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Há ocasiões em que temos que nos acalmar para não fazermos besteira. E há ocasiões que nos sentimos como um animal acoado e achamos impossível sair daquela situação sem tomar medidas desesperadas. Embora Samantha estivesse passando pela primeira ocasião, pensava estar na segunda e isso fez o motorista travar as portas do carro a fim de evitar que a garota causasse a própria morte.
- Trouxe algo para você comer - o homem falou, na intenção de acalmá-la. - Por mais que frutas sejam saudáveis, passar o dia à base delas não vai te deixar de pé por muito tempo.
- O que você quer comigo? - ela perguntou na defensiva, ignorando o pacote que o homem oferecia. - E como sabe o meu nome?
- Seu rosto e seu nome estão estampados em vários cartazes de procura-se pela cidade.
O homem acendeu a luz de teto do carro e deu o papel a ela.
"Desaparecida
Samantha Alves, 16 anos
Recompensa:$10000,00"
Samantha sentiu-se tonta momentaneamente. Seu rosto tornou-se mais pálido e o homem pensou que ela desmaiaria, mas a jovem entregou o papel a ele e perguntou:
- Está atrás da recompensa?
- Não é uma grana ruim - ele respondeu frio -, mas eu me pergunto porque uma garota como você está nas ruas, com um pai à sua procura oferecendo uma recompensa para quem a encontrar.
A garota não respondeu. Não conhecia aquele homem e não podia confiar nele. Na mente dela era certeza de que ele a entregaria se soubesse que ela foi vendida a um prostíbulo qualquer. Ninguém em sã consciência procuraria encrenca com a máfia.
- Você me disse que iríamos para algum lugar - ela falou por fim. - Estou enjoando. Parem em algum local com pouco movimento e então conversamos.
Não era uma resposta muito inteligente, Samantha sabia, mas foi o que ela conseguiu falar na hora. Embora fosse muito boa nos estudos, nunca foi boa em mentir ou enrolar alguém. O homem assentiu, guardando novamente pacote com o lanche e ordenou ao motorista:
- Ouviu a garota. Faça conforme o seu desejo.
Samantha se sentiu aliviada com as palavras do desconhecido não tão desconhecido assim. Ela arquitetou um plano em duas etapas. Primeiro tentaria convencê-lo de que salvou sua vida e que deveria agradecer em vez de ficar procurando saber quem ela é. E depois, iria ao banheiro e daria um jeito de fugir.
Na sua cabeça adolescente isso daria certo. Não é que Samantha fosse ingênua, mas ela nunca tinha passado por uma situação parecida, sua mãe quando estava viva cuidada dela como um anjo, e mesmo seu pai sendo um alcoólatra drogado, ela focava sua mente em estudar, se formar, se especializar em cirurgia geral e viver sua vida em paz. De qualquer forma não era pedir muito, mas ela se perguntou como foi que tudo caiu por água abaixo.
O carro seguia por uma estrada que parecia muito deserta para o gosto da jovem. Quando falou que queria parar em um local pouco movimentado, não queria dizer um quase cemitério pelo silêncio que se infiltrava ali. O motorista parou o carro e abriu a porta para ela, ajudando-a a descer. A morena revirou os olhos enquanto esperava seu... como chamar? Captor? Sequestrador? Acho que não, não é para tanto... Vamos chamá-lo de conhecido. Acho que isso vai dar certo.
Certo. O conhecido de Samantha a acompanhou até dentro do imóvel, que ela percebeu não ser um bar e sim uma casa de moradia. A adolescente sentiu o medo invadir seu corpo, entendeu que só sairia dali quando ele deixasse e se ele deixasse. Seu pânico cresceu dentro de si, tanto que ela nem ao menos prestou atenção por onde passava, até ele chamar sua atenção.
- Sente-se. Quer tomar algo? Comer alguma coisa?
- Eu estou bem. Vamos ao que interessa. - A jovem queria soar tão fria quanto o homem à sua frente parecia ser, mas seu tom saiu como o de uma garotinha assustada prestes a receber uma enorme bronca por ter pintado as paredes de tinta guache.
- Tudo bem. - O homem se sentou sendo servido pelo motorista de um copo de uísque. - Sou todo ouvidos.
- Eu... - Samantha estava apavorada e isso era evidente. - Bem... eu fugi porque briguei com meu pai. - Ela começou a enrolar antes de tentar persuadi-lo a deixá-la ir. Estava tão nervosa sem saber o que inventar que não viu o aceno que o homem deu para alguém que estava ali na sala. - Desde que minha mãe faleceu, ele tem bebido demais e... - ela calou-se quando percebeu que estava contando exatamente a história verdadeira.
- Ele batia em você. - Não foi uma pergunta. O homem deduziu ser uma afirmação verdadeira quando a morena abaixou a cabeça escondendo-se atrás das cortinas negras e sedosas.
O homem quis perguntar desde quando ela sofria as agressões, seu íntimo revoltado por ela ser uma menina doce e ingênua, mas optou por se levantar e se servir na adega de mais uma dose de uísque. Samantha sentia-se humilhada. Ela não queria expor seus problemas assim, e pensou que para ele descobrir a verdade, faltava bem pouco.
Um grunhido foi ouvido na sala e o homem viu seu motorista que acenou para ele. Ele bebeu o conteúdo do copo de uma vez e se voltou para a garota, que ainda estava sentada na mesma posição, temendo o seu destino nas mãos daquele homem estranho.
- Vá descansar. Passe a noite aqui e amanhã retomamos essa conversa.
Foi nesse momento que a garota passou a reagir. Ela se levantou, ergueu a cabeça e aproveitou a coragem momentânea para falar:
- Olha, senhor, sinceramente eu não estou te entendendo! Eu nem te conheço... eu... - ela franziu a testa tentando se lembrar de algo. - Eu não sei nem qual é o seu nome!
Mesmo pensando que essa fosse uma informação irrelevante, Samantha não baixou a cabeça. O homem pareceu pensar um pouco ainda ao seu lado, mas depois assentiu, divertido.
- Você tem razão. Perdoe minha falta de educação. Me chamo Dmitri. Dmitri Zorkin.
- Não me importa qual é o seu nome! - Samantha agora estava irritada. - Olha, eu te ajudei! Não pode simplesmente agradecer e me deixar ir? Até porque foi só uma noite, tenho certeza de que você sobreviveria sem minha ajuda, tá legal? Agora se você me dá licença, eu vou embora.
Dmitri ficou boquiaberto com a explosão da menina. Ele sorriu, assentiu e apontou um dedo para ela.
- Eu gosto de você. É ousada - ele soltou uma gargalhada que deixou Samantha ainda mais furiosa. - Tudo bem, você tem razão. Só que ainda não percebeu que assim como me ajudou, eu quero fazer o mesmo por você.
Samantha revirou os olhos, frustrada, mas deixou que ele continuasse, até porque não tinha muita opção mesmo. Ainda que quisesse sair correndo da presença de Dmitri, a jovem pensou que ter uma cama para dormir um pouquinho era tudo o que ela mais desejava naquele momento.
- E é por isso - o homem continuou, observando as feições cansadas da menina - que assim como você me ajudou por uma noite, quero retribuir o favor. Durma caqui como minha convidada e amanhã depois do café prometo que a deixarei ir.
Samantha respirou aliviada. Mas seu subconsciente lhe alertou de que sabiam da recompensa oferecida por informações sobre ela e ver o motorista de Dmitri com vários papéis na mão não a reconfortou. O homem percebeu o incômodo da menina e lhe acalmou:
- Ninguém irá entregá-la, Samantha. Você está em minha casa, pode ficar tranquila e vá descansar. Siga o corredor, o último quarto é o seu.
- Obrigado.
Samantha agradeceu apenas por educação. Ela não gostou nada de como Dmitri entonou as suas últimas palavras. Embora o homem dissesse que ela era sua convidada, não tinha como não se sentir uma prisioneira.
A morena saiu em direção ao quarto que o anfitrião lhe ofereceu e chegando lá, trancou a porta. Olhou em volta do cômodo, que possuía uma cama de casal, uma mesa de cabeceira com um abajur aceso em cima, cortinas que iam do teto ao chão na cor creme, um guarda-roupas enorme e uma televisão.
A jovem viu também uma porta no canto do quarto e julgou ser o banheiro. Abriu o guarda-roupas e procurou por toalhas. Pegou uma e também um roupão e foi tomar um banho quente e relaxante. Ao terminar, vestiu-se no roupão e caiu na cama, já adormecendo de imediato. Estava muito cansada e de qualquer forma não sabia quando iria ter uma cama para dormir novamente.