/0/5168/coverbig.jpg?v=d710cda256c2c26ba4673f0f70f76472)
Giovanni
Tem alguma coisa no olhar dela que eu nunca saberia decifrar, mas é inegável que Madalena está diferente. Os cabelos dela estão mais curtos e agora eles têm ondas, não são mais desgrenhados e feios que nem antes. Agora ela se veste melhor e é cheirosa, não tem mais aquela cara de choro.
A questão é que a decepção não me abandona nem por um segundo que seja. Não consigo parar de pensar no que Sara me fez, nela pelada naquela janela e se agarrando com aquele empregado ... tudo isso faz uma nuvem negra se instalar na minha cabeça, não deixando espaço para eu ter qualquer apreço por minha prima, ou noiva, sei lá.
Ficamos sabendo do que aconteceu com Mariana, e isso foi mais um motivo para minha mãe desaprovar meu casamento. Dona Ângela não gosta de Madá, pois ela acha que eu devia casar com uma garota branca e minha noiva é morena. Mamãe acredita que pessoas de cor são a escória da nação, que são sujos e que só servem para ser empregados. Eu não os vejo assim, mas a maioria do meu povo acha isso. Fazer o que?
Na verdade, Sr Francesco só arranjou meu casamento com ela pois foi a primeira opção que ele viu, e agora aqui estou, tentando aceitar que vou selar matrimônio com uma garota de quem até ontem eu tirava sarro. Eu nem quero mais casar. Eu não acredito mais em amor e nem quero abrir meu coração novamente. Pra que? Pra ser feito de palhaço? Negativo.
Papai disse que um bom casamento é aquele que não acaba. Quanto a isso eu não tenho com o que me preocupar, uma vez que Madalena é obrigada a ficar comigo. Mas ela que não ache que eu vou ser fiel. Não vou me dedicar exclusivamente a ninguém, pois não confio mais em mulher alguma.
O casamento ficou marcado para 27 de Janeiro de 1985, e já estamos com convites entregues, igreja e salão reservados. E ficou combinado que vamos passar o ano novo na casa dos meus tios.
Papai e mamãe haviam saído para comprar coisas para a ceia, e eu estava no banho quando ouvi passos do lado de fora do banheiro.
- Mãe?! Mamma?! - Desliguei o chuveiro.
Silêncio. Fiquei apreensivo. Foi então que uma voz me tirou do sério.
- Giovanni? Meu amor?
Era Sara.
- Amorzinho? Eu preciso falar com você!
- O que que você quer, sua vagabunda?! Sai da minha casa agora! - Puxei a toalha e enrolei na cintura, puto de tanto ódio que sentia.
- Giovanni, eu tô grávida! A gente precisa voltar! Não posso ficar assim e sozinha!
- Eu não acredito nisso! Eu nunca toquei em você, Sara. Pra mim, você era virgem!
Abri a porta do banheiro com violência. O bobo que ela conheceu havia morrido e estava debaixo da terra. E foi Sara quem o matou.
- Amor. - Ela se assustou de início, mas tentou me convencer de novo. - Foi naquela noite que você foi me levar em casa. Meus pais não estavam. - A voz dela, que antes era música pros meus ouvidos, agora se tornou insuportável. - Não lembra? Foi tão bom.
Sara tentou passar a mão em minha bochecha, mas tirei a mão dela dali. Parei alguns segundos, tentando raciocinar enquanto ia para meu quarto. Ela me seguiu.
- O que você quer aqui? Saia agora! - Virei e apontei para a porta.
- Giovanni, eu estou grávida. Não ache que vai me abandonar carregando um filho seu na barriga!
Pensei mais um pouco.
- Que dia foi isso?
- É... foi, em Setembro. - Vacilou.
- Em Setembro, e você nem tem barriga, sendo que a gente já está em Dezembro? Não cansou de me fazer de idiota não, Sara? FORA DAQUI!
Achou que ia me enganar. Como não conseguiu, a expressão de calma e carinho mudou na hora.
- Quer saber, Giovanni? Não, nós nunca transamos, não! Só que o Luan é muito mais homem num dedinho do pé, do que você no corpo inteiro! - Gritou, histérica.
Confesso que aquilo me atingiu em cheio, partindo meu coração ao meio. Tudo ficou turvo e eu apenas fechei a mão e dei um soco no roupeiro.
- Sai daqui! Fora!
- Vou mesmo! E se quer saber, eu só vim aqui porque ele me abandonou. Foi embora com outra! Mas assim que ele voltar, por que ele vai, vamos assumir nosso filho e ser muito felizes. E você vai sempre ter essa fama de corno, porque nem lavar a própria honra você conseguiu!
Virou-se e saiu, me deixando ali com ódio. Instantes depois eu ouvi vozes exaltadas na rua, o que indicava que Sara encontrou meus pais no portão. Houve uma discussão, e logo em seguida eles entraram em casa, me vendo chorar muito e com a mão inchada.
- Deus que me perdoe, Giovanni. Você tinha era que ter matado essa mulher e aquele lá! O que ela queria aqui? - Esbravejava dona Ângela enquanto enfaixava minha mão.
- Está grávida. E queria que eu assumisse. - Falei desgostoso.
- Você ouviu isso, Francesco? É o fim da picada! Querer que nosso filho assuma cria de outro!
Papai também ficou indignado, mas preferiu - como sempre - agir com cautela.
- Vamos terminar de arrumar as coisas e ir logo de uma vez. - Falou, indiferente ao machucado em minha mão. - Aliás, Giovanni, como que aquela meretriz entrou aqui?
- Não sei. Só escutei a voz dela do lado de fora enquanto tava no banheiro.
- Vou mandar trocar as fechaduras. Essa filha de rapariga não volta aqui nunca mais. E vou falar com o Leonardo pra ver se adiantamos o casamento.
Franzi as sobrancelhas, completamente surpreso. Nem ao menos tinha me adaptado à ideia de me casar, e talvez fosse fazer isso antes do tempo. Minha mão doía muito, e eu estava consumido de ódio, mas pus uma calça e uma camisa social, passei um pente no cabelo e calcei os sapatos. Nem no último dia do ano eu podia ter paz.
Eu dirigia enquanto meus pais conversavam. Em geral eles iam sorrindo e conversando sobre alguma piada ou acontecimento feliz, mas naquela noite o clima era sério. Discutiam sobre algo o qual eu não conseguia prestar atenção, pois minha cabeça voava longe. Eu trabalhava com meu pai no negócio da família e havia me formado na faculdade há cinco anos, mais precisamente no natal de 80, quando tiramos a famigerada foto que ficava na sala. Foi o último natal que passamos junto com todos os parentes, antes de meu avô falecer. Vovó morreu menos de um ano depois, pois não suportou a saudades dele.
Meu maior sonho era fazer isso: Amar uma única pessoa a vida inteira, casar-me com ela e viver feliz. E agora tudo isso estava arruinado.
Antes que eu pudesse imaginar, chegamos lá. Pra ser sincero, eu nem percebi o trajeto.
- Vamos, meu filho. - Papai tocou em meu ombro.
- Ah, que remédio. Vamos. - Lamentou mamãe.
Aquilo ia ser difícil.
Eram oito e meia da noite e a casa dos meus tios - ou sogros - estava bem iluminada. Tio Leonardo veio nos receber no portão. Papai era irmão da tia Maria.
- Podem entrar e sentar na sala. Madalena vai vir servir vocês. Madá! - Berrou pra dentro de casa, me fazendo esfregar o ouvido.
Meus avós vieram da Itália, e meu tio e mamãe eram a segunda geração da família no Brasil. A mãe das gêmeas casou-se com um brasileiro em vez de manter a tradição de se casar com alguém do nosso povo, o que causou muitos atritos entre a parentada. Pra piorar, tio Leonardo era moreno, fato inaceitável para vovô e vovó. Ele não chega a ser negro, mas a mistura do branco de tia Maria com a pele do marido deu às garotas um tom café com leite, o que fazia todos dizerem coisas ruins sobre elas - que eu não gosto de repetir.
Assim que chegamos na sala, Madalena veio nos cumprimentar. Ela ainda era bem magra, mas agora estava com a postura corrigida e muito bem vestida.
- Boa noite. Vocês querem café? - Perguntou.
Madalena.
- Não, não queremos café. - Tia Angela respondeu, ríspida como sempre.
Olhei rapidamente para Giovanni, que estava com cara de bobo. Ganhei de mamãe um vestido novo, azul com detalhes dourados. A roupa ia até acima dos joelhos. Além de sapatinhos com salto baixo, ganhados junto com o vestido, fiz cachinhos no cabelo e passei uma maquiagem. Será que eu estava tão bonita assim? O olhar insistente de meu noivo estava me deixando sem jeito, e o tio Francesco percebeu.
- Me traga um café, por favor, Madá. - Pediu ele.
Após servir a bebida, voltei à sala e sentei ao lado de Giovanni, como mamãe ordenou. Estávamos em cadeiras lado a lado, mas não conversamos, pois logo chegaram vizinhos e amigos que foram convidados para o nosso casamento, e eu não estava a fim de assunto com ele. Minha sogra não gostava da minha família devido a nossa cor, então eu já estava prevendo muitos problemas. Foi então que Francesco tomou a palavra.
- No caminho nós vínhamos conversando, e gostaríamos que, por enquanto, vocês morassem aqui.
- Porque? - Mamãe quis saber, já que o costume era que os noivos irem para a casa própria ou para a casa dos pais do noivo.
Houve um silêncio, em que os convidados que não eram da família foram para o pátio por entender que era necessário privacidade. Angela baixou a cabeça - finalmente ela parou de me olhar - e meu sogro encarou o filho.
Giovanni fechou a cara e teve uma expressão séria, lambendo o lábio superior brevemente respirando de maneira profunda.
- Eu estava noivo. Meu casamento devia ter sido mês passado, mas ela me traiu.
Ficamos sem saber o que dizer, mas eu senti a dor dele ao falar sobre aquilo. Provavelmente Giovanni estava sendo julgado por todos na cidade dele, pois os italianos não toleram traição.
- Tudo bem. Vocês podem ficar aqui, mas pra onde vocês vão se mudar? - Papai quis saber.
- Não sei ainda, mas será logo. Eu vou continuar trabalhando na minha cidade; vou de carro e volto todos os dias. - Olhou pra mim e passou a mão pelo queixo. - Mas logo sairemos daqui.
Nessa hora eu senti um arrepio no corpo e dei uma mordida forte no lábio inferior, apertando os dedos no braço da cadeira. Puta merda, como vou conseguir me entrosar com alguém o qual eu só consigo pensar bobagem quando olho? Eu devia estar pensando em aprender a ser uma boa esposa, pensando nos filhos que virão, em como manter tradições, mas nas poucas vezes em que vi Giovanni, só consigo pensar na noite de núpcias.
Conforme foi se aproximando da meia-noite, ficamos um pouco a sós na sala, pois os convidados se dividiram entre cozinha e pátio. Eu sempre tive medo de meus pais saberem da minha maneira de aliviar a tensão, mas agora estava com medo de Giovanni percebesse minha mente suja.
As pessoas conseguem perceber essas coisas? Ele estava com uma cara de poucos amigos desde que chegou e depois eu soube porque, mas agora a ausência de assunto estava tornando tudo pior.
Quando fui levantar para sair, Giovanni me chamou.
- E então?
- Então o que? - Fiquei perdida.
- Seu vestido é bonito?
- É. A gente ainda tem que ajustar algumas coisas. - Me pareceu que ele formulou a pergunta na hora. - Mas é lindo sim.
Giovanni levantou e veio na minha direção, e minhas pernas viraram geléia. Eu queria reagir e sair, mas desaprendi a andar. Ele olhou diretamente para a minha boca, fazendo um calor se acumular dentro de mim, mais precisamente na calcinha.
- Você trabalha onde?
- Eu não trabalho. Só meus pais. E você?
Dei um passo pra trás. Giovanni olhou para a cozinha, e eu pensei que ele fosse me beijar, mas ele só me lançou um olhar indecifrável de novo.
- Bom, muito bom. Não quero mulher minha na rua.
- Olha, a outra lá te traiu, mas eu não vou te trair não. Ela é vagabunda, eu sou moça de família! - Me indignei. Eu trabalhava até poucos meses antes, mas a loja que me empregava fechou. E eu não deixaria homem nenhum me impedir de ganhar dinheiro. Se tem algo que eu não sou é preguiçosa, e também não iria deixar ele transferir as desconfianças de outra pra mim. - como se já não tivéssemos um longo histórico de atrito.
- Nunca mais fale isso. - Fechou a cara de vez, se inclinou na minha direção, bufando de raiva, mas contido.
- Isso o que? Não vou ouvir desaforo por causa de outra mulher. - Fiquei louca da vida.
- Sai daqui.
- Me botando pra fora da minha casa? - Girei os olhos - Deus que me perdoe, você tá mais bonito, mas tá mais nojento que nunca!
E então ouvimos os fogos. Era meia noite, 1o de Janeiro de 1985.
- Feliz ano... - Falou após hesitar um pouquinho.
- Tchau.
Quis me abraçar, mas só fui cumprimentar todos - evitando tia Angela - e depois fui deitar. Giovanni ficou observando, mas não falei mais com meu noivo.
- Vou deitar, mãe. Tô com dor de cabeça. - Avisei.
- Mas já? Bom, hoje foi cansativo mesmo. Vai lá, meu amor.
Peguei outra roupa e tomei um banho rápido. Durante os momentos em que estava me banhando, ouvi algumas vozes se afastando. Graças a Deus estavam indo embora. Adoro casa cheia, mas naquele momento estava estressada.
Saí rapidamente e vi que não havia mais ninguém dentro de casa. Entrei, já tirando a roupa e soltando os cabelos, que estavam presos em um coque. Estava abafado e liguei o ventilador, sentindo o vento me refrescar e pendurando a roupa no cabide de madeira que ficava perto da janela.
Deitei de frente para o espelho dobrando as pernas e afastando-as. Acontece que naquela noite eu não voltei pra ver se tinha realmente trancado a porta. E não, eu não tranquei.
Giovanni.
Quase uma da manhã e muitas pessoas já haviam ido embora, não sem antes me parabenizar pela união, que seria dali 26 dias. Ficamos sentados na rua e aproveitamos que não havia mais estranhos ali para falar sobre a necessidade do casamento ser adiantado. Depois da visita surpresa de Sara, tudo que eu mais queria era nunca mais ter que pisar naquela merda de cidade.
Meus tios concordaram com a mudança de data, mas teriam que ver se isso era possível.
- Tia, posso ir na cozinha? Tô com sede. - Pedi.
- Claro! Veja se tem água gelada e traga pra nós também. Copos já tem aqui. - Tia Maria confirmou.
Levantei e fui até lá, mas quando cheguei na cozinha vi uma frestinha de uma porta aberta. Fui até lá e espiei para dentro, não conseguindo crer na cena que vi. Era o quarto de Madalena e ela estava deitada na cama, mais precisamente de frente para o espelho.
Fiquei dobrado sobre um joelho e aproximei meu rosto o máximo que pude. Ela estava se masturbando e nem percebeu qualquer barulho, pois parecia mergulhada naquilo. O espelho me deixava ver - e muito bem - tudo: Os lábios abertos levemente com os dedos, que logo seguiram para o clitóris, massageando-o levemente. Tive que afrouxar a gravata e comecei a sentir calor, enquanto, há poucos metros de mim, Madalena seguia se dando prazer. Minha visão ficou enevoada, e eu comecei a apertar os dedos na parede, numa tentativa desesperada de não sei o que.
De repente ela parou, relaxando e soltando o corpo, que estava tensionado. Eu fiquei de boca aberta e agora sentia mais necessidade do que nunca de beber água, minha gravata estava solta e eu estava suando, fora outras coisas, que eu não podia deixar ninguém perceber. Sem saber o que fazer, fui pra cozinha e peguei a jarra, ainda tremendo. Respirei fundo e aguardei ali alguns instantes, pensando no que ia fazer.