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Nahin Untier
- Nahin, finalmente - eu nunca vi a minha mãe tão entusiasmada ao ponto de saltitar depois de me obrigar a levantar. Quem é essa mulher?- Anda, tem gente para apresentar, são alguns dos nossos vizinhos, a família Ander para ser mais específica - aponta para o casal sentado no sofá e para o rapaz ao lado deles. O rapaz de cabelo verde. Com que então aquela era a casa dele. - Estes são a Marta, Handel e este é o Luca, filho deles - aponta para cada um enquanto eu aperto as mãos deles.
Ele nem levantou do seu lugar, apenas levantou as sobrancelhas e sorriu, se isso é uma forma de cumprimentar estou completamente perdido.
- Vocês dois podem ser amigos, o Luca pode mostrar a cidade para ti, inclusive irão estudar na mesma escola então têm tudo para a vossa amizade dar certo - a minha mãe diz muito rápido mostrando o quanto eu tinha razão sobre o entusiasmo desmedido dela. As coisas não estão controladas por aqui.
Uma amizade não é somente baseada em estudar na mesma escola ou ser vizinho, amizade é conquista e não apenas da boca para fora.
- Podem falar sobre desporto ou até conversar sobre miúdas ou videogames, sei lá que tipo de conversa vocês, jovens, costumam ter - Marta sugere compartilhando do mesmo sorriso aberto com minha mãe, que acena freneticamente para mim.
- É necessário dar tópicos de conversa? Acho que não - Luca olha para a mãe com uma cara de puro sarcasmo, depois olha para mim e sorri como antes. A voz grossa e profunda soa como um eco. - Mas, não será mal mostrar a cidade ou até sermos amigos. posso te levar para lugares que nem imaginas.
Ele mantém um sorriso intuitivo no rosto, que retirou e substituiu por uma careta quando recebeu um sermão da sua mãe. Cobre a cabeça com o capuz do casaco cor de vinho com duas vezes o seu tamanho e cruza os braços, mesmo recebendo olhares óbvios do pai.
Como é que ele consegue ignorar?
*****
O jantar foi tomado por perguntas em cima de perguntas que fizeram meu pai e Handel terem o que conversar. Quando Franco falava alguma coisa sobre mim, lá vinha Handel para falar alguma coisa sobre Luca, que revirava os olhos a cada elogio indireto que o pai escolhia para ele. Era embaraçoso presenciar aquilo, dá até vontade de ser uma avestruz e enfiar a cabeça na terra.
Escolho recolher os pratos da mesa e arrumar a sala de jantar, para não ter que ouvir besteiras ou ser colocado no meio de uma competição estúpida.
- Aborrecido?
Tomo um susto e viro em um salto, quase deixando o prato cair. Luca estava parado em uma das portas duplas com o ombro esquerdo encostado no batente. Tem o casaco na mão deixando os braços de fora na camisola sem mangas.
- O quê? - pergunto voltando ao meu trabalho. Ele podia ter ficado na sala de estar onde todos conversam sem se importar e me deixar em paz.
- Eu perguntei se estás aborrecido.
Os olhos fixos seguem todos os meus movimentos e ele dá uma risada sarcástica. Aquela era a oportunidade de ficar distante das pessoas, mas parece que as pessoas querem estar perto. Fugi e agora tem um chato na tentativa de me pôr aborrecido.
- Não é da tua conta - respondo friamente tentando fazer com que ele perceba que não é bem-vindo neste espaço.
- Oh, parece que o menino educadinho e respeitoso, não é quem o pai acredita ser - o olhar que mandei para ele foi óbvio demais, não queria entrar naquele assunto e muito menos conversar com ele. - Calma, eu vim aqui em paz, oferecer os meus serviços como guia por esta cidade repleta de pessoas com terceiras intenções, e ainda posso te ajudar a levantar a mesa, será mais rápido e menos chato. Além de ser um grande coach de humor diário, o que precisas com urgência.
- Por que não mudas o teu humor? Te conheço há uma hora e já foste mais azedo que todas as pessoas durante toda a minha vida.
- Ok, ok, não vamos falar de humor até porque sei o quanto consigo ser azedo, como tu dizes - põe as mãos nos bolsos da calça e volta a sorrir. Ele tem algum problema com sorrisos? Por que não para de sorrir? - E quanto a outra proposta, queres que eu seja o te guia pela cidade e a ajuda para recolher essas coisas?
No princípio hesitei negando com a cabeça, mas a presença dele já é cansativa e quanto mais rápido ele fosse embora, melhor. Aceito a ajuda dele e a proposta de ser meu guia pela cidade mesmo tendo perfeita noção do arrependimento.
- A cidade tem muito mais coisas que este bairro e como os teus pais disseram que iremos estudar na mesma escola, tomei a liberdade de vir aqui para falar alguns pontos importantes.
Ele manteve um ar convencido enquanto tirava algumas travessas da mesa e as levava para a cozinha.
- Podemos ao menos terminar de retirar os pratos da mesa?- pergunto colocando alguns pratos na pia. - Depois vemos o que se faz
- Claro.
Retiramos tudo da mesa e seguimos para o quintal, eu a frente e ele atrás. À noite, o quintal não parece tão feio, a luz da lua reflete sobre a relva morta e as estrelas, como pontos de diferentes tamanhos, exibem toda a sua beleza e simplicidade.
- Eu sou o Luca, Luca Ander, para ser mais exato - ele estende a mão direita e sorri. Mais uma vez.
- Eu já sei que és o Luca - sento no segundo degrau contemplando o céu estrelado.
- E eu já sei que és o Nahin, mas não custa nada fazer uma apresentação decente - ele sorri ainda mais sentando ao meu lado, volta a estender a mão e indica com os olhos para que a aperte.
- Nahin, Nahin Untier - aperto a mão dele e devolvo os meus olhos para o céu. -Agora podes falar sobre o que estavas falando antes, o que é que tens para explicar sobre a escola?
- Curioso - o dedo indicador e o polegar pousam no queixo quando ele semicerra os olhos na minha direção. - Antes vamos... nos conhecer melhor, quero saber mais sobre a imagem de menino educadinho que pintam para os meus pais, estou a olhar para ti e ainda não vi esse menino - avalia o meu rosto como se fosse uma amostra de perfume ou um pedaço enorme de pizza, distribuindo olhares por todo o meu rosto.
- Se eles dizem que sou assim, cabe a ti apenas acreditar, não marteles a tua cabeça com essa informação - respondo com os olhos ainda nas estrelas e sorrio para elas. - Também não vejo o menino extremamente dotado e super dedicado.
- É justo - ele ergue os braços em sinal de rendição e continua a falar. - A escola chama-se Scott School of Albury, não sei qual é a tua turma, e seguindo a lógica da idade, acho que estás no segundo ano. Como os do médio estudam de manhã precisas estar mais atento ao tempo, pontualidade é o que eles mais observam e não, não sei se vou esperar por ti para irmos para a escola juntos, talvez no primeiro dia faça, mas nos restantes não tenho tanta a certeza.
- Em que ano estás? - Dessa vez olho para ele e vejo os olhos castanhos atentos em mim.
- Segundo - a resposta sai rápido da boca dele mantendo a mesma entreaberta. - Uma coisa digo, caso não saibas, é que não podes, de maneira alguma, querer ser popular, aqueles arrancam as almas das pessoas e ainda tomam a liberdade de te deixar com os bolsos furados, ah, e não podes provocar a Linda, ela é a vigilante da escola e caso a provoques não vai ficar bem para o teu cadastro de, aparentemente, menino educadinho.
Eu só queria que ele calasse a boca com aquela coisa de menino educadinho, já bastava ter que ouvir isso da boca dos meus pais, outra pessoa a dizer é irritante.
- Para com essa idiotice, tenho um nome e sabes muito bem qual é - em que parte do mundo está escrito que a minha educação tem alguma coisa a ver com ele? - Não sejas chato.
- Ok, ok... hobbies?
- Que tipo de pergunta é essa?
- Eu serei a tua companhia por longos dias até achares alguém melhor, o que pode não acontecer, e por isso quero te conhecer, quantos anos tens? O que gostas de fazer?
- Por que estás tão interessado nisso? - Bocejo já aborrecido daquilo.
Eu não percebo, ele pode sair daqui e voltar a mexer no telemóvel dele, nem precisaria falar comigo, mas está aqui a perder tempo precioso.
- Porque eu quero te conhecer, oh doido.
Olho para ele pelo canto do olho e balanço a cabeça prestes a dar uma das respostas que ele quer.
- Eu tenho 16 anos, agora para de ser chato - quero apenas que ele fique calado.
- Vejo que temos a mesma idade, meio caminho andado para uma amizade - ele inclina a cabeça para o lado e dá risadas leves.
- Humm é indiferente para mim, o que eu faria com essa informação? - Nada com certeza, só mais uma informação.
- Alguma vez já estiveste aqui?
- Não - ele ficou surpreso com a minha resposta. - Há quanto tempo estás aqui?
- Desde os 10 anos, os meus pais queriam refazer a sua vida em outro lugar, continuar a sua família em outro lugar, claro que mantendo as regras doidas deles e palermices, que apenas nos impedem de desenvolver - ele cerra os punhos, os nós dos dedos ficam tão avermelhados que parecem que estão prestes a quebrar.
O silêncio toma conta do lugar e somente conseguimos ouvir o barulho dos grilos e o som do balançar de algumas árvores. Ficamos quietos enquanto observamos o céu escuro com as suas estrelas brilhantes e a lua.