Capítulo 4 A verdade

Julia

Comprei um sorvete de casquinha e fui para a entrada do shopping aguardar o Carlos. Dez minutos depois, ele chegou e involuntariamente senti um frio na barriga com a presença do irmão de Clara. É uma sensação estranha que não sei explicar.

- Oi Ju, vim te resgatar. - ele abre um largo sorriso.

- Desde que me leve para a minha casa, resgate aceito. - sorri para disfarçar o nervosismo, para a minha sorte, me saio bem sob pressão.

- Isso eu já não posso te prometer. - ele abre a porta do carro.

- E para onde mais você me levaria? - perguntei me mantendo segura, mas por dentro cagando nas calças e calculando para que lado correr.

- Para a casa da Clara, ela preparou nosso jantar. - ele pisca o olho e me sinto aliviada - a não ser que você prefira ir para outro lugar?

- Só se você souber de alguém que cozinhe tão bem quanto ela. - disse me sentando no banco do carro e ele entrou pela outra porta sorrindo.

- Impossível! Minha irmã cozinha muito, mas eu também tenho meus dotes, se quiser provar qualquer dia desses... - Me arrepiei com o convite - minha comida também é gostosa.

- Quem sabe um dia. - respondi com o meu rosto queimando, com certeza estou vermelha.

Fizemos o caminho em silêncio e ao chegar no portão da Clara ele buzinou e nada da mesma atender, sabia ser proposital. Olhei para o outro lado da calçada e a Bia está no portão de casa. Com certeza reconheceu o carro do Carlos, mas não consegue nos ver por conta do vidro fumê.

- Ela já deve estar descendo ou está ocupada na cozinha. - Puxo assunto, quanto mais tempo ficarmos aqui dentro, melhor para o plano de enlouquecer a Bia.

- Sim, provavelmente. - ele tira o cinto.

- E você? - estou nervosa ao lado desse homem e quando estou com os nervos aflorados, fico tagarela.

- Eu o quê? - ele franze a testa.

- Seus dotes, são apenas culinários? - ele sorri, não esperava a minha pergunta agora ele que ficou sem graça.

- Tenho outros, você quer provar? - vira-se de lado e olhando para mim.

- Sim, quero! Comece mostrando o cavalheirismo e abra a porta do carro para mim. - falo perto de seu rosto e ele sorri.

Carlos respira fundo, sai do veículo dando a volta. Abre a porta do carona, estendo minha mão fazendo graça, mesmo que meu coração esteja a mil por horas. Ele deposita um beijo de leve em minha mão. Somos observados por Bia, que se pudesse me fuzilava com os olhos, ainda bem que minha vizinha não tem o poder do Scott do X-men.

- Está bom assim madame? - ele acaricia minha mão com o dedo polegar.

- Quase perfeito. - sussurro em seu ouvido e a pele de Carlos se arrepia.

- Você está me provocando? - ele entrelaça minha cintura com força e pela primeira vez sinto medo.

- Claro que não, homens da sua idade deveriam ter um autocontrole maior. - coloco minhas mãos em seu peito para tentar me distanciar . Afasto meu rosto, não quero que ele me beije.

- E meninas da sua idade, deveriam ser menos provocantes. - ele acaricia meu rosto com a mão livre.

- Você já pode me soltar. - essa brincadeira de irritar a vizinha me colocou em uma situação ridícula.

- Você quer mesmo que eu te solte? - ele morde seu lábio inferior.

O estrondo do portão a frente nos assusta e ele me solta.

- Que barulho foi esse? - ele olha para a outra calçada.

- Acredito que a vizinha estava nos espionando. - sorrio ao ver que pelo menos o plano deu certo.

- Oi, meus amores! Desculpe a demora, estava no banheiro. - Clara diz abrindo o portão.

- Oi amiga. - Abraço ela.

- Quenga boicotada com sucesso. - sussurro em seu ouvido e ela sorri.

- Maninho meu amor, obrigada por trazer a Ju. Vamos que a lasanha vai esfriar.

O Jantar foi bem agradável, conversamos sobre várias coisas. A fraternidade entre eles é visível. Fico triste, pois os irmãos que tenho, acredito que jamais irei conhecer.

- Gente a conversa está boa, mas vou indo, antes que fique tarde. - falei levantando.

- Nem pensar mocinha, você vai dormir aqui comigo. - Clara protesta.

- Não mesmo Clara, prefiro minha cama! Amanhã é sábado quero dormir até tarde e você acorda muito cedo.

- Você é fogo, Ju. Avisei ao seu pai que você ia preferir ficar em casa, mas ele é teimoso.

- Levo ela em casa, Clara, para não ir sozinha. - Carlos me encara.

- Não precisa, moro aqui no condomínio, na rua de trás. Não tem perigo nenhum ir sozinha e ainda é 21 h.

- Mesmo assim vou com você. Clara vou dormir aqui hoje, tá? Preguiça de ir para casa.

- Claro que pode ficar.

Me despedi de Clara e o Carlos vem atrás de mim. Novamente veio aquele frio na barriga, agora misturado com o medo. Nunca me envolvi com um homem de verdade. Meu único namorado foi o Renan, e sou apaixonada por ele. Lembro de mais cedo quando o Carlos me pegou pela cintura. Será que ele está pensando que quero ficar com ele?

Sinto um frio na espinha, ele me incomoda. Ao mesmo tempo que o acho lindo e atraente, sinto medo por ele ser bem mais velho e experiente.

- Você está pensativa. Desistiu de dormir sozinha? Se quiser, posso te fazer companhia... - Carlos diz e forço um sorriso no meio do nervosismo.

- E quem disse que vou dormir sozinha? - terei a companhia da Mel, mas ele não precisa saber.

- E quem é o privilegiado? Será que pode ser eu? - ele põe a mão em meu ombro na intenção de me abraçar de lado.

Tiro a mão dele e olho para o meu portão, o Renan está encostado nos olhando. Esqueci completamente dele.

- Não. Na verdade é a minha cadela, a Mel! - ele sorri. - Chegamos, você pode voltar daqui.

- Não vai me convidar para entrar? - Carlos continua a caminhada.

- Na verdade não, preciso conversar com meu amigo que está ali me esperando. - fico vermelha.

- Amigo? - ele me olhou desconfiado ao ver o Renan.

- Oi Ju. Te liguei, mas deu fora de área e você não me retornou. - Renan encara o Carlos.

- É que depois do shopping fui jantar na Clara. Esse aqui é o Carlos, irmão dela. - aponto para o homem que continua ao meu lado - esse é o Renan, meu amigo.

O Renan me direcionou um olhar questionador. O Carlos percebeu o clima e logo se despediu.

- Julia, o que você está fazendo com esse cara a essa hora na rua? - ele se exalta.

- Nada de mais Renan, ele só me acompanhou até em casa, para eu não vir sozinha. - abro o portão e entramos.

- Pelo jeito, você adorou a companhia. Até esqueceu que sou o seu namorado e me apresentou como amigo! - ele altera a voz.

- Você queria que eu falasse o quê? Esse aqui é o namorado que não me assume publicamente, mas por favor não conte para ninguém. - Ironizo.

- Para de ser debochada! - ele passou a mão no cabelo.

- Esse é o preço que pagamos pela mentira. Já estou farta disso tudo! - sento no sofá.

- Farta de mim, Julia? - Renan senta ao meu lado e olha nos meus olhos, aguardando a minha resposta.

- Farta desta situação! Você sabe que gosto de você... - meu coração acelera e borboletas aparecem no estômago. Com o Renan me sinto à vontade, não tenho medo de me entregar.

- Gosta de mim? - franze a testa - Pensei que a resposta fosse outra!

- Renan, por favor não complica as coisas! Se a sua intenção é brigar, não estou afim. - me levanto.

- Desculpa Ju, é que tenho ciúmes de você. - ele fica pensativo - Você estava tão próxima dele. Tive medo de te perder. - se aproxima de mim e faz carinho em meu rosto.

- Nunca te trairia e você sabe disso. - me sinto à vontade com seu toque - São quatro anos de relacionamento, você deveria confiar mais em mim.

O Renan parece envergonhado com minhas palavras. Abaixa a cabeça, ele está muito estranho.

- Me desculpa Julia. - uma lágrima desceu em seus olhos.

- Pelo que exatamente você está se desculpando, Renan? - perguntei com medo da resposta.

- Lembra que no ano passado, discutimos e terminamos? - ele dá uma pausa - Logo em seguida viajei para um sítio com a minha família...

- Claro que lembro! Ficamos 1 mês separados e logo depois voltamos. - fico cismada.

- Menti para você, quando disse que não fiquei com ninguém. - Renan está pálido.

- Porque você não me contou a verdade, estávamos separados, eu iria entender. Tem mais coisa que eu deva saber?

- Transei com ela... - Fico um tempo em silêncio, tentando digerir a informação - amor...

- Não me chame de amor. Você mentiu! Eu igual a uma palhaça, me guardando para você. - lembro de como o Renan ficou estranho após essa viagem - Eu fazendo planos de como seria a nossa primeira vez e você escondendo isso de mim. Me rejeitando, sempre com uma desculpa diferente! Você não sabe como sofri, acreditando que você não sentia desejo por mim ou que tinha algum problema! - as lágrimas rolam no meu rosto sem eu perceber.

- Você é perfeita Julia, mas todas as vezes que me aproximava de você, sentia estar te traindo, essa mentira me corroeu por dentro, sempre quis você!

- Me quis, mas escolheu uma qualquer para ter a sua primeira vez! - grito - Após anos de relacionamento, na única briga boba que temos você me trai dessa forma.

- Sei que errei, mas foi impensado. Fui em uma festa, bebi muito e acabou acontecendo. Meus pais ficaram sabendo do acontecido, por isso não quis assumir nosso namoro, por medo do que eles iriam te falar. - seus olhos azuis parecem um oceano prestes a desaguar - me perdoa amor, por favor?

- Não sei se consigo, - ele tenta me beijar, mas o empurro - vá embora!

- Julia, não faz assim! - lágrimas rolam em seu rosto - Sei que errei, mas estávamos separados, não pensei e me arrependo diariamente. Só quero você! - ele me abraça.

- Preciso ficar sozinha e digerir essa informação. - limpo as lágrimas.

- Vou dar o espaço que você precisa. Não esqueça que eu te amo muito e que você é única em minha vida.

Ele vai embora e subi para o meu quarto me sentindo um lixo. Só sabia chorar, é como se todos os planos que um dia fiz de um relacionamento perfeito, tivesse se desfeito em segundos. Amo o Renan ou amava, não sei mais.

            
            

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