, chefe. Você fala como se eu estivesse indo para uma caverna.
Os dois riram descontraídos.
- Designaram o detetive Anderson Martins para trabalhar comigo até você voltar. - Disse Luís mudando de assunto.
- Ele é gente boa, já trabalhamos com ele antes. - Comentou André, e perguntou: - E o Ferreira, como está o caso do sumiço das drogas, chefe?
- Chamaram ele de volta ao caso, parece que tem cocaína rolando por aí de fonte desconhecida, aquele não foi o primeiro carregamento que desapareceu, não. Em outras cidades tem acontecido algo semelhante e os próprios traficantes dos morros estão querendo meter a mão nos responsáveis. Não encontram nada, e ninguém das ruas diz coisa alguma. Não sabemos como é distribuída ou transportada.
- Nunca gostei de trabalhar com narcóticos, sempre caçam os revendedores nas favelas, mas nunca vejo fecharem fábricas ou prenderem os peixes grandes. Queria um dia ter a oportunidade de pegar uns tubarões do tráfico ou milicianos.
- Pensamos do mesmo jeito, André. Um assassinato é um crime mais simples. O cara mata e a gente pega ele, sempre que possível. A escolha de matar ou não é do assassino, só precisamos prendê-lo. Mas as drogas, se você pega um traficante no morro, ele logo é substituído por outro moleque e o chefão do comércio de drogas continua solto e ninguém se pergunta quem é ou onde está.
André concordou com a cabeça e em seguida olhou as horas. Uma voz foi ouvida avisando que o ônibus de viagem estava a disposição para o embarque. André e Luís se despediram.
- Vai lá, cara, vê se descansa e aproveita a viagem!
- Valeu chefe! Se cuida e manda um abraço para a Dona Encrenca!.
A perspectiva de uma longa viagem de cinco horas com apenas uma parada não era das melhores, mas ele estava tão cansado que dormiu a maior parte do caminho. André chegou à pequena cidade de Nossa Senhora de Lurdes sem nenhum contratempo.
Ele saiu do ônibus e se espreguiçou, esticando os membros que estavam dormentes pelas horas que passou na mesma posição. Estava com sede, o dia estava quente e ensolarado, mesmo com a aproximação do inverno. Olhou em volta satisfeito, respirou fundo o ar puro do campo.
Sempre gostou da vida no campo, mas nunca o suficiente para viver nele. Era um paraíso que servia apenas como um carregador de energia, mas depois de um tempo, ele acabava sentindo falta da agitação da cidade grande.
Sentou-se no banco da praça central da pequena cidade e olhou em volta com aprovação. Quase nada havia mudado naquele lugar, com exceção de uma monumental igreja evangélica que foi construída em frente a antiga igreja católica de Nossa senhora de Lurdes, que tinha dado nome à cidadezinha.
André ficou parado esperando Dalva que, como combinado ao telefone, iria buscá-lo de carro na rodoviária logo que ele chegasse à cidade. Cinco minutos depois do horário combinado, uma jovem de cabelos negros muito compridos e usando óculos se aproximou dele timidamente.
- Com licença, é o senhor André Gonçalves?
- Sim. - Disse André se levantando e estendendo a mão para cumprimentá-la.
- Meu nome é Letícia, trabalho para a senhora Dalva, do hotel Estrela Dalva. - A jovem o olhou de cima a baixo. - Ela está muito ocupada hoje por causa de uns hóspedes que chegarão amanhã e me mandou vir buscá-lo.
- Sinto muito te incomodar, Letícia. Eu poderia ter alugado um carro e não te dar tanto trabalho. Na verdade eu intencionava fazer isso, mas tia Dalva rejeitou a minha sugestão.
- Sei bem como ela é teimosa. - Letícia sorriu. - E não se preocupe, não é incômodo algum. Ela está muito feliz em recebê-lo. Venha, o carro está logo ali.
- Faz muito tempo que eu não venho aqui, mas parece que não mudou muita coisa.
- Você acha isso?- Perguntou Letícia em um tom de quem discordava. - Eu acho que mudou muito, sempre muda, mas as pessoas daqui querem dar a impressão de que nada mudou para si mesmos e para os outros.
- Vive aqui há muito tempo?
- Sim. Nasci nessa cidade e raramente saio daqui.
E assim eles seguiram conversando a caminho do hotel.