Capítulo 2 Coração Deserto

Theo

As fotos em minhas mãos eram lembranças de um passado feliz, com muito amor e paixão. Os olhos brilhantes em meio a tantas outras pessoas era um soco no meu estômago, afinal quando foi que nos tornamos isso?

Onze anos de casados e três anos namorando foram o suficiente para transformar os sentimentos bons em vazio, solidão e tristeza. Fotos na escola, na universidade, casamento e atualmente, em cada uma delas eu poderia notar a mudança de sentimentos, de felicidade. Não havia sobrado mais nada, ou eu estava errado?

Meus olhos lacrimejavam ao me dar conta que eu havia contribuído para deixar minha vida miserável. Contribuí quando eu não soube ceder, quando meu orgulho falou mais alto, quando eu não soube escutá-lo, mas ele também não foi santo. Eu me lembro da primeira vez que ele chegou com perfume diferente, lembro-me das viagens a negócios e de como sua secretária andava com seu decote a mostra, praticamente esfregando os peitos na cara do primeiro que aparecesse. Aquele ciúme me corroía e me destruía aos poucos. Senha no celular, mensagens secretas, saídas e jantares estranhos, como ele poderia explicar?

Eu estava cansado de me sentir assim, dessa tristeza sem tamanho, da solidão desse apartamento e tudo piorou quando o dia se iniciou. Eu levantei mais cedo como sempre acontecia, fiz minha higiene e me encaminhei para a cozinha já me chateando com a bagunça de papéis em cima da mesa, as louças sujas na pia e migalhas de pão pelo chão, mas ainda sim limpei, lavei e fiz o café. Recolhi os papéis e meu coração se alegrou quando em meio à bagunça uma foto nossa caiu, talvez isso significasse que ele também sentia nossa falta não é? Errado. Ao virar a foto percebi um contato ali, sem nome ou qualquer outra identificação.

Guiado pela impulsividade, eu peguei meu celular e liguei. Um, dois, três toques e a voz arranhada e rouca de um homem foi o suficiente para me assustar. Eu desliguei e meu coração parecia prestes a explodir, mas afinal o que eu estava fazendo.

Deixei toda aquela história de lado, mas logo um bip no meu telefone me fez saltar e ali estava o mesmo número para o qual liguei mandando uma mensagem perguntando minha identidade. Aquilo não mexeu comigo a princípio, mas a foto no perfil daquele contato me destruiu. Era Juliano ali, meu esposo ao lado de um homem bonito e que pelo seu perfil se chamava Daniel.

Fiquei olhando por algum tempo, percebendo o sorriso encantado dele ao lado daquele homem e minha curiosidade foi maior e quando percebi o nome Daniel Alencar estava na minha barra de pesquisa. As fotos em seu instagram tiraram todo o meu bom humor, afinal o Ju estava em muitas delas, em festas, praias, museus e restaurantes. Todas as fotos eram das viagens que ele dizia ser de negócios, as mesmas que ele dizia ser chatas e na qual sempre chegava cansado e aborrecido em casa.

Foi inevitável não deixar as lágrimas que embaçaram minha visão caírem livremente por meu rosto, a dor da traição, da mentira, da falta de amor... Meu coração estava quebrado em pedaços muito pequenos e eu tinha certeza que jamais poderia juntar tudo e me recuperar de tamanho golpe.

Eu levantei, deixei tudo por ali e entrei no banheiro, tirando minha roupa e entrando embaixo do chuveiro, inalando o vapor da água que estava quente demais, porém qualquer dor não seria o suficiente para frear a dor dentro de mim. Saí dali com o corpo vermelho, assim como meu rosto e olhos, me vesti e quando percebi que ele começava a se mover para acordar, apressei meus passos e bati a porta atrás de mim.

Sem rumo, eu parei em um parque perto de casa e desde então estou olhando para o lago que tinha as águas escuras e calmas, como se não tivesse vida nenhuma em seu interior. As horas se passavam e eu continuei ali, me perguntando onde eu errei. Meu celular estava desligado e já devia ser madrugada, mas eu ainda não estava pronto para voltar.

Eu poderia me lembrar da primeira vez que o vi em dois mil e oito. Ele era novo em minha sala, vindo do Rio de Janeiro e totalmente deslocado, ele sentou ao meu lado. Aquilo me deixou tímido, mas eu precisei ser corajoso para poder iniciar uma conversa.

― Oi ― eu disse baixinho para não atrapalhar a aula. Ele me olhou já abrindo um pequeno sorriso me deixando confortável para continuar. ― Me chamo Theo, seja bem-vindo.

Juliano então sorriu mais abertamente e eu jurei poder sentir meu corpo tremer e meu coração disparar. E durante todos aqueles dias nos tornamos amigos inseparáveis, até que um dia rolou o primeiro beijo, a primeira relação amorosa, o pedido de namoro, a primeira briga e muitas e muitas reconciliações. Nosso relacionamento foi se desgastando e mesmo assim nós lutamos para ficar juntos, mas agora depois de tudo o que vi talvez eu esteja me enganando e eu seja o único a querer lutar por esse sentimento que machuca.

O tempo naquele local só me fazia acreditar mais e mais que eu precisava me desligar de Juliano, pedir o divórcio e buscar minha felicidade, mas todas as vezes que eu chegava a essa decisão meu interior se contraia e o choro vinha amargo, forte e doloroso. Cogitar ficar longe dele significava finalizar um ciclo da minha vida, mas será que eu estava pronto? Será que ele realmente havia me traído? Eu valia tão pouco para merecer isso?

Questionar-me dessa maneira me fez tirar o foco dos movimentos ao meu redor e só depois de um tempo e de uma brisa fria que trazia consigo um perfume que eu amava, percebi que Juliano estava sentado ao meu lado,

Por alguns minutos o silêncio reinou e os únicos ruídos presentes naquela madrugada vinham dos pequenos animais existentes por ali. Eu não sabia o que dizer e também não sabia o que queria escutar, talvez eu ainda não estivesse pronto para encarar aquela situação, mas adiar o inevitável resolveria algo?

― Eu estava procurando você. ― foi o que ele disse. Seu olhar estava preso nos seus pés, sua voz estava rouca e um tanto embargada e suas mãos tremiam um pouco. Ainda em silêncio eu busquei respirar fundo, mas ainda sim nenhuma palavra saiu de minha boca. ― O que aconteceu, Theo?

A sua pergunta fez meu coração apertar e eu me senti sufocado, aquela conversa me destruiria, mas eu precisava ser forte por mim, eu precisava me libertar de tanta insegurança, de tanto medo.

― Eu venho me perguntando isso durante muito tempo, Juliano. O que aconteceu? ― Falei baixinho, repetindo a pergunta. ― o que aconteceu com a gente? Com nosso casamento? Nosso amor? Eu me pergunto isso todos os dias...

― Theo, eu sei que....

― NÃO ― falei um pouco mais alto e ele se calou. Seus olhos estavam assustados e sua pele começava a ficar vermelha denunciando que o mesmo estava prestes a chorar. ― Você não sabe coisa alguma Juliano, você anda tão ocupado com suas viagens com o tal Daniel que não tem tempo pra perceber que isso que chamamos de casamento está fadado a acabar da forma mais triste possível.

Foi de forma rápida e inesperada que eu cuspi todas aquelas palavras o deixando ainda mais surpreso com a informação que eu dei. O silêncio reinou novamente e eu sabia que tinha acertado o alvo ao falar do tal Daniel e aquilo doeu tanto que não consegui sufocar o primeiro soluço chamando a atenção de Juliano que ainda permanecia assustado. Seu semblante era puramente de culpa, mas mesmo assim ele não conseguiu falar e eu também não permiti, eu precisava descarregar todo esse peso que parecia me tirar o ar.

― Você está tão encantado assim por ele que não percebe? ― eu perguntei encarando os olhos que tanto amo e percebendo como aos poucos eles se tornavam cheios de lágrimas culposas. ― Você me traiu, não foi? Me deixou sozinho nessa e me traiu. Como você consegue dormir Juliano? Como consegue estar ao meu lado enquanto beija outro? Eu não valho nada pra você?

Nesse ponto eu já não me importava com as consequências das palavras que saiam de minha boca, naquele momento eu só precisava externar todos os sentimentos doloridos que estavam me rondando nos últimos meses. A insegurança, a culpa, a raiva me domavam aos poucos e a única coisa que eu queria era não ver meu marido, não ver seu choro abafado, seus olhos vermelhos e brilhando lágrimas que só me davam certeza da minha própria loucura.

― Theo, eu não te traí, eu nunca toquei em outra pessoa... Deixe-me explicar. ― ele disse em meio a soluços, mas eu não queria ver e muito menos acreditar. Por isso levantei e saí, mas ele me alcançou e me fez virar pra ele me receber em um abraço onde ele me apertava e chorava copiosamente. Talvez ele devesse ter uma explicação, talvez eu esteja errado, mas assim como eu não estava pronto para perdê-lo, eu também não estava pronto para acreditar em suas palavras. Eu era uma bagunça de sentimentos e lágrimas, aquele não era o momento certo para decidir nada que tivesse haver com nosso casamento, por isso eu respirei fundo, tomando bastante ar e expirando devagar.

― Por favor, Theo... Me ouve, eu nunca traí você, amor.

Aquelas palavras me feriram como facas, mas eu tinha que me manter forte, eu precisava ser forte.

― Eu vou pra casa e você vai para o quarto de hóspedes ou para perto do seu amante, você decide. Eu preciso de um tempo Juliano, preciso decidir o que fazer e quando eu estiver pronto você saberá minha decisão. Só me deixe e respeite meu espaço.

Sai de seus braços e lhe dei a costa, rumando para a casa que um dia conseguimos comprar juntos, realizando um dos inúmeros sonhos que tínhamos enquanto o amor era o combustível para esse relacionamento. Eu fui, andei e andei e nunca olhei pra trás, talvez esse fosse o primeiro adeus em quase quinze anos de relacionamento e mesmo sendo doloroso foi algo necessário.

            
            

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