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Luca Ander
Sou um fofoqueiro receptivo. Amo ter conhecimento sobre tudo a minha volta, mas apenas para ouvir claro, sou um horror para passar qualquer informação que for. A melhor parte é que conheço a melhor fonte de informação alguma vez vista, as velhinhas do bairro.
O trabalho delas é controlar a vida dos outros, comentar sobre a vida dos outros e falar mal das pessoas deliberadamente e, claro, que vou sempre ficar com elas. Me sinto em casa.
- Sabem aquela moça que tem o cabelo bonito e as ancas mais grossas do que deviam? - Quando começa assim significa que vem alguma informação baseada em pesquisas de campo e não somente especulações.- Ela fez uma cirurgia e sei porque um amigo do meu filho é que fez a cirurgia, ele disse quando veio me visitar.
- Por isso é que ela só usa aquelas roupas curtas, aquelas pernas têm data de validade - a senhora Nanda mantém os olhos arregalados enquanto arranja a peruca maltratada, não consigo conter o riso e elas apenas acompanham. - Bem que ela poderia nascer com essas ancas maravilhosas que nós temos.
- Ah, para lá com isso, Nanda, na idade dela eras um pau de tanto esqueleto que tinhas nas pernas, as ancas vieram agora na velhice porque só ficas sentada a expandir o coitado do quadril - Maureen, como sempre, dá o choque de realidade em Nanda que apenas manda o dedo do meio para ela. - Não fizeste uma plástica porque no nosso tempo não estava tão desenvolvida, não tinhas dinheiro, não tinhas um marido ou namorado rico e tinhas o corpo padrão da altura.
- Esqueci completamente que os tempos mudaram - tomam o chá que fiz há muitos minutos atrás e vão saboreando de olhos fechados. - Luca, tu estás cada vez melhor.
- Eu sei - levanto do sofá em que estava sentado e sacudo a calça jeans. - Meninas, vou embora, foi muito bom ouvir as vossas fofocas e cozinhar para vocês.
- Até depois, Luca - elas respondem juntas sorrindo abertamente para mim.
Caminho devagar até casa sem pretensão nenhuma de ficar nela por muito tempo. Poderia simplesmente sair, talvez fugir de casa, ,mas antes preciso me certificar de que ninguém está em casa. Não devia me sentir mal por ficar em casa, a questão é que sempre que lembro quem também está em casa, ela perde todo o brilho.
O s meus pés imploram por chinelos depois de um dia inteiro de tênis então o melhor é chegar dormir ou tentar, são exatas oito horas da noite e não é hora de dormir. Infelizmente. Tiro o telemóvel do bolso traseiro e ligo para a única pessoa disponível para mim vinte e quatro horas.
- Estás acordada?
*Não, estou a dormir debaixo das cobertas gigantes
compradas por um rei perdido de amores pela princesa aqui
- Que princesa? Quem é princesa? Tu?
O sol já queimou a terra e eu não sei de nada?
*Ligaste para exagerar? Se for isso dá licença que eu preciso dormir
- Não é isso. Não consigo dormir e nem quero ir para casa, vamos sair?
*Vai para cama e fecha os olhos, vais dormir que nem um bebê
- Bebês são sempre aconchegados por alguém...
*Vai namorar, Luca, me deixa em paz.
- Não posso, serei eu a te levar para o altar quando casares
*Desliga antes que eu pule para aí para te esganar.
- Estás disponível? Podes sair?
*Não, os meus pais estão em casa, então não posso
sair ainda mais a esta hora, seu desmiolado
- O que é que tem a hora?
*Resumindo. sou uma mulher mais nova e, supostamente, mais frágil
- Veste roupa interior de ferro.
;*Vai te lixar, Lu, vou dormir.
- Dorme bem e nos encontramos amanhã.
*Tchau
A porta envernizada com um tom mais escuro que o tom original, deixa à vista todos os detalhes dourados que ela tem, todos os enfeites perfeitamente posicionados para bater certo com o tal do Feng Shui da minha mãe. A distância parece estranha e estúpida, mas de perto é linda, maravilhosa.
- Já arrumaste as tuas malas?
A pessoa que pensa que as palavras ainda me desestabilizam começa assim que passo pela porta.
- Arrumaste por mim? - dou o melhor sorriso de canto que consigo.
- És um grande mal-educado...
- Agora é só olhar para o pai - respondo antes de andar devagar até ao meu quarto.
Não é dia para aguentar sermão, é dia para ficar descansado e respirar fundo. Na verdade, todos os dias são, mas o ser humano prefere aumentar o problema ao invés de criar a solução.
Como todas as minhas coisas, incluindo a minha cabeça, o meu quarto está sempre bagunçado, quer dizer, as coisas ficam organizadas do jeito que faço melhor, na desorganização infelizmente. As cores nele são sempre diferentes, cada uma em representação de todos os lugares em estive e estou no momento. Quatro cores diferentes para quatro paredes brancas.
A cama bem no centro do quarto cria a facilidade para arrumar tudo e não ter que tocar na parede a não ser se for para bisbilhotar pela janela enorme que tem uma visão incrível para o bairro.
Deito na cama com os olhos abertos, contemplando aquela que seria a minha obra de arte. Metamoreu. Asas gigantes e majestosas deixam evidente todo o poder que vem dele assim como as línguas e olhos diferentes, não dá para negar que sou um artista de mãos cheias e quem disser o contrário não passa de um invejoso.
- Luca - a porta do quarto é aberta e vejo a mulher de cabelos pretos que apenas me colocou no mundo. - Luca, estás a ouvir?
Sento na cama com a maior preguiça a espera que continue. Ninguém vem para o meu quarto se não houver uma ordem predefinida.
- Amanhã receberemos novos vizinhos no bairro, eles virão da Irlanda e espero que estejas munido de bons comportamentos e respeito - Hellen diz na maior cara de pau.
Sou a pessoa mais respeitosa e educada que existe, apenas não sou essas coisas perto deles. Passei toda a minha vida a ser um humano respeitoso para eles, mas nada funciona porque a lei do anulamento é mais forte que qualquer coisa.
- Ouviste o que eu disse? - Olho para ela sem sorrir, ela não precisa do meu sorriso, não importa qual seja. - E faz o favor de pintar o teu cabelo, não quero que confundam o meu filho com um drogado.
- Tens noção de que o meu cabelo verde me torna mais esperança que qualquer coisa no mundo? Ou que estereótipos para drogados estão ultrapassados porque mesmo pessoas com cabelos na cor original podem ser drogadas?
Arqueio uma sobrancelha a espera que ela responda e quando ouço o ranger da porta assim como ela a fechar, só consigo perceber que as respostas nunca virão.
- Mais uma vez, conviver comigo é um caso de adaptação.