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Com ajuda de alguns funcionários, Nicholas encontrou facilmente a biblioteca da Bernard High School. O salão era enorme, com prateleiras de aço-inox, tomadas de livros de variados anos, diversos autores e incontáveis países; o próprio conhecimento humano forjado por mãos sábias e mentes incrivelmente brilhantes, jaziam ali. Seria um infortúnio afirmar que os estudantes mal pegavam nele; eles realmente liam, não na vontade que Nicholas gostaria, mas emprestavam dois ou três ao longo de um ciclo de quatro meses.
A sala gigantesca era refrigerada. Algumas mesas estavam ocupadas no momento, então o garoto se encaminhou ao atendente, um rapaz na casa dos vinte anos que usava óculos e mastigava chiclete silenciosamente, fazendo bolas que espocavam e chamavam a atenção dos presentes.
Atrás de uma escrivaninha, Jeremy, o bibliotecário, observou o garoto, mudando sua estratégia bruscamente.
- Sua lista! - Jeremy estendeu a mão.
- Ah, não quero livro, não no momento. Vi no mural que estavam precisando de voluntário... decidi me candidatar a vaga.
Jeremy mordeu os lábios e analisou a postura de Nicholas, erguendo uma sobrancelha em seguida.
- Quer mesmo ser voluntário? Você tem cara de quem não gosta dessas coisas!
Nicholas foi extremamente eficiente na resposta, sem ser mal-educado.
- Já ouviu o famoso ditado que diz: Quem vê cara não vê coração?
Jeremy revirou os olhos.
- A vaga é sua. Quando pode vir?
- Nas quartas e quintas-feiras. Amanhã estarei disponível se quiser.
- Amanhã a biblioteca passará por uma pequena limpeza, então pode vir na quinta, beleza?
- Certo, sem problema.
Jeremy puxou por uma ficha e uma caneta.
- Qual seu nome completo?
- Nicholas Andrich Harrison Ramsey. Dezessete anos; terceiro ano, sala número sessenta e dois, segundo andar.
Jeremy concluiu a anotação de dados, escrevendo logo embaixo a importância de passar os mesmos para o notebook.
- Tudo certo! Hum, eu sou o Jeremy.
- Prazer, Jeremy. Espero que possamos nos dar bem de hoje em diante.
O rapaz maneou a cabeça em concordância.
Nicholas, após uma breve troca de experiências com o bibliotecário, voltou à aula. Seria o primeiro dia junto da professora Carmen, a musa da escola segundo boatos que ouvira durante a semana antecedente.
Ao entrar na sala, a professora já estava dando os últimos retoques dos assuntos mais importantes e que Washington já tinha ressaltado. Ao vê-la, travou.
- Quem é você?
- Nicholas, o novato.
Carmen usava um vestido preto até abaixo dos joelhos; calçava salto alto da mesma cor, combinando com os olhos, os tufos escuros contrastavam perfeitamente com a pele branca e os lábios pintados de um batom vermelho. Graciosa e elegante, a mulher abriu um sorriso.
- Ah, bem-vindo. Por favor, sente-se, Nicholas.
Nicholas voltou ao seu lugar, sempre recebendo aqueles olhares devassos e contraditórios da turma.
- Como ía ressaltando - voltou ao assunto... -, teremos alguns trabalhos em dupla onde eu mesma iria escolher os dois participantes, com exceção do Austin, o presidente da turma, que poderá escolher o seu ou sua parceira na atividade extraclasse.
Todos os companheiros de Austin pareciam querer sua parceria, mas todos sabiam que sua escolha haveria de ser Amber, a namorada.
- Quem você escolheu, Austin?
Austin Moore correu com os olhos pela sala, parando-os em cima de Nicholas que desviou o olhar.
- O novato, professora!
O susto de Amber foi tanto que ela deixou o celular cair de sua mão, mas Austin não importou-se nenhum pouco com o repentino ataque de ciúme de sua namorada.
- Com ele, Austin? - Indagou.
- Minha querida, assuntos escolares não tem nada haver com os pessoais - martelou a professora Carmen a Amber- Se ele escolheu o rapaz, aceita de bom grado. Na verdade, esta é uma das funções de um presidente de turma: trazer os novatos para perto.
A mão de Nicholas foi avistada pela professora.
- Sim, o que deseja Nicholas?
- Posso fazer o trabalho extraclasse com a Anne? Não quero causar transtorno a ninguém.
A professora analisou as circunstâncias e deu seu veredito final.
- Ok, Nicholas! Anne, está tudo bem para você tendo o Nicholas como seu companheiro de trabalho?
A garota assentiu veementemente.
- Certo. Você vai fazer com a Amber, Austin?
- Lógico que vai - intrometeu-se a menina, seriamente irritada. - Não é, meu amor?
Austin encarou Nicholas mais uma vez antes de confirmar a intimação de Amber.
A Professora Carmen escolheu por ordem aleatória as demais duplas; e quando as vinte haviam sido escolhidas, levantou-se elegantemente da cadeira e escreveu algumas linhas no quadro branco da forma como gostaria que fosse o trabalho.
- Alguma dúvida? - Perguntou a professora de Filosofia.
Nada alarmante, apenas Anne ergueu a mão timidamente ao fundo, onde passou a sentar.
- O trabalho pode ser feito aqui, na escola, professora?
- Não, minha querida. Aqui não pode, mas se quiser uma dica, o melhor ambiente seria uma biblioteca da cidade ou na casa de vocês - esclareceu Carmen- Nicholas não me parece ser um garoto mal, não é mesmo, querido?
O questionamento fez o rapazinho corar.
- Não, professora. Meu pai me criou rigidamente para respeitar uma mulher e só tocá-la caso a mesma deseje.
A maturidade de Nicholas desconcertou os demais colegas, principalmente Austin e Amber que o encararam com semblante curioso.
- Tu nunca namorou, Andrich? - a loira perguntou, arrancando risadas da turma.
Nicholas sabia ser afrontoso, se fosse para todos odiá-los, deveria continuar o mais explícito possível.
- Sim, já namorei - disse Nicholas.
- O assunto não vem ao caso, Amber - repreendeu a professora, erguendo-se- Anne, querida? Nicholas poderá ir a sua casa ou vice-versa, ou em qualquer lugar, desde que me entreguem o trabalho no dia o qual marquei.
Anne contentou-se.
Depois de selecionada todas as duplas, Carmen se dirigiu ao quadro e escreveu uma data: 18/06/2023; todos atentos a fala dela após voltar a atenção à turma.
- Nesse dia será o baile de formatura de vocês, certo? Será semanas após a final do Campeonato Interescolar, beleza? Mais adiante teremos reuniões e etc. Bom, queridos, podem ir. Estão dispensados.
Não houve perguntas e que bom, os estudantes deixaram a sala em silêncio total, entrando nos corredores. Nicholas caminhava mais atrás e viu quando Austin e seu grupinho pararam próximo a escada que levava ao terceiro andar e a que descia ao térreo, sentindo seu sangue esfriar por haver escolhido Anne ao invés dele. A passos calmos, observou Amber e Maíra tomando o caminho oposto, em direção aos banheiros, e os demais indo encontrar outros amigos, restando ele, o pecado em pessoa. Bem ali, a sua frente e por mais mesquinho que pudesse transparecer, Nicholas desviou o olhar e quando tentava alcançar a escada para o primeiro piso, as mãos de Austin roçaram seu braço de maneira voraz tendo-o que encará-lo. Lhe faltou palavras, mas a caça a elas seguiu sem obstáculos.
- Me perdoa pelo ciúme bobo da Amber - disse ele, sorrindo tímido- Eu... tô... malzão por isso, cara.
Nicholas arranjou uma forma de se desvencilhar dele.
- Tranquilo, Austin. Cê me dá licença?
Austin estarreceu, principalmente quando aquelas safiras brilhantes o imploraram invisivelmente por mais toque, por mais sentimento. Nicholas não deixava nada explícito, mas os olhos azuis, estes sim denunciavam a quentura que tal ato gerou.
- Claro - ele deu uma curta distância- Até amanhã, Andrich!
Nicholas apenas suspirou fundo e precisou descer depressa antes que suas pernas falhassem naquela hora. Perturbado pela presença de Austin, o loiro avistou Alec no estacionamento, e perto dele, um rapaz alto, forte, usando uma calça jeans social, all-stars escuro, uma camisa quadriculada envolta da cintura. Mas não deixou de notar a camiseta regata dos Beatles a qual destacava os músculos e uma tatuagem, nem mesmo as pulseiras deixaram escapar perante sua visão. Ao vê-lo travado, Alec acenou. Nicholas fechou os olhos e lutou... lutou e perdeu a luta. Caminhou até ambos.
Ao ver Nicholas, foi como se o tempo lhe trouxesse um passado de volta e junto dele mais que promessas, mas sintonia. Sintonia entre o que tinha sido roubado e o presente que o futuro parecia estar entregando em suas mãos. Liam sentiu-se preso aos passos do garoto e que bom, precisou manter a formalidade até os braços de Alec contornarem o pescoço de Nicholas e ele desviá-los para o irmão.
- Ah, Nich, esse é Liam... o cara da...
- Pipoca doce de comer rezando e lamber os dedos de tão gostosa?
Não era preciso perguntar. A semelhança entre ambos era enorme, apenas tirando o fato de que Liam era mais másculo e viril.
- Sim, ele mesmo.
Surpreso, Liam estendeu a mão e ela foi tocada suavemente por aquele rapaz que o deixou hipnotizado há menos de dois minutos.
- Liam - disse o mais velho, após uns cinco segundos de cumprimento quente- Você deve ser o filho do Robert, nosso vizinho!?
O garoto assentiu.
- Sou o Nicholas. É um prazer finalmente conhecê-lo.
A formalidade não era, até o momento, o carro chefe de Liam, porém Nicholas transmitia uma paz diferente.
- Todo meu, Nich. Me chamo Lee.
Vendo que havia sido deixado para vela, Alec intrometeu-se.
- Quer ir de carona com a gente, Nicholas?
- Ah, não, obrigado - disse ele, logo após - Meu motorista deve está chegando. Na verdade deveria ter chego já!
- Ah, que pena, fica pra próxima então - asseverou Liam, olhando-o profundamente. - Mas caso queira sair com a gente hoje a noite, vamos adorar. Não é mesmo, Alec?
Alec assentiu.
- É, quem sabe! - Nicholas ouviu sons de notificações e desbloqueou o celular, deparando-se com uma mensagem de Melinda, o que lhe gerou um bufo- A proposta da carona ainda está de pé? - Perguntou.
- Sim, sim. Mas o que houve?
- Ah, a governanta da minha casa disse que o motorista acabou ficando preso no trânsito vindo para cá e, completando o caos, furou o pneu. Moral da história, está no mecânico.
Liam abriu um sorriso de canto a canto.
- Vamos, pô, entra aí. Vai comigo na frente, meu irmãozinho não é ciumento dos amigos dele, eu acho!
- Tá se achando o gostosão do pedaço - disse Alec com tons de sarcasmo.
"Não está se achando o gostoso, era de verdade um dos caras mais bonitos que já vi na vida. Pensou Nicholas."
- Ha-ha. Entra você também! - Liam pediu.
Após todos tivessem sentados, o mais velho ligou o carro, mas nem um deles notou que a uma curta distância, Austin encarava aquela cena com certo pavor no olhar. Temor, talvez!
Ao dobrarem a primeira esquina, uma enxurrada de perguntas foi iniciada.
- Como é Gales? - perguntou Liam, naquela altura.
- Bonito, tirando a parte que somos pouco mais de 4 milhões, ou seja, bem vazio por quilômetros quadrados.
Uma olhada no trânsito e outra nos olhos de Nicholas.
- Então deve ter pego todos a sua volta?
- Liam! - Exclamou Austin, ao ver que o rumo da conversa estaria indo para outro rumo. - Deixa o cara.
Nicholas, ainda assim, respondeu:
- Já namorei, mas nunca cheguei a arrasar corações.
- Ah, poxa! - pigarreou o mais velho, abrindo a mata a procura de um caminho- Mas e aí, pretende ficar quanto tempo nos Estados Unidos?
Nicholas demorou um pouco para responder, mas foi fiel à sua decisão antes tomada.
- Até o fechamento do ensino médio. Depois volto para Cardiff.
- Cardiff?
- A capital de Gales!
- Hum, legal! Parece que a cidade que nunca dorme, faz você cair no sono mais cedo.
O rapaz sorriu, gostou da piada, por mais suave que soou.
- É por aí.
Liam entrou na rua que levava ao bairro do Queens, onde localizava o Condomínio King-Palace, e tentou aproveitar o diálogo construído com Nicholas para convidá-lo ao passeio de mais tarde.
- Aceita sair com a gente hoje a noite?
Ele pensou por um momento.
- Não sei, mas vou aceitar mesmo sabendo que meu pai não permitirá.
O sorriso de Liam desfaleceu, porém perder as esperanças nunca fez parte de sua vida.
- Tenho absoluta certeza que o Robert, irá deixar.
Dois minutos depois passaram pela inspeção e entraram no condomínio onde moravam e subiram uma rua até duas enormes casas, uma frente a outra, serem avistadas. Eram grandes, pintadas de branco, com muros altos, portão de ferro, calçada e outros detalhes. Liam parou o carro.
- Chegamos! - avisou ele.
- Obrigado pela carona, moços.
- De nada.
Nicholas tentou destravar a porta mas foi vencido por ela de forma assustadora
- Como que abre isso aqui?
Liam abriu o cinto de segurança e jogou seu corpo por cima do de Nicholas. O perfume amadeirado irrompeu as narinas do rapaz e a sensação de paz e aconchego daquele toque masculino o conduziu ao êxtase. Os rostos quase se tocando, os lábios implorando um pelo outro, porém Nicholas lutou e quando por fim Liam destravou a porta, foi como se milhares de toneladas tivesse saído de suas costas.
Liam retornou ao seu lugar. Nicholas pode assim respirar adequadamente. Ele abriu a porta e encarou o moço ao seu lado.
- Obrigado mais uma vez pela carona, Liam.
- De nada, Nicholas! Hã e caso queira vir mais vezes, é só despachar seu motorista que te levarei e trarei em segurança.
- Ah, não será necessário. Alec? Valeu, até... - Liam o encarou com um olhar de decepção à vista - Mais tarde. Passo na casa de vocês, beleza?
O sorriso lindo e tecnicamente infalível, voltou a surgir.
- Até! - disse Alec.
Dessa forma, Nicholas seguiu seu caminho e os dois irmãos, um deles. Porém, algo havia mudado. Mudado de forma violenta, mas saudável. Nicholas pode sentir isso pela primeira vez, quiçá pela autonomia de Liam, outra quem sabe, ligada a extrema beleza que fez o corpo do jovem garoto estremecer sob cada olhar. Mas apenas o tempo conseguiria, de fato, liquidar as verdades. Nicholas gostaria que fosse urgente.
Talvez morar em Nova Iorque tivesse lá seus bons momentos. Pensou o jovem, sorridente.