Capítulo 8 Início de um passeio por Albury

Nahin Untier

- Bom dia, cabeçudo - minha mãe grita através da porta do banheiro. - Dormiste bem?

- Sim, mãe - fecho a torneira e grito em resposta. - Agora me deixa tomar banho à vontade, por favor.

Mantive a esperança de que ela foi embora e continuei com o meu banho. Momentos no banheiro são perfeitos para uma reflexão. Os minutos perfeitos para cair na real e perceber que a minha vida depende do meu intestino.

- O Luca está lá embaixo, ele disse que a visita, passeio ou sei lá o quê, por Albury começa hoje - sabia que ela não iria embora tão rápido. - Vai, filho, vai ser bom para ti conhecer pessoas novas, lugares novos. É uma cidade nova, um país totalmente diferente, mas não quer dizer que não possas ser feliz aqui.

Recomeçar. Para quê? Quando as coisas ficarem boas para mim iremos embora então não acho que faça tanto sentido assim. E o pior é que mal conheço esse Luca e ele já lavou a cabeça da minha mãe.

- Eu desço daqui a pouco - suspiro aliviado ao ouvir os passos distantes. Encosto a testa a parede e respiro fundo tentando manter a calma para não surtar ali.

Ando devagar para o quarto com o celular na mão. Visto, deito na cama e fico ali trocando mensagens com Bamel.

- Vou sair com vontade zero de andar.

Não precisei esperar muito em uma questão de segundos ele respondeu.

" Então não sai, coisa..."

- Só que não posso simplesmente desistir, tem um rapaz à espera lá embaixo para mostrar a cidade para mim e a mamã está entusiasmada com a ideia de ter um amigo aqui - escrevo rápido saindo do quarto com o casaco na mão.

"Que rapaz? Conheceste alguém para me substituir tão rápido?"

- É o Luca, vive aqui ao lado e não serás substituído, amigos para a vida.

" Espero que sim e fica a saber que está tudo gravado, se alguma coisa acontecer contigo ele é o culpado."

- És um exagerado

" Sou sincero."

- Ok, então.

Ri com os emojis que ele mandou e desci as escadas. A primeira visão que tenho quando termino as escadas é do Luca sentado no sofá brincando com Cristine. Parecem empenhados a montar histórias para as bonecas, a imitar aquelas vozes agudas irritantes e penteando as bonecas de maneira exagerada. Cristine sorria abertamente e gargalhava cada vez que Luca repetia aquela voz demasiado aguda.

- Aqui estou, vamos? - indago vendo Luca encostado em uma das pilastras da casa, com as mãos nos bolsos da calça e uma vontade de mandar no tempo.

- Vamos sim, Nahin - ele sorri, dessa vez sem deboche. - Adeus, minha amada princesa.

- Sou uma rainha e não uma princesa - Cristine contesta cruzando os braços e pressionando os lábios um no outro. - E não pode ser um adeus porque o Nahin me ensinou que adeus é muito distante e eu quero que venhas brincar mais vezes comigo.

-- Ok, até mais, minha querida rainha - ele faz uma reverência e ela sorri passando a mão pelo puff alto. - Vamos.

Ele estica a mão apontando para a porta com uma ousadia desmedida e sorri sendo acompanhado pela traidora, vulgo Cristine Untier.

- Para onde vamos? - pergunto assim que passamos pela porta e ele coça a nuca. - Não sabes para onde vamos? Ah, eu sabia que aceitar essa visita era uma péssima ideia.

Giro colocando as mãos os bolsos e balançando para frente e para trás. Para conhecer uma cidade é necessário ter um roteiro, é crucial ter organização.

- Apressado, Nahin? - olho para ele e ele coloca as mãos no ar e dá um passo à retaguarda. - Vais conhecer os pontos que eu mais gosto na cidade, assim ficas a ter lugares ótimos na lista.

- Estou quase a deixar que a raiva mande na minha mão - respondo enquanto caminhamos lentamente rumo à saída do complexo. - Tenho quase certeza que gostas de bares, discotecas e festas, muitas festas.

- Hmmm, a tirar conclusões precipitadas - arqueia a sobrancelha esquerda e semicerra os olhos, ofendido com o que eu disse. - Não tires conclusões precipitadas, elas não ajudam em nada no conhecimento mútuo.

- Tu não ajudas no conhecimento mútuo.

- Doeu no meu coração - ele coloca a mão no peito e faz uma daquelas caretas de dor.

Dramático. Talvez se levasse um soco pararia com a brincadeira e finalmente falaria sobre os lugares que conhecerei. Não é confortável andar com ele, não ainda.

- Não, esses não são os lugares que eu quero que conheças, nós vamos para lugares que valem a pena e apresentarei algumas pessoas para ti, e estás a ser chato ao tentar adivinhar quem sou ao invés de perguntar - ele aponta para mim enquanto atravessamos a estrada cheia de ramificações. - Porquê que não fazes perguntas, como todo mundo faz? Não custa nada perguntar que tipo de sítios eu considero ótimos ou o que eu gosto.

- Primeiro, porque eu não sou todo mundo...

- Ah, essa resposta já perdeu a validade de tantas vezes que foi dita - colocou a língua para fora e revirou os olhos.

- Luca, para de me estressar por um segundo, por favor - ele mostra os dentes e cruza os braços nas costas. - Tenho o meu próprio jeito de conhecer as pessoas.

- Tentando adivinhar o que elas gostam de fazer? Ou ficando calado até a pessoa aparecer e ser tua amiga? - questionou ele fazendo caretas para cada coisa que dizia. - Um erro miserável, meu sábio amigo. Perguntar é mais simples que tentar descodificar um código que não quer ser descodificado.

- Código? Do que estás a falar? - volto a colocar as mãos nos bolsos alternando o olhar entre o Luca e o caminho que estamos seguindo.

- Pessoas são feitas de códigos genéticos e tu deves saber isso, quando duas pessoas fazem sexo e engravidam, criam outro código genético, que é semelhante somente entre irmãos, por serem feitas de códigos, as pessoas costumam ser um enigma, quando pensas que sabes tudo sobre uma pessoa, não sabes nada na verdade - os gestos que o Luca faz enquanto explica a sua teoria são tão engraçados que eu não consego conter o riso. - Para de rir. Será sempre difícil tentar adivinhar quem realmente são as pessoas, cada um tranca-se na sua própria mente e deixa transparecer somente aquilo que acha útil para os outros saberem.

Ele coloca as mãos nos bolsos e sorri para mim. Vira e começa a andar de costas.

- Isso é científico ou somente uma teoria?

Tem que ser uma teoria, parece uma teoria, não algo retirado de um artigo científico ou alguma coisa parecida.

- Teoria, amo teorias, sou completamente apaixonado por elas, apenas não namoro com elas porque estão na minha cabeça a tempo integral.

O sorriso aberto que vejo agora faz com que parte do rapaz arrogante da noite anterior seja apagada, como mágica. Ele é estranho.

- O que é que tu achas útil para os outros saberem? - pergunto colocando as mãos nos bolsos também.

- Olha quem começou a perguntar - a frase veio seguida de uma gargalhada absurda de tão alta e palmas rápidas. Ele inclina o corpo para frente e faz uma vênia daquelas que os palhaços em circos fazem.

- És cá um indeciso - continuo andando passando por ele ainda com as mãos nos bolsos. - Responde a pergunta, Luca, afinal de conta foste tu o incentivador.

Acho que farei aquilo que a dona Calena não parou de disse desde que chegamos ali, aproveitar o momento. Os edifícios grandes criam uma sombra momentânea que dá lugar para o sol intenso.

- Ok, tu tens razão - levanta as mãos em sinal de rendição correndo para ficar à minha frente andando de costas como antes. - Que sou incrível, maravilhoso e que ter apenas um pedaço de mim é ter o mundo.

O quê? Auto-estima é tudo, mas assim? Paro de andar e cruzo os braços mantendo o olhar fixo no rosto dele. Ele para também, mas mantém um sorriso sapeca com poucos dentes à mostra.

Ele salta quase batendo com o cotovelo em uma senhora e arregala os olhos pedindo desculpas para ela com as mãos juntas. Fui contagiado pela gargalhada do Luca e olho para ele a tentar corrigir os problemas que causou.

- Em que parte de ti está essa maravilhosidade depois disso? - pergunto piscando os olhos repetidamente para ele.

- Acho que no momento ela fez uma pausa - tapo a cara com as mãos tentando impedir que a minha cara esteja envolvida em qualquer vergonha. - Bem que ela podia aparecer mais vezes. Tu riste, quem sabe isto já não é uma amizade.

Amizade conquista-se e não deduz-se. Cruzo os braços antes de continuar a andar, mesmo que não conheça o caminho. Não deve ser tão difícil andar por aqui.

- Luca, apenas vamos seguir com a visita.

- Ok, vamos seguir com a visita - ele sorri e cruza os braços atrás das costas antes de suspirar. - É bom conhecer alguém que não cai nos meus encantos amigáveis facilmente e devo confessar, te conheço há um dia e já acho que seremos bons amigos.

Quando disse que ele é estranho não estava enganado. Como ele mesmo disse, nos conhecemos há um dia e ele quer passar a eternidade perto de mim? Como é que se afasta uma pessoa como ele?

                         

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