- O que acha, Rafa? - Disse Letícia. - A gente pode montar uma barraca de pescaria para as crianças, é divertido e ainda dá para ganhar dinheiro.
- Acho uma ótima ideia, mas acho que só nós dois não daremos conta de atender a criançada. Quer se juntar a nós, Vitória?
- Não mesmo! Não tenho paciência com crianças cheias de açúcar no sangue, além do mais, não vê que Letícia pensou apenas em vocês dois e não mencionou chamar mais ninguém? Não tenho disposição para empatar foda, nem segurar vela!
- Você está enganada, Vitória! Letícia estava pensando apenas nos lucros, quanto menos gente, menos pessoas para dividir... ela é muito eficiente nos negócios. – Respondeu Rafael. - Não precisa ficar enciumada!
Letícia ficou vermelha por constrangimento ao ouvir as palavras de Vitória, em seguida ficou da mesma cor, mas de raiva, ao ouvir o descaso de Rafael e preferiu ficar calada.
- Então, Vitória, o que acha de se juntar a nós no mundo dos negócios? - Insistiu Rafael.
- Não rola! Não estou nem um pouco interessada. - Respondeu Vitória com um sorriso frio.
Rafael olhou para Vitória decepcionado e frustrado, dizendo:
- Você é quem perde! Então, seremos apenas nós dois, Letícia, dividiremos o trabalho com a criançada e o lucro. Sei de um lugar que vende brinquedinhos e bugigangas baratas para as prendas. A senhora vai participar, Dona Dalva?
- Sim, claro que vou! É minha santa de devoção e participo todos os anos, esse ano ficarei na barraca dos bolos, o padre me pediu para ajudar. Vou preparar bolos diversos: milho, aipim, laranja, banana, coco, chocolate...
- Nós iremos a essa festa, mas só como convidados. Estamos aqui de férias para relaxar, não queremos nem chegar perto de vendas, não é Ivan?- Disse Rita servindo mais um pedaço de pudim de pão para o marido.
- Com certeza, querida, nada de trabalho aqui no paraíso!
- Nunca participei de uma festa dessas, nós também podemos ir, Henrique?
- Não gosto desses eventos de caipira! - Respondeu Henrique impaciente.
- Mas todos irão, e vai ser bom frequentar algo diferente do que estamos acostumados, além disso, Bia iria se divertir tanto... e eu também!
- Mais tarde conversamos sobre isso, me deixa terminar de comer em paz!
Ana abaixou a cabeça para evitar os olhares dos outros hóspedes. Sentia-se constrangida com a grosseria do marido.
A mesa ficou em silêncio por alguns instantes, até que Rita iniciou outro assunto para melhorar os espíritos.
Depois que todos acabaram de comer, Dona Dalva se levantou e ofereceu um cafezinho aos hóspedes. Alarmado, André escorregou para fora da sala de jantar sem dizer nada e foi até o lago artificial que fica ao lado da entrada da sede. Era um lago razoavelmente extenso, mas não muito fundo, repleto de peixes, rodeado de pés de Jamelão e coqueiros intercalados, construído para a prática da pesca para os hóspedes.
Pouco minutos depois da chegada de André, Rafael apareceu caminhando em sua direção, mas foi interrompido por Letícia.
- Rafa, o que você acha de irmos hoje mesmo para o centro da cidade?- Ela parou na frente dele, barrando-lhe o caminho, e ajeitou os óculos com o dedo indicador. - Eu tenho umas coisas pra fazer lá e você pode pedir permissão ao padre, para montarmos a barraca.
- Olha, Letícia, eu não estou à fim de para o centro, muito menos de falar com padre hoje, melhor deixarmos pra ir amanhã.
- Mas hoje seria perfeito! Eu tenho umas coisas pra resolver por lá, poderíamos aproveitar e resolver logo tudo sobre a barraca e depois poderíamos tomar um sorvete... O dia está muito quente hoje, não acha? Nem parece final de outono!
Rafael se sentiu aflito, a insistência de Letícia mais repelia do que atraía.
- Já que você tem coisas pra resolver e quer tomar o sorvete, porque não aproveita e pega a autorização você mesma? Mais tarde, eu vou comprar as prendas e estará tudo resolvido! Não há razão para nós dois nos entediarmos no centro hoje, como você mesma disse, está um baita calorão! Tome seu sorvete e divirta-se! - Disse Rafael beirando a grosseria ao virar para o outro lado, desviando dela para seguir caminho.
- Você é um idiota, Rafael, vá para o inferno! - Letícia gritou irritada enquanto seguia em direção a garagem.
Rafael respirou fundo fazendo uma careta e se aproximou de André, que parecia estar distraído atirando pedrinhas no lago.
- Mulheres! Não vivo sem elas, mas sabem ser irritantes.
Rafael debruçou-se na pequena cerca de madeira, que circundava a maior parte do lago. André se aproximou dele sorrindo e debruçou na cerca ao lado de Rafael.
- Problemas com o sexo frágil?- Perguntou André em tom de troça.
- "Sexo frágil"?- Rafael arregalou os olhos, em uma expressão que pareceu ao André um tanto cômica. - Nunca entendo o que elas querem ou se querem alguma coisa, e não importa o que eu faça, nunca consigo agradar!
André o encarou, seus olhos verdes brilhavam.
- Me pareceu fácil saber o que Letícia queria...
- Letícia? Ah, sim... tanto faz.
Os dois viraram o rosto ao mesmo tempo seguindo o som de passos se aproximando. Era Vitória, que se aproximava deles ao lado de Ana.
- Aí estão vocês! Eu estava conversando com Vitória sobre a cachoeira que você mencionou mais cedo, André. Ela confirmou suas palavras sobre o lugar ser incrível, com excelente vista e que seria um lugar maravilhoso para construir uma casa.
- Exatamente! - Confirmou Vitória sorrindo. - Um local perfeito para constituir família.
- Gostariam de ir até lá agora? - Perguntou André.
- Eu gostaria, mas tenho que ir ao centro da cidade, na casa de correios para enviar uma carta.- Disse Vitória.
- Vai para o centro agora? - Perguntou Rafael. - Se quiser, te dou uma carona até lá.
- Pois eu aceito a carona, Rafa, estou sem disposição para a enorme caminhada. Poderia me levar agora?
- Claro! Vamos logo para aproveitar a tarde curtindo um passeio. Nesse calorão, um sorvete cairia bem, não acha?
Despediram-se de André e Ana, e seguiram juntos para a garagem.
André riu balançando a cabeça de um lado para o outro, ao que Ana, curiosa, perguntou o que se passava na mente dele.
- Acreditaria se eu te dissesse que ainda agora Rafael dizia não estar com a menor vontade de ir ao centro do povoado, nem de tomar sorvete?
- Sério? Pois pareceu estar com muita vontade de acompanhar Vitória, deve ter mudado de ideia, então...
Os dois riram e André concentrou o olhar na bela mulher que estava ao lado dele. Ana vestia shorts jeans e uma camiseta de malha branca simples e despretensiosa. Mas os olhos de André registraram que, por baixo da camisa, era possível perceber a sombra do biquíni. Mesmo vestida de maneira tão simples, ela era uma visão premiada. Seus olhos azuis contrastavam com os cabelos negros e pele alva.
Sem dúvidas, uma mulher muito bonita. A presença dela no sítio era uma surpresa muito agradável.
"É mais bonita ainda pessoalmente!"
- O que disse?- Perguntou Ana ao não ouvir direito as palavras de André.
- Não é nada, estava apenas pensando alto.
- Costuma pensar em voz alta quando está acompanhado?
- Às vezes, quando me distraio.- Respondeu André achando graça da situação. - Não vá pensar que sou alguma espécie de louco, por favor. - André pediu em tom de brincadeira.
- Não vejo problema algum em ser um pouco louco, às vezes, desde que seja um louco inofensivo. - Disse Ana, piscando um olho.
- Confesso que, "às vezes", para algumas pessoas, posso ser muito perigoso. - Ripostou André com súbito brilho nos olhos, depois disse: - Onde está a pequena Beatriz?
- Está com o pai.
- Eles não querem ir à cachoeira?
- Não... - O rosto dela se anuviou. Distraidamente, ela passou a mão sobre o ombro esquerdo, então, completou. - Ele vai levar Bia para passear no povoado.
- Pensei que havia me dito que iria com ele...
- Eh... - Ela desviou o olhar.- Eu ia, mas, achamos melhor eles passarem uma tarde pai e filha, ..
André a encarou por alguns instantes, observando as expressões de seu rosto. Notou que ela mentia, mas decidiu ser gentil e suavizar o assunto.
- Uma pena, tenho certeza que ela iria adorar o passeio, mas eles poderão ir outro dia, vão gostar muito.
- Você me levaria agora?
- Claro! Já é hora de visitar meu lugar favorito desse sítio. A senhora vai ver como é tranquilo!
- Para com isso, André, fica me chamando de senhora, me sinto uma velha.
- Desculpe-me, Ana, não foi minha intenção de maneira alguma, posso te chamar de você?
- Não só pode, como deve. Não estamos nos anos vinte! - Respondeu Ana, sorridente.