Capítulo 5 Decisões

Theo

− Theo? – A voz de Juliano me despertou dos pensamentos torturantes que já começavam a tomar forma. Devagar eu virei e vislumbrei seu rosto, observando seus olhos brilhantes com uma mágoa profunda. Toquei sua bochecha deixando ali um carinho bobo, mas que machucava muito o meu coração. O encarei por mais alguns segundos, antes de resmungar para que ele continuasse sua fala. – Eu juro que não te traí.

O soluço interrompeu sua fala e novamente seu choro dolorido foi o único som naquele quarto que antes estava tão cheio de desejo. Juliano chegou mais perto e a única coisa que eu consegui fazer foi abraçá-lo. Ele parecia frágil e eu me percebi sem força ou vontade para levar toda aquela história para frente.

- Tudo bem, eu acredito em você, se acalme, por favor. – Eu acariciava seus cabelos e ele me abraçava mais forte. Seus soluços foram diminuindo e logo sua respiração estava mais regular, percebendo que ele havia adormecido. Com muito cuidado eu o deixei e fui ao banheiro onde tomei um banho e com uma toalha úmida eu limpei o corpo do meu marido e o enrolei, deixando-o bem quentinho.

Fui para a cozinha e novamente comi um pouco de bolo com café e já me preparava para voltar ao quarto quando o celular dele notificou uma nova mensagem. Contrariando a minha racionalidade, eu peguei o aparelho e abri uma mensagem nova. Era de Daniel.

Daniel:

Juli? (00:50)

Vamos para Tóquio? (00:51)

Eu tenho vontade de conhecer a cidade. (00:52)

Lindo, mesmo sem ter viagens programadas pela empresa, poderíamos ir? Você inventa algo para seu marido. (1:00)

Juli? Já está dormindo? (1:00)

A insegurança em ver todas aquelas palavras ali se alastrou por meu peito e eu só conseguia pensar que não conseguiria confiar nele de novo. Como poderíamos salvar nosso casamento assim? A confiança era a base de tudo e como eu poderia acreditar em Juliano? Rolei as mensagens até encontrar a primeira troca de palavras entre eles e vi a intimidade entre meu marido e aquele homem crescer. Ao contrário do que imaginei, Juliano nunca deu muita atenção para as flertadas de Daniel, mas nada doía mais do que ver ele falar sobre si.

Mensagens como: "Ele esqueceu nosso aniversário", "ele está trabalhando", "ele não quis me acompanhar", "eu acho que ele não me ama mais" eram constantes, assim como convites para jantares, festas e até passeios que ao meu ver pareciam bem românticos.

Novamente meu coração se apertou no peito e eu não conseguia ver qualquer saída para toda aquela situação. Mas como um sopro do destino, em meio ao meu nervosismo, acabei deixando uma pilha de papéis caírem. Ver aquela bagunça no meio da minha cozinha e a enxurrada de sentimentos que me afogavam naquele momento, me fez desabar em novas lágrimas e depois de muito chorar eu criei coragem para juntar todos aqueles papéis e um me chamou atenção.

Era um panfleto do resort que ficava no Havaí, Bianca havia me dado e me explicado como aconteceria o acampamento para casais em crise. Naquele dia eu achei estranho, mas por que não tentar? Eu poderia arrumar minhas malas agora e ir embora dessa casa e até desse país, esquecer Juliano e recomeçar. Seria muito difícil, pois eu o amo, mas eu sei que com o tempo eu conseguiria me reerguer.

No entanto, porque não tentar uma última vez com ele? Eu errei também, eu também o magoei. O que me custaria tentar?

Decidido, eu comecei os preparativos. Liguei para o resort, fiz as reservas, comprei as passagens e tomando uma decisão difícil, eu redigi uma carta de demissão em seu nome. Juliano já tinha quase tudo pronto para abrir seu próprio escritório e muitas vezes precisamos de um ponta pé pra criar coragem e por nossa cara a tapa. Eu seria o pontapé que faria ele deixar de ser empregado para se tornar patrão. Com tudo pronto, eu arrumei uma folha de papel e me pus a escrever uma carta.

Quando terminei coloquei o celular dele no lugar, preparei um café e tomei banho. Eu terminava de me vestir quando senti seus braços me apertarem em um abraço desajeitado. Eu sorri e me senti aquecido, mas as lembranças das mensagens que li ainda ficavam martelando em minha mente, então logo a insegurança me fez recolher qualquer prazer em sentir seu carinho.

- Bom dia amor! – ele falou com a voz rouca de sono, beijou meu ombro e se encaminhou para o banheiro. Naquele início de manhã, eu me despedi do meu marido com um sorriso terno e um beijo apaixonado. Liguei pra Bianca e comuniquei minha decisão e ao meio dia eu me encontrava rumo ao Havaí. Agora era esperar e ver se Juliano iria querer dar uma segunda chance para nós dois ou se eu passaria aquele mês sozinho, em uma espécie de luto.

[...]

Juliano

- Juli? – Daniel me chamou quando eu já arrumava minhas coisas para ir para casa. Eu estava preocupado com Theo que não atendia o celular e em certos momentos, ou seja, a tarde toda o celular estava desligado. Segundo minha cunhada, meu marido estava em uma reunião com uma marca de roupa famosa e que não poderia ser interrompido. Mas Theo não comentou nada comigo sobre isso Aquilo me fez correr com qualquer trabalho para que eu pudesse sair no horário certo e ir atrás do meu amor.

A noite de ontem foi maravilhosa. Poder ter mais do seu amor e seu carinho me fez perceber que meus sentimentos não têm tamanho. Nos últimos dias eu mal conseguia dormir, comer ou me sentir bem. A frieza que se instalara no apartamento que morávamos me deixava enjoado e deprimido, ver o olhar magoado dele me quebrou inteiro e ter que lidar com isso me fez repensar muitas coisas sobre tudo o que eu havia feito.

Foi pensando nisso que eu encarei Daniel, vendo-o chegar animado até perto de mim com seus braços compridos que me tomaram em um dos seus inúmeros abraços desconfortáveis.

― Oi Dan. ― falei sem qualquer emoção na voz, mas ele pareceu não notar minha falta de animação ou a retribuição do abraço.

― Como está? Senti sua falta nessa última viagem. Por que quis ficar? ― ele me perguntou já se acomodando em minha cadeira e me fazendo virar para si.

― Eu e o Theo estamos com alguns problemas e resolvi ficar com ele. ― seu olhar parecia divertido, como se estivesse gostando ou sabendo realmente o que vinha acontecendo em minha vida.

― Oh, entendo. Como o Nuno está?

― É Theo, e ele está bem. Tivemos uma noite boa ontem. ― meu sorriso aumentou e notei o mais velho revirando os olhos em desagrado.

― Que bom, mas me explica porque você não respondeu minhas mensagens? Eu vi você online lindinho.

― Mensagens? ― aquele assunto me causou estranheza e logo peguei meu celular vendo as benditas mensagens lá, já lidas e com um horário muito inapropriado. ― Por que você estava me mandando mensagem tão tarde?

― Ah, eu estava pensando em você! ― ele disse colocando sua mão em meu joelho e apertando um pouco em um claro sinal de flerte. ― As vezes eu sinto muitas saudades sua, Juli.

Daniel se levantou traçando um caminho por meu corpo com sua mão e esse jeito foi o suficiente para empurrá-lo para longe. Um sorriso de escárnio estampava seu rosto e aquilo me enojou. Há muito tempo eu já vinha me esquivando desses seus ataques, mas depois de tudo o que rolou com meu marido o melhor a se fazer é terminar por aqui.

― Nunca mais me toque. ― falei alto e com fúria. ― Você sabe que sou casado e que amo o Theo.

O mais velho começou andar até mim, mas parou no momento que recuei. Meu olhar era severo diferente do seu que parecia divertido.

― Mas lindinho, o Nuno não te faz feliz. Você vive se lamentando.

Seu sorriso aumentou e todo seu desprezo quase me fez vomitar. Eu me enganei muito, confiei e me deixei levar por momentos de futilidade quando eu poderia ter conversado com meu marido e resolvido de outra forma. Eu estive cansado por muito tempo, tentando carregar todos os problemas e aliviar a barra para o Theo, mas no final o peso de tanta mágoa me fez fazer coisas ruins e agora fiz meu marido ficar triste, isso é imperdoável!

― Já percebi que foi um erro confiar em você. ― eu cuspi as palavras da forma mais fria finalmente vendo Daniel vacilar pela primeira vez. ― Eu pensei que tinha um amigo, que me ouviria, me aconselharia ou só me daria um ombro para chorar, mas tudo o que você fez foi rir, falar mal da pessoa que eu amo e me levar pra jantares e festas com segundas intenções.

― Eu não te obriguei a nada Juliano, você foi porque não aguentava mais essa coisa desprezível que você chama de casamento. Eu fui um bom amigo e queria ser mais, você percebeu.

Daniel já estava de pé, seus passos eram firmes em minha direção, mas eu não iria recuar. Eu precisava parar de baixar a cabeça e ter medo de enfrentar meus problemas.

― Você tem razão. ― seus passos cessaram e ele deixou um sorriso fácil pintar seu rosto. ― Você não me obrigou a nada, eu fui o errado. E é por isso que eu não quero ser nada pra você.

O sorriso morreu e novamente a tensão era palpável naquela sala.

― Você não pode me tirar da sua vida assim.

Seu olhar era lascivo, mas eu não tinha dúvida quanto a minha decisão.

― Posso sim e estou fazendo isso agora. ― Lhe dei as costas e sai daquela sala batendo a porta. Se Daniel tinha dúvidas sobre minha decisão, aquele barulho da porta se fechando com força lhe acordou para a vida.

Eu sai da empresa rapidamente e entrei no meu carro. As chamadas para Theo eram renovadas a cada vez que a ligação caia na caixa postal.

Com quinze minutos, cheguei em casa e me assustei com a escuridão do ambiente. Ele não estava.

Meu coração se apertou ao imaginar o pior. A falta de comunicação durante todo aquele dia, a noite de ontem, o clima de despedida me fizeram acreditar que Theo havia me largado.

Com o coração acelerado eu corri para o quarto e abri o closet e vi que algumas roupas dele faltavam, assim como algumas malas.

As lágrimas vieram sem controle, junto com os soluços altos de um choro sentido e doloroso.

Eu havia perdido o amor da minha vida. Perdi por não saber ceder, por não me importar o suficiente, por desistir ao invés de tentar um pouco mais. Eu fui fraco, eu não consegui cumprir o que prometi quando me casei com Theo.

Caminhei até a cama, pegando meu celular do bolso e novamente ligando para o número dele. Nenhum sinal.

Minhas costas bateram sobre o colchão e meu braço direito cobriu minha lágrimas, fiquei ali por incontáveis segundos, sem rumo, sem saber o que seria agora.

Com os olhos inchados resolvi ir até Bianca. Quem sabe ela poderia me explicar o que estava acontecendo, mas algo me parou quando cheguei ao balcão que dividia a sala da cozinha.

Um envelope amarelo tinha meu nome e estava com a letra dele. Apanhei o amontoado de papel e sentei-me no sofá criando coragem para ler o que poderia estar ali dentro. Será que era nosso divórcio?

Depois de uns minutos eu finalmente abri tirando dali um papel mais grosso. Era uma carta. Meus olhos logo pousaram para a saudação que tinha ali e percorreram cada linha daquele papel. As lágrimas voltaram, os soluços pareciam sair esganiçados e no fim eu só tinha que tomar uma decisão. Retirei mais dois documentos do envelope. Uma passagem e uma cartão de demissão em meu nome.

O peso daquela decisão era cruel, mas depois de tudo o que aconteceu hoje eu não poderia fazer outra escolha.

Era hora de entrar em lua de mel.

[...]

Querido Juliano,

Eu sei que você deve estar achando tudo muito estranho, mas precisei tomar essa decisão e espero que você compreenda.

Durante toda minha vida eu deixei as pessoas comandarem o que eu sentia, como agia e como pensava. Quando descobrir gostar de meninos, isso foi apagado de mim pelas pessoas que diziam me amar, que me chamavam de filho.

Tudo sempre foi muito difícil e solitário pra mim, talvez tenha sido por isso que eu me apeguei tanto a você.

Ver como você se aceitava, o jeito como sua mãe lhe tratava, o amor que você me transmitia só me fazia sonhar em ser como você. E tentando eu acabei esquecendo de mim.

Durante todos esses anos eu busquei sucesso no nosso amor e no trabalho, nas creio que eu não soube balancear os dois.

Eu sei que te machuquei muito, que te deixei em segundo plano, que não soube te amar como deveria. Mas nada justifica o que você fez.

Eu quero muito acreditar em você Ju, quero muito entender também o que houve com a gente. Onde foi que nos perdemos um do outro? Por isso eu tentei ontem. Fechei meus olhos e ouvidos e dei apenas espaço para o sentimento, mas mesmo assim eu não consegui deixar a sensação de estar sendo traído.

E foi por esses e muitos outros motivos que decidi por nós dois.

Junto desta carta tem uma passagem de avião e sua carta de demissão. Se você acha que a gente merece uma chance para resolver tudo, venha me encontrar. Contudo, se você acha que é melhor cada um seguir seu caminho, eu juro que irei entender.

Eu estarei torcendo para que você venha e tente me conquistar em uma nova lua de mel.

Com amor,

Ainda seu, Theo

                         

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