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Madalena.
- Não, não queremos café. - Tia Angela respondeu, ríspida como sempre.
Olhei rapidamente para Giovanni, que estava com cara de bobo. Ganhei de mamãe um vestido novo, azul com detalhes dourados. A roupa ia até acima dos joelhos. Além de sapatinhos com salto baixo, ganhados junto com o vestido, fiz cachinhos no cabelo e passei uma maquiagem. Será que eu estava tão bonita assim? O olhar insistente de meu noivo estava me deixando sem jeito, e o tio Francesco percebeu.
- Me traga um café, por favor, Madá. - Pediu ele.
Após servir a bebida, voltei à sala e sentei ao lado de Giovanni, como mamãe ordenou. Estávamos em cadeiras lado a lado, mas não conversamos, pois logo chegaram vizinhos e amigos que foram convidados para o nosso casamento, e eu não estava a fim de assunto com ele. Minha sogra não gostava da minha família devido a nossa cor, então eu já estava prevendo muitos problemas. Foi então que Francesco tomou a palavra.
- No caminho nós vínhamos conversando, e gostaríamos que, por enquanto, vocês morassem aqui.
- Porque? - Mamãe quis saber, já que o costume era que os noivos irem para a casa própria ou para a casa dos pais do noivo.
Houve um silêncio, em que os convidados que não eram da família foram para o pátio por entender que era necessário privacidade. Angela baixou a cabeça - finalmente ela parou de me olhar - e meu sogro encarou o filho.
Giovanni fechou a cara e teve uma expressão séria, lambendo o lábio superior brevemente respirando de maneira profunda.
- Eu estava noivo. Meu casamento devia ter sido mês passado, mas ela me traiu.
Ficamos sem saber o que dizer, mas eu senti a dor dele ao falar sobre aquilo. Provavelmente Giovanni estava sendo julgado por todos na cidade dele, pois os italianos não toleram traição.
- Tudo bem. Vocês podem ficar aqui, mas pra onde vocês vão se mudar? - Papai quis saber.
- Não sei ainda, mas será logo. Eu vou continuar trabalhando na minha cidade; vou de carro e volto todos os dias. - Olhou pra mim e passou a mão pelo queixo. - Mas logo sairemos daqui.
Nessa hora eu senti um arrepio no corpo e dei uma mordida forte no lábio inferior, apertando os dedos no braço da cadeira. Puta merda, como vou conseguir me entrosar com alguém o qual eu só consigo pensar bobagem quando olho? Eu devia estar pensando em aprender a ser uma boa esposa, pensando nos filhos que virão, em como manter tradições, mas nas poucas vezes em que vi Giovanni, só consigo pensar na noite de núpcias.
Conforme foi se aproximando da meia-noite, ficamos um pouco a sós na sala, pois os convidados se dividiram entre cozinha e pátio. Eu sempre tive medo de meus pais saberem da minha maneira de aliviar a tensão, mas agora estava com medo de Giovanni percebesse minha mente suja.
As pessoas conseguem perceber essas coisas? Ele estava com uma cara de poucos amigos desde que chegou e depois eu soube porque, mas agora a ausência de assunto estava tornando tudo pior.
Quando fui levantar para sair, Giovanni me chamou.
- E então?
- Então o que? - Fiquei perdida.
- Seu vestido é bonito?
- É. A gente ainda tem que ajustar algumas coisas. - Me pareceu que ele formulou a pergunta na hora. - Mas é lindo sim.
Giovanni levantou e veio na minha direção, e minhas pernas viraram geléia. Eu queria reagir e sair, mas desaprendi a andar. Ele olhou diretamente para a minha boca, fazendo um calor se acumular dentro de mim, mais precisamente na calcinha.
- Você trabalha onde?
- Eu não trabalho. Só meus pais. E você?
Dei um passo pra trás. Giovanni olhou para a cozinha, e eu pensei que ele fosse me beijar, mas ele só me lançou um olhar indecifrável de novo.
- Bom, muito bom. Não quero mulher minha na rua.
- Olha, a outra lá te traiu, mas eu não vou te trair não. Ela é vagabunda, eu sou moça de família! - Me indignei. Eu trabalhava até poucos meses antes, mas a loja que me empregava fechou. E eu não deixaria homem nenhum me impedir de ganhar dinheiro. Se tem algo que eu não sou é preguiçosa, e também não iria deixar ele transferir as desconfianças de outra pra mim. - como se já não tivéssemos um longo histórico de atrito.
- Nunca mais fale isso. - Fechou a cara de vez, se inclinou na minha direção, bufando de raiva, mas contido.
- Isso o que? Não vou ouvir desaforo por causa de outra mulher. - Fiquei louca da vida.
- Sai daqui.
- Me botando pra fora da minha casa? - Girei os olhos - Deus que me perdoe, você tá mais bonito, mas tá mais nojento que nunca!
E então ouvimos os fogos. Era meia noite, 1o de Janeiro de 1985.
- Feliz ano... - Falou após hesitar um pouquinho.
- Tchau.
Quis me abraçar, mas só fui cumprimentar todos - evitando tia Angela - e depois fui deitar. Giovanni ficou observando, mas não falei mais com meu noivo.
- Vou deitar, mãe. Tô com dor de cabeça. - Avisei.
- Mas já? Bom, hoje foi cansativo mesmo. Vai lá, meu amor.
Peguei outra roupa e tomei um banho rápido. Durante os momentos em que estava me banhando, ouvi algumas vozes se afastando. Graças a Deus estavam indo embora. Adoro casa cheia, mas naquele momento estava estressada.
Saí rapidamente e vi que não havia mais ninguém dentro de casa. Entrei, já tirando a roupa e soltando os cabelos, que estavam presos em um coque. Estava abafado e liguei o ventilador, sentindo o vento me refrescar e pendurando a roupa no cabide de madeira que ficava perto da janela.
Deitei de frente para o espelho dobrando as pernas e afastando-as. Acontece que naquela noite eu não voltei pra ver se tinha realmente trancado a porta. E não, eu não tranquei.