- Fica aqui! Você viu que o que temos vai além do sangue.
Beija minha cabeça e engulo a vontade de chorar. Não sei o que fazer. Me sinto completamente perdida. Imagino o desgosto dos meus pais e a luta contra o mundo por esse amor. Deus! Só queria entender por que e como esse sentimento nasceu entre nós dois? Queria tanto não ser irmã dele e poder me entregar de corpo e alma. A respiração do Fernando é suave e quando ergo minha cabeça o vejo dormir. Ele parece não sentir culpa e isso me machuca ainda mais. Se ficarmos juntos serei o peso. Machucaria nós dois por causa desse sentimento. Saio de seu peito e me viro na cama sentindo as lágrimas descerem pelo meu rosto. Se eu for embora, talvez ele supere esse sentimento e possa encontrar alguém que o ame sem problema algum. Posso viver sozinha com isso tudo, mas não me perdoaria fazê-lo sofrer. Me sinto tão perdida. Fecho meus olhos e deixo o choro silencioso vir com tudo. Então sinto seus braços em torno de mim e seu corpo colar ao meu. Assim que Fernando se encaixa em meu corpo, solta um suspiro de alivio.
- Vou te amar pra sempre.
Digo segurando sua mão em minha cintura.
- Sempre...
**************
Não dormi nada. Termino de fechar minha mala. Pego meu casaco e vejo as roupas dele no chão. Pego uma por uma e dobro, colocando sobre a cadeira. Vejo em minha mesa um caderno e as canetas. Não vou conseguir olhar nos olhos dele e dizer que não posso superar o fato de sermos irmãos. A dor vai ser insuportável. Escrevo um bilhete sem conseguir parar de chorar. Queria poder dizer tantas coisas a ele, mas preciso que esqueça esse sentimento. Coloco a carta sobre as roupas dele e ando sem fazer barulho até a cama. Fernando esta dormindo tão tranquilo. Aliso seu cabelo e desço meu dedo para seus lábios. Ele suspira, mas não acorda. Me inclino e beijo seus lábios pela ultima vez.
- Aqui deixo meu coração.
Sussurro chorando e me levanto.
- Adeus, Fernando!
Ando até a porta e abro. Passo por ela e me viro antes de fecha-la. Sinto meu coração quebrar quando começo a fechar a porta dando um fim a nós. O caminho para o aeroporto é silencioso. Meus pais conversam animados sobre Londres e planejam quando vão me visitar. Encaro a janela e a chuva é intensa. Só quero chegar logo em Londres e poder soltar esse choro que ainda existe dentro de mim. Encaro a chuva e sinto uma lágrima escorrer.
- Chegamos!
Meu pai anuncia na entrada do aeroporto.
- Vamos te levar até o embarque.
- Não precisa.
Digo sorrindo para eles.
- Ainda não acredito que Fernando não esta aqui para se despedir.
- Conversamos de noite.
- Fico feliz, meu bem!
Beijo minha mãe e saio do carro. Meu pai sai do carro e pega a minha mala
- Toma!
Me abraça forte.
- Sabe que pode voltar né, meu bem?
- Sei, pai.
- Qualquer coisa ligue. Saia dessa chuva.
- Vou sair.
Ele entra no carro e parte, liberando passagem aos outros carros. Respiro fundo sentindo a chuva em meu corpo.
- Por você Fernando...
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5 ANOS DEPOIS
Hoje completamos 21 anos. Durante cinco anos não tive coragem de ligar pra ele.
- Anima Clara...
Graziela entra no meu quarto sorridente.
- Vamos beber e comemorar seu dia.
Esta agitada como sempre quando vai a algum bar.
- Graziela, só vou porque você insistiu muito.
- Faz cinco anos que sou sua amiga e nunca vi você comemorar um aniversário se quer. Não namora, não beija na boca. Vive com as caras nos livros.
- Eu gosto.
Ela revira os olhos. Antes de sair para em frente a uma foto minha e do Fernando, que minha mãe enviou de presente.
- Precisa me levar pra conhecer sua família. Principalmente esse seu irmão gostoso.
Um sentimento estranho cresce em meu peito e não gosto de pensar neles se conhecendo.
- Termina de se arrumar e vamos.
- Hoje é dia de festa!!!!!
Grita fechando a porta. Me encaro no espelho. Devia ligar para ele, ver se esta bem. Vejo meu celular na escrivaninha. Dizer que sinto sua falta e que cada parte do meu corpo ainda pertence a ele. Balanço minha cabeça afastando essa loucura. Você conseguiu ficar longe por 5 anos, não seja mole agora. Arrumo meu cabelo e passo um batom. Talvez uma bebida me ajude a esquecer um pouco meu passado hoje.
*************
O barzinho esta lotado e a música é alta. Graziela nos leva para uma mesa com alguns amigos dela. Um deles me lembra Fernando e isso já me deixa desconfortável.
- O que vai beber?
- Cerveja.
Digo a ela que já segue para o balcão.
- Oi!
O garoto parecido com Fernando diz se aproximando.
- Oi!
- Sou Teddy!
- Clara!
Olho onde Graziela esta para saber porque demora. Acho a louca já beijando alguém no balcão. Deus, ela é rápida!
- Você nunca vem para o bar com a Graziela.
- Não gosto de bar.
Me levanto para sair e ele segura meu braço.
- Onde vai?
Puxo meu braço de seu aperto irritada.
- Não é da sua conta.
Me afasto e sigo para o bar.
- Graziela, vou embora.
Sussurro pra ela que me olha assustada.
- Por que?
- Não devia ter vindo.
- Nem vem, Clara.
Pega a minha mão e me leva de volta pra mesa.
- Prometo ficar com você.
Em segundos nossa mesa é preenchida por bebidas.
- Nossa noite.
Diz sorrindo me passando uma cerveja.
*************
Faz mais de 3 horas que estamos bebendo sem parar. Isso é bom! Minha mente não esta mais ligada a ele.
- Vira Clara...
Graziela grita e viro mais uma dose de tequila. Minha cabeça roda.
- Preciso ir ao banheiro.
Grito tonta e ela ri.
- Vai lá!
Me levanto meio tombando e sigo para onde a placa indica banheiro feminino. Assim que chego vejo a fila enorme.
- Merda!!!
Paro na fila e suspiro, quando Fernando volta aos meus pensamentos. O que será que ele esta fazendo agora? Provavelmente comemorando com alguma garota. Um gosto amargo surge em minha boca. A fila começa a andar e meu celular vibra. Assim que pego, vejo uma mensagem da minha mãe.
De: Mãe
Para: Clara
Ligue para o seu irmão. Esse silêncio precisa acabar.
XXXX-XXXX
Salvo o número que ela me passou. Percorro meu dedo sobre o botão de discar. Olho a fila enorme e respiro fundo. Aperto o botão e levo o celular ao meu ouvido. Meu coração esta acelerado.
- Fernando...
Fecho meus olhos ao ouvir sua voz. Toda a coragem pra falar com ele some.
- É você?
Pergunta e não consigo segurar as lágrimas.
- Não vai falar nada?
Apenas suspiro sem conseguir abrir a boca pra dizer nada.
- Se vai me ligar pra me torturar é melhor não ligar, Clara.
Encaro o chão e tomo coragem.
- Se vai continuar em Londres me esquece.
Desliga o telefone sem me deixar falar nada.
- É sua vez garota.
Sou empurrada para o banheiro e entro. É isso... Ele esta bem sem mim e é melhor assim.
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4 ANOS DEPOIS
Atravesso a rua correndo, evitando os carros. Estou atrasada para uma reunião com uma cliente. O frio não ajuda muito a correr. Acho o local onde ela marcou. É uma casa antiga, espaçosa, que ela pretende ajeitar para construir sua família. Nada que uma boa arquiteta como eu não consiga resolver. Olho em volta e nada da cliente ainda. Meu celular vibra. É a minha mãe.
De: Mãe
Para: Clara
Parabéns minha pequena flor pelo seu dia. Queria poder ligar, mas hoje esta corrido demais. Aniversário e noivado do seu irmão. Assim que a correria acabar te ligo.
Te amo!
Sinto minhas pernas fraquejarem. Noivado? O ar começa a fugir dos meus pulmões enquanto respondo a mensagem dela.
De: Clara
Para: Mãe
Noivo? Como assim? Quem é ela? Como ela é?
Deus, estou com ciúmes?! Tudo bem que estou longe há 9 anos, ele ter encontrado alguém como eu queria... Eu queria? Inferno!!!! Me encosto na parede da casa. A resposta da minha mãe vem rápido.
De: Mãe
Para: Clara
Sim... o nome dela é Carla. A garota parece boa, mas nitidamente seu irmão não a ama. Tenho medo dele estar fazendo isso por impulso, apenas por fazer. Vou mandar foto dela.
Assim que a foto abre levo um susto. O que você vai fazer da sua vida Fernando? Que merda ele esta fazendo? Busco o nome da Graziela nos meus contatos e disco.
- Fala amorzinho...
- Desmarque a cliente de hoje e as do resto da semana.
- Por que?
- Estou indo pra São Paulo.
Desligo o telefone um pouco tonta por voltar. Não posso deixar ele fazer isso.