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Floresta de Niwloedd, 64 dias antes da invasão ao Santuário da Luz
Era quase noite quando o chão se tornou visível através das brumas da floresta. Alabaster, um aprendiz mais novo, acompanhava dois protetores em uma expedição até Dynion, sua terra natal.
O jovem menino conquistara esse privilégio ao se mostrar um ótimo estrategista em batalha nos jogos de guerra, que haviam ocorrido na semana anterior dentro do acampamento. Por mais que não tenha lutado muito, os protetores responsáveis notaram sua capacidade de liderança somada à facilidade com que entendia processos e criava novas táticas, características que já vinham sendo observadas.
A missão a princípio deveria ser designada a Gale Wintamer, um aprendiz próximo à sua graduação, que recusou a oportunidade por este mesmo motivo. Alabaster Starrock então se tornou a escolha mais sensata, pois, era jovem, habilidoso e nativo da localidade hostil para onde iam. Perfeito.
Após ser preparado, o garoto poderia desempenhar um melhor papel de ligação entre o Santuário e Dynion, que estavam tão afastadas, geográfica e diplomaticamente. Embora não quisesse demonstrar, estava animado com a viagem desde que fora convocado três dias antes, e cogitou dar graças a Luxord por haver um indivíduo tão tolo a ponto de preferir não atravessar os altos muros do Santuário em missão enquanto aprendiz. Talvez ele pudesse encontrar sua família indo para lá.
Fazia frio.
O menino dos curtos cabelos negros tremia enquanto andava por cima dos galhos e raízes largados ao solo enevoado da floresta, que ficava em volta da cidade murada.
Estavam andando desde o começo do dia, quando saíram pelos portões, e finalmente ele era capaz de enxergar os próprios pés, alegria essa que não duraria por muito tempo, pois o Sol se retirava para seu descanso.
A escolha da localidade não era por acaso. As altas árvores que quase tampavam os céus com suas folhas, somadas à névoa que circundava aquele ambiente natural, tornavam-se perfeitos para ocultar qualquer vestígio de uma gigantesca fortaleza pelos arredores.
- Se continuarmos nessa velocidade, podemos alcançar Masnach em uma hora! - exclamou Jillian, a Protetora que andava à frente. Ela era a responsável pela missão, uma boa líder e em quem os sentinelas confiavam. Usava um manto de pele de raposa branca que cobria a maça de guerra repousada na cintura. Os cabelos castanhos eram presos para trás, deixando seu rosto limpo à mostra. A mulher não era nem um pouco tão frágil quanto parecia, talvez por isso estivesse no controle da expedição.
- Não temos uma hora, a noite cairá antes disso - Jules retrucou, o segundo Protetor na missão. Era um homem muito grande, forte e descuidado com a própria aparência. Seus cabelos eram maltratados, barba irregular e diversas cicatrizes no rosto e nos braços nus se faziam presentes. Nas costas, carregava dois machados pequenos, os quais tinham as lâminas mais bem cuidadas de todo o Santuário, incompatíveis consigo mesmo.
- Teremos de andar na escuridão por um tempo, mas ainda é melhor do que se acamparmos na floresta. Masnach não fica tão longe daqui, iremos conseguir - a mulher respondeu confiante. Alabaster a admirava muito, era forte e persistente, características que o menino gostaria de possuir.
Os três andaram até a escuridão total tomar conta dos céus acima das árvores, então acenderam tochas improvisadas e prosseguiram com cautela pela terra escura e perigosa. Diferentes espécies das criaturas mais variadas habitavam aquela densa floresta, inclusive predadores que, embora não tivessem encontrado, podiam ouvir o som de suas patas amassando galhos às suas costas e o uivo de um bando de animais desconhecidos que se aproximava através da névoa.
O aprendiz podia entender a preocupação de Jillian enquanto se apressavam para chegar à vila mais próxima, ficar no mesmo lugar por muito tempo era arriscado demais e com certeza não acabaria bem.
- Me recuso a ser deixado para trás nessa escuridão! - Jules protestou à líder enquanto tentava acelerar seus passos. Faltava coragem em sua voz.
- Então trate de andar logo, não fique aí parado! - Ela devolveu com um leve toque de deboche.
A Protetora estava correta, após mais uma hora de caminhada e reclamações no escuro da noite, os filhos da Luz saíram da floresta das brumas e avistaram a vila numa planície logo abaixo.
Masnach era uma cidade menor, na estrada para o porto de Niwloedd, especializada no cultivo. Seus moradores em geral eram fazendeiros e artesãos, e de suas crianças, originavam-se protetores fortes e dedicados, sendo berço de alguns guerreiros famosos, como Benneg Vipering, A Cobra.
Por conta da proximidade, a maior parte dos utensílios, ferramentas e alimentos dos filhos da Luz eram provenientes de lá. Sua presença no mapa servia principalmente para mascarar os rastros do Santuário da Luz ali perto, sendo uma parte essencial na prosperidade do mesmo. Eram eles que possibilitavam sua existência.
A vila era inteiramente pacífica e seu povo muito receptivo, não tendo nenhum tipo conhecido de defesa, embora não precisasse de uma, já que não apresentava ameaça para nenhuma nação de Cylch.
As casas simples que se espalhavam pelo lugar eram compostas por madeira de árvores de desque provavelmente retiradas da floresta e todas possuíam um grande quintal onde era cultivado alguma coisa diferente, criando uma cooperação única entre os cidadãos dali. Alabaster pensou na eficiência da escolha do material para as construções da vila, já que desque era perfeito para lidar com as costumeiras chuvas que teimavam em aparecer por lá, afinal, sua madeira não apodrecia.
Os três desceram até a planície onde Jillian e Jules pretendiam encontrar uma residência que os aceitasse para passar a noite, depois, partiriam para o porto. Eles bateram na porta da segunda casa à direita, que contava com um cercado para galinhas azuis, um tanto agressivas, no quintal e um depósito nos fundos que talvez pudesse ser capaz de abrigar os filhos da Luz naquela noite que se mostrava clara e banhada pelas estrelas. O homem disse que não se incomodaria de dormir a céu aberto. Alabaster não respondeu, mas odiava essa opção.
A Protetora bateu quatro vezes na porta, soando mais agressiva do que gostaria, porém, não perdeu a postura.
Um velho senhor com espessa barba e o topo da cabeça calvo abriu a porta. Sua expressão parecia cansada após um longo dia de trabalho, mas sentiu-se revigorado ao avistar a mulher à sua frente.
- Minha filha! - exclamou. - Moria, venha ver! É nossa filha!
Uma senhora, também de idade avançada, apareceu na sala. Ao ver Jillian, pôs as mãos sobre a boca aberta e sentiu os olhos marejarem. Ela seguiu até a porta da casa, onde foi abraçada pela Protetora.
Ela se sentiu bem emocionada com o momento, embora tentasse não demonstrar tanto.
Os jovens partiam de suas casas ainda muito pequenos para se tornarem aprendizes no Santuário e em sua maioria, nunca voltavam para casa. Jillian sabia que a chance de ver seus pais era única, então Alabaster imaginou que aquela havia sido uma jogada friamente calculada, onde talvez tenha sido elaborada por longos anos de espera.
O menino sentiu-se com sorte, pois iria ter a chance de encontrar sua família em poucos dias, sem precisar de anos de expectativas à espera de uma oportunidade. Por um momento, sentiu vontade de agradecer ao Pai das Estações.
O casal de idosos acolheu os filhos da Luz em sua própria casa e, com muita insistência, conseguiram convencer a filha a jantar com eles. O tempo passou rápido e com leveza por ali. O garoto ouvia os ganidos das galinhas do lado de fora do lugar que tentavam engolir a voz da sua superior, que contava para os curiosos e solícitos pais sobre a vida que tinha levado no Santuário e seus grandes feitos na região de Arch ao lado de Jules, que apesar de desconfortável em estar ali, não reclamou em momento algum.
Alabaster demonstrava fascínio pelas histórias ali contadas, eram esplêndidas canções que nunca foram recitadas por nenhum bardo. Uma verdadeira pena.
Sua infância não havia sido fácil, crescera em um ambiente hostil e desgraçado pela própria terra, e então, foi reclamado para ser um filho da Luz. Alabaster era mais novo que seus outros colegas aprendizes, então passou por dificuldades desde sempre lá dentro. Constantemente se envolvia em brigas para provar que era forte, embora nunca ganhasse. A terra assolada de Dynion naturalmente deixa os homens fisicamente mais fracos pela falta de nutrientes que ela provê. Alabaster era menor e mais esguio que os outros garotos.
Ele não possuía amigos dentro do Santuário da Luz, o que lhe deixava solitário na maior parte do tempo. Sentia-se vazio. Por isso as aventuras de Jillian e Jules mexiam tanto consigo, eram dois companheiros de armas que lutavam juntos lado a lado até o último suspiro. Eram exatamente o que ele não possuía: amigos.
Ao final do jantar, a filha fez questão que dormissem no depósito, mesmo com seus pais insistindo muito novamente. Os três filhos da Luz se dirigiram até o pequeno local com prateleiras e ferramentas largadas pelo chão. O Protetor mais velho se encolheu perto de um ancinho e fechou os olhos. Era impressionante a habilidade que tinha para dormir tão rápido.
- Trate de dormir, rapaz. Amanhã teremos um dia complicado - falou Jillian, fitando o teto. Seus finos lábios esboçavam uma tentativa de sorriso que ela não deixava escapar, certamente estava feliz por poder reencontrar os pais depois de tanto tempo.
- Há quanto tempo não os via? - Alabaster era curioso demais. Quando a mulher o encarou, seu rosto passou queimar e ele se encolheu. - Perdão pela minha insolência, não devia...
- Não, está tudo bem - disse ela, tranquilizando-o. - Já faz mais de vinte anos desde que o Santuário me levou embora daqui. Retornei uma vez, mas não os encontrei na ocasião - suspirou.
- E você não sentiu falta de casa? Digo, já faz tanto tempo que foi convocada. - O garoto sentia que estava atravessando uma linha sem volta, mas não conseguiu parar.
- O Santuário é minha casa, nada mais importa. E você, ainda sente falta de Dynion? - A mulher inverteu a pergunta, deixando o menino de cabelos negros desconfortável.
- Não diria falta, pois qualquer lugar para onde fosse, já seria melhor do que viver lá. Entretanto, não sei se considero justo - falou sem jeito.
- O que não é justo? A convocação? - Jillian o estudava minuciosamente, ele deveria tomar cuidado com as próximas palavras pelo próprio bem.
- Sim. Não consigo imaginar uma realidade onde levar crianças embora de seus lares, até mesmo contra a vontade, seja o ideal para criar filhos da Luz. - O garoto tinha menos de oito anos quando alguns protetores aportaram em sua terra e o levaram do castelo de seu clã, sozinho. Durante o processo, sangue foi derramado.
- Nosso dever está acima do que é ideal ou não. Somos a verdadeira armada de Luxord, os braços dos sentinelas pela terra. A missão que nos é dada é a mais importante para que o equilíbrio seja mantido, porque sem nós, não existe massa que o faça. A tradição é mantida por um motivo. Precisamos de tropas - explicava a Protetora. - Mas algumas pessoas não entendem isso. Os protetores devem ter orgulho do serviço. Sem eles, os sentinelas não seriam capazes de permanecer de pé!
A tentativa de discurso da Protetora não convencia o garoto, que foi escolhido por um homem usando o nome do Senhor da Luz para tirá-lo de sua casa e sua família e lhe jogar em um ambiente igualmente agressivo e opressor, onde dessa vez, não tinha laços para se tornar alguém que nunca desejara.
- Mas se é a tradição... - O jovem começou, temendo a resposta de Jillian, que simplesmente o escutou. - Por que não podemos nos aprofundar mais? Afinal, quem aceitou que as coisas fossem assim? Quando? Quem tomou a decisão em nome de todos de aceitar essas coisas como verdade?
Havia muitas incertezas sobre seus próprios pensamentos e nenhuma confiança nas convicções de seus irmãos. Mesmo após anos no Santuário, não sabia se era capaz de definir corretamente o que de fato era o equilíbrio, duvidava que os outros também não soubessem. Achava irônico viver mergulhado em um serviço que nem entendia direito, e possivelmente iria acabar morto por defender o tão sagrado equilíbrio, que se baseava no povo de Dynion passar fome.
- Nem tudo em nossa doutrina é justo. Mas ela funciona, permite que os povos de Cylch respirem. Todos nós temos nossas dúvidas, temores, e também questionamos decisões, mas não em voz alta. A resposta para todas as perguntas reside junto ao Arauto da Liberdade e de seus filhos. Lutamos para que o sacrifício deles não seja em vão.
- Mas até que ponto podemos garantir que isso funciona? Que nossos soldados dão a vida por algo que realmente acreditam ao invés do que simplesmente injetam em suas mentes desde a infância? Será que é assim que devemos viver, sem conhecer mais nada além da doutrina do Santuário? Nós quase não mencionamos os outros deuses lá.
- Os deuses têm seu papel em Cylch estabelecido, mas nosso serviço está acima de orar para eles, pois servimos diretamente aos filhos do Senhor da Luz. O dever vai além de acender uma vela para Tân ou Italun. Somos responsáveis pela existência, Alabaster! É um sacrifício necessário. É uma dor necessária. Se Cylch precisa que eu entregue a minha vida para que ela prospere, que assim seja.
Nós somos subjugados pelas palavras de fé em Dynion enquanto sucumbimos às Trevas. Todo o teatro é um pretexto para controlar as narrativas e impedir que criemos nossos próprios laços com Luxord. Que enxerguemos nele uma face que vocês não podem ver. Foi o que o dyninse pensou, mas não ousou responder Jillian dessa forma.
Alabaster deu algumas desculpas e conseguiu pôr fim na conversa rapidamente, virando-se para a parede de prateleiras a fim de dormir.
O jovem dyninse corria pelas brumas da floresta de Niwloedd desesperadamente, mas, não sabia o porquê. Seus passos faziam barulho pela terra molhada ou pisava sem intenção sobre alguma flor solitária que crescia no solo. Estava sendo imprudente, corria por um caminho o qual não podia enxergar.
Decidiu parar. Viu-se cercado pela névoa que o envolvia em um abraço sem lhe dar o mínimo de espaço para respirar. Ouviu o barulho de um galho seco se quebrando. Seus olhos não paravam quietos, girava em todas as direções esperando que algo o atacasse. Estava vindo.
As sombras tomaram forma.
Alabaster viu figuras deformadas pela névoa o circundarem, talvez pudesse correr e aí estaria um passo à frente dos seres que lhe seguiam. Mas não, eles estavam por toda parte, não havia escapatória. Um deles aproximou-se por trás do garoto, era um ser coberto por um manto tão negro que parecia ter vindo do limbo entre o céu noturno e as estrelas.
Ele derrubou o menino e imobilizou seus braços. O rosto da criatura estava morrendo, com pústulas e vermes abrindo feridas sob a pele para poderem se libertar. Ele tentou lutar, mas a cada vez que se debatia, mais um dos seres encapuzados atravessavam as brumas e subiam em cima do garoto. Os monstros deformados iam se amontoando e era cada vez mais difícil de respirar. Havia muitos deles. Não conseguia mais enxergar, só a escuridão.
Fechou os olhos.
A noite não foi boa.
A Luz da manhã entrava no depósito pela pequena fresta que ficara aberta enquanto os dois protetores e o aprendiz dormiam, pois não fechava totalmente. Alabaster acordou com a claridade do Sol da manhã o acertando nos olhos sem a menor piedade. Então ele espertou verdadeiramente com um gemido de desconforto, as costas doíam pela posição mal escolhida em sua estadia precária. Uma galinha azul o observava com os dentes afiados e nada amigáveis à mostra.
Estava sozinho.
O garoto levantou-se e andou para fora, onde viu Jillian e Jules no quintal circundados por mais galinhas azuis que se digladiavam por um pedaço de carne, que ele orou para não ser outra galinha. Os Protetores conversavam com os anfitriões da casa, provavelmente agradecendo a estadia.
- Finalmente acordou, pequeno? - disse Jules quando viu o jovem de cabelos negros aproximar-se.
- Deixe-o, ele precisava de um tempo para recompor as energias - respondeu a Protetora. Alabaster não sabia se a mulher guardava algum tipo de rancor pela noite anterior, então decidiu abaixar a cabeça e esconder a face ruborizada.
O homem piscou para ele, em tom de brincadeira. O garoto gostava um bocado daquele sujeito.
- Perdão por não poder ficar mais tempo, precisamos partir. - Jillian virou-se para os pais, que estavam com o mais sincero sorriso no rosto. - Prometo retornar em alguns dias.
- Ora, não se preocupe, minha filha! - A mãe pousou a palma de sua mão sob o rosto da filha e acariciou-o carinhosamente. - Não iremos a lugar nenhum.
A filha da Luz parou por uns instantes para pensar, talvez não quisesse que o afago da mãe acabasse, mas confirmou com a cabeça confiante.
Partiram.
O barco que pegaram ficava no porto a um dia de passos apressados, percurso esse em que os três completaram seguindo a pequena estrada de terra batida a nordeste de onde estavam.
O que o povo de Niwloedd chamava de "porto", na verdade, tratava-se de uma pequena praia onde alguns Protetores construíram uma plataforma para embarque e desembarque de cargas para o único destino qual aquelas águas levavam: Dynion.
Com a chegada da noite eles alcançaram o capitão Innask, um hud famoso por seu navio: O Arranha-Ondas. A criatura era verde e dona de olhos grandes e cristalizados. Em seu pescoço jazia guelras e membranas entre os dedos das mãos e dos pés. Os dentes afiados davam-lhe uma aparência amedrontadora, completamente diferente de sua personalidade.
- Pensei que não viriam, seus covardes! - exclamou ele, alegre, enquanto levantava os braços para abraçar os conhecidos Protetores, que logo recusaram e deram um passo para trás, a criatura da raça Kiafarn tinha um forte cheio de peixe e seu corpo era naturalmente gosmento.
- A senhorita fez questão de não nos deixar descansar! - brincou Jules, que recebeu um soco no ombro, da amiga.
- O que importa é que chegamos! E você, Inna-Inna, está com o carregamento? - Jillian se referia aos alimentos e materiais que deveriam levar até a ilha, como o Santuário costumava auxiliar de tempos em tempos.
O hud logo respondeu:
- Mas é claro, garota! Subam logo, estamos prontos para zarpar!
Jules odiava aquela missão, pois, passava mal ao navegar e não suportava as terras de Dynion, mas decidiu não se queixar já que Alabaster estava ao seu lado.
- Animado em voltar para casa, menino? - perguntou ele.
O jovem aprendiz não sabia o que responder. Não se lembrava o suficiente da terra para nutrir recordações e ter saudades, mas podia lembrar-se bem o suficiente de seus parentes para não ter boas lembranças sobre a mesma. Porém, ainda enxergava um estranho dever em ir a seu encontro, afinal, ainda era sua família.
O Sol já resplandecia nos céus novamente quando se aproximavam de seu destino, fato esse que não fazia a mínima diferença, pois ao ponto mais claro do dia o menino de cabelos negros não conseguia avistar nem o mínimo resquício da sua terra natal.
Uma ave acompanhava o navio do alto enquanto Jillian sentia o vento bater em seu rosto, apreciando os pequenos respingos de água do mar que lhe acertavam a face. Diferente do Protetor, amava cada parte da viagem pelo mar.
Como em um piscar de olhos, o navio Arranha-Ondas pareceu ter sido sugado por portal invisível e despejado em um lugar negro, onde não se podia diferenciar o céu e o mar de tão escuros. A única coisa que os tripulantes viam era uma clareira que iluminava o porto do lar de Alabaster Starrock: a terra de Dynion.
- Passamos o limite, meus caros companheiros - disse Innask, com um leve pesar. Certamente esse era o último lugar onde gostaria de levar seu navio, sabia que poderia não voltar sempre que aportava. Por dentro, ele lamentou o favor que devia aos dois protetores. - Eis aqui A Terra Onde a Luz Não Alcança.
Dynion era uma ilha isolada no mar de Niwloedd que não recebia a Luz do Sol por conta de uma antiga maldição gerada há mais de cinquenta anos, e os habitantes suspeitavam ter sido atirada por um Sentinela. A terra lá era bastante afetada por não ter iluminação natural. Tudo era muito escuro, o ar sujo, as pessoas mais fracas por não receber o fortalecimento do astro celeste em sua essência e não se podia plantar nada, deixando o lugar sem vida e tornando o povo essencialmente dependente da boa vontade do Santuário para lhes ajudar. A única real independência do povo local de verdade era com a pesca. Mesmo possuindo o mar mais perigoso e cheio de mistérios em Cylch, os dyninses se sentiam familiarizados com as criaturas marinhas, sendo o único sinal de vida por perto.
Lá, o povo não acreditava em Luxord, também desprezavam os filhos da Luz, sendo sempre violento quando crianças eram escolhidas para se tornarem protetores a cada geração. Isto nunca foi um problema para a maioria dos habitantes do Santuário que viam um propósito maior em ajudá-los e enxergava que as diferenças um dia poderiam ser acertadas. Talvez Alabaster fosse a chave para isso.
A formação de poder na ilha era confusa, pois as famílias se dividiam em clãs e constantemente batalhavam pelo poder inexistente no comando do lugar. Entre eles, estava a família Starrock, que permanecia no topo desde o patricídio de Guiltry, que lhe rendeu uma ligeira ascensão ao poder, mobilizando confrontos contra as maiores forças da região até subjugá-las quase por completo.
A partir dali, a missão não se tornava mais fácil.
Ao aportar o navio na praia, Jillian pediu que o capitão Innask e sua tripulação descarregassem e distribuíssem os suprimentos para o povo que já começava a se aproximar. As pessoas eram magras, doentes e mal conseguiam andar direito, esse era o efeito da terra amaldiçoada. A pouca comida adquirida era destinada aos chefes dos clãs e suas famílias, então, a maioria dos nativos vivia na miséria.
Os filhos da Luz desembarcaram com tochas e cortaram por entre os habitantes que se amontoavam na frente do Arranha-Ondas. Não era possível enxergar tão claramente, então os três tomavam cuidado para não ferir nenhum dyninse enquanto percorriam seu caminho até Alabaster ser puxado.
O garoto instintivamente levou a tocha até o rosto do ser a sua frente e, não poderia ficar mais surpreso, gritando com o susto.
Tratava-se exatamente da criatura que vira em seu sonho, que o derrubou no chão. Agora, tinha certeza de que não era uma criatura, mas sim, um dyninse sofrendo.
Ele se debateu para soltar-se das mãos daquele que tentava o manter com todo o esforço que seu corpo debilitado possibilitava, mas mal podia cerrar os punhos. O menino caiu no chão e tentou recuar para perto dos companheiros.
- Não há nada aqui, busque o que precisa no navio! - disse Jules, botando-se entre o menino de cabelos negros e o dyninse. - Você está bem, garoto? - ele perguntou e o jovem assentiu.
Jillian o ajudou a levantar.
Os filhos da Luz seguiram o caminho onde mal podiam ver, vivenciando uma experiência pior do que dentro da floresta enevoada.
- Não estou gostando disso, parece até que por todos os lugares por onde passamos, não podemos enxergar! - o homem se queixou para a líder da expedição.
- Não é verdade, passamos um dia viajando de navio. - Deu de ombros.
- O navio não conta, só havia água ao redor - Alabaster se manifestou.
Jules riu. Jillian também.
- Tudo bem, vocês têm razão dessa vez. - A Protetora rendeu-se - Agora precisamos de foco, estamos chegando.
- Como sabe que estamos chegando? Aonde vamos? - Alabaster, que havia nascido lá, não fazia a mínima ideia do caminho que percorria. Queria entender melhor o objetivo dos filhos da Luz indo tão longe pela terra dos homens.
Ele levantou a cabeça e viu a colina que subia até os olhos alcançarem um castelo. Seu castelo.
Iluminado por uma quantidade massiva de chamas espalhadas entre tochas e fogueiras, o castelo dos Starrock residia à sua frente. Era uma construção de pedras sujas em grandes blocos maciços que lhe conferiam uma aparência muito reta e bruta, sem muitas variações em seu estilo. A imponente morada de Guiltry Starrock poderia ser resumida em um grande bloco de tijolo com buracos. Outros detalhes passavam despercebidos, pois eram impossíveis de serem notados em meio à escuridão.
Alabaster olhava incrédulo, suas entranhas contorceram-se e ele sentiu um mal-estar repentino. Passara a viagem inteira planejando este exato momento e, agora, não tinha certeza se conseguiria prosseguir.
- Vamos - a mulher intimou os dois, estava visivelmente desconfortável. Queria voltar para a casa de seus pais. - Quanto antes formos embora, melhor.
- Não acharia ruim sair daqui bem rápido! - Jules olhou para Alabaster, que encarava fixamente boquiaberto a antiga casa. - Sem ofensas.
- Tratem disso depois.
Por dentro, o lugar era bem iluminado pelo fogo, mas não havia saídas decentes para a fumaça, então, os três sufocavam enquanto esperavam por Guiltry no salão.
O piso do grande salão era revestido por madeira de carvalho guardiano, material que os sentinelas conseguiram por uma negociação e não usariam, por isso enviaram o excesso até Dynion como prova de boa-fé. O tapete de pele possuía no mínimo cem anos, que seguia por todo o piso até o trono, quebrado, de cobre. As pinturas se espalhavam por toda a parede do lado direito, que registravam as conquistas dos Starrock até a maldição que desgraçou a terra. Entretanto, esta não estava exposta naquela ocasião, pois apontava um Sentinela como responsável. Alabaster julgou como um movimento inteligente.
- Alguma curiosidade sobre seu pai que nós gostaríamos de saber antes de ele aparecer? - Jules perguntou sem tirar os olhos dos quadros presentes na parede.
- Ele odeia o Senhor da Luz e diz que os sentinelas amaldiçoaram Dynion - falou sem pensar duas vezes.
Antes que um dos dois Protetores pudesse dizer alguma coisa, o líder do clã Starrock, Guiltry, entrou no local por uma porta no canto esquerdo, que levava até as escadas que subiam para os quartos. Ele sentou-se no trono imponente, com seu grande e forte corpo, a barba negra e os olhos que ardiam suplicando por sangue. Estava vestido como um verdadeiro senhor, portava um elmo de prata com viseira, sua cota de malha de ferro tariano era bem gasta e coberta pela capa de couro de montês. Possuía botas lustrosas, sem contar a grande espada que repousava ao seu lado.
Os protetores se curvaram, Alabaster permaneceu estático sem nem raciocinar, sua mente havia parado de funcionar. Jules acertou sua perna com o cotovelo e o acordou, o menino deitou os joelhos no chão.
Guiltry deu uma breve risada de escárnio.
- Parece que eles te adestraram direitinho, não foi?
- Senhor Starrock, viemos em nome dos sentinelas de...
- Sim, todos já sabemos! - o homem interrompeu Jillian, que havia se levantado. - Digam-me o que os vermes querem e sumam da minha terra. Se não me irritarem mais, posso não tomar como ofensa o fato de terem trazido esse cão com vocês.
O garoto engoliu em seco e permaneceu com os olhos no chão.
Jillian possuía uma presença de espírito incrível. A Protetora se endireitou e permaneceu inabalável. Decidiu prosseguir com seu trabalho.
- O Santuário da Luz se demonstra verdadeiramente preocupado com as condições em que o povo dyninse vive, por isso, fomos enviados para estruturar planos d...
- Preocupado!? Ah, sim! Afinal, foram vocês quem nos deixaram dessa forma! - Guiltry a interrompeu novamente.
- Senhor, os filhos da L...
- "Não tem relação com os ocorridos que levaram Dynion a ser engolida pela escuridão." Vocês, porcos, dizem isso todas as vezes que aparecem em meu lar. Seu "Senhor" tão benevolente se esqueceu da nossa existência há muito tempo, não é possível que vocês acreditem mesmo serem capazes nos auxiliar! Estamos melhores sem a sua presença nesta terra.
O Protetor se levantou enfurecido.
- "Melhores?" Seus irmãos morrem de fome enquanto você fica confortável nesse trono velho e sobre esse carpete fedido! Nós somos o único motivo por trás de Dynion ainda ter um povo quem você pode explorar!
- Jules! Eu cuido disso. - Ela tentou retomar o controle da situação, mas já era tarde.
- Vocês invadem minha terra, trazem seu alimento envenenado para meu povo, me insultam em minha própria casa e ainda trazem essa bosta de montês para me envergonhar? São muito insolentes! - O Starrock levantou-se do trono. - E ainda mandaram uma mulher para falar por eles, covardes!
- P-Pai! - Alabaster levantou a cabeça e encarou o homem.
- Não me chame de "Pai", seu traidor! - Guiltry estava berrando. - Você se tornou um deles, porco! - Então cuspiu no chão.
- Não fale assim com o garoto, ele é seu filho! - Jillian tinha uma boa relação com os pais, mesmo não os vendo havia vinte anos, sentia-se mal pelo companheiro.
- Ele deixou de ser meu filho quando aquele lofidiano desgraçado o levou embora! E ainda me marcou com isso - disse com desgosto, enquanto levantava a capa e mostrava o braço direito decepado.
- A culpa não é minha! Não escolhi deixar Dynion! - exclamou o menino, tentando se justificar.
- Pare de vitimar-se, moleque! Eu lhe disse que devia ter tirado a própria vida quando tivesse a oportunidade, mas, ao que parece você não teve coragem! E voltou a serviço daqueles que o condenaram! - Guiltry sentia um ódio genuíno por filhos da Luz, haviam levado tudo o que ele tinha.
- M-Mas eu não pedi por isso...
- E TAMBÉM NÃO NEGOU, PÚSTULA! VOCÊ NÃO É MEU FILHO. ELE MORREU NAQUELE DIA NAS MÃOS DE UM SENTINELA - O homem estava furioso. Socou o braço do trono e ergueu a espada.
- Já chega! - falou Jules.
A grande porta por onde haviam entrado agora foi arrombada.
O grande salão, que antes era ocupado por quatro pessoas, foi cercado pelo encapuzados do sonho de Alabaster, que agora usavam máscaras. Os Protetores ficaram de costas um para o outro. Jillian sacou sua maça e Jules os dois machados, eles olharam juntos para o garoto que havia paralisado com a cena.
Guiltry Starrock se pronunciou:
- O Santuário da Luz não passará de escombros quando eu tiver acabado. Enquanto isso, irão pagar por sua soberba.
Os encapuzados sacaram suas lâminas e ignoraram o herdeiro do clã Starrock enquanto avançavam diretamente em direção aos dois filhos da Luz que estavam prontos para lutar até a morte, que lhes abraçou rapidamente.
- SEU DESGRAÇADO! - Guiltry tirou o filho de seu transe anestesiado quando o acertou um golpe com o pé que preenchia quase todo o tronco do pequeno garoto. - AGORA MORRERÁ COM SEUS "IRMÃOS"! - O homem levantou com força bruta a grande espada, que, apesar de usar com a mão trocada, não necessitava do mínimo de técnica.
Alabaster fechou os olhos quando viu a lâmina chegando até seu rosto.
A espada subitamente parou, interrompida de completar seu trajeto por uma grande sombra que se erguera do chão e tomou a forma física de um braço. O menino olhou para a porta de onde seu pai havia saído quando chegara para a reunião, e nela, alguém se escorava no batente.
A misteriosa figura cobria-se com uma capa escura, puxou o capuz para trás e revelou os longos cabelos ruivos que caíam pelo rosto pálido e marcado pelas queimaduras em volta um dos olhos cor de jade, que encaravam o garoto acompanhados por um divertido sorriso nos lábios grossos de sua salvadora.
O grande homem saiu de cima do filho e virou-se impaciente para a mulher. Todos os encapuzados no salão haviam se voltado para ela e se tornado estáticos como as estátuas do Santuário.
- Que tipo de jogo é esse que você planeja agora, Catherine? - perguntou Guiltry, que a conhecia bem.
- Não é um jogo, meu caro senhor. O garoto pode encontrar a entrada do Santuário da Luz.
- Está me dizendo para manter a desonra da minha família viva? - rosnou.
- Não se trata de desonra, mas sim, de redenção. Se o menino ajudar-nos a tomar as espadas, poderemos devolver a Luz para Dynion. - Catherine era boa com as palavras, ou sua mágica as tornava agradáveis o suficiente, pois a expressão de ódio no rosto do homem coberto pela viseira começara a suavizar-se.
- Nada garante que teremos êxito em invadir o lugar para pegar as espadas. - O homem barbado ainda não estava convencido
- É por isso que estou aqui, meu senhor. - A mulher fez uma reverência. - Com o poder a mim concedido, podemos deixar até o mais fraco dyninse mais poderoso do que cinco filhos da Luz juntos!
Alabaster estremeceu. As naturezas da magia eram algo há muito esquecidos para os humanos de Cylch que não fossem habitantes do Santuário e, ainda assim, eram apenas os sentinelas capazes de ter algum tipo de contato com a sua forma bruta.
A mão nas sombras que interrompeu a espada que vinha a seu encontro já era algo que nunca imaginara ver, agora, o que a misteriosa mulher estava prometendo era impossível. Ao menos quis pensar que fosse.
O homem continuou a falar:
- Ainda preciso unir as casas. - Se Guiltry pudesse reunir os povos de Dynion por completo, com o tratamento de Catherine, teriam poder para invadir a cidade fortaleza sem problemas.
- Não será difícil com alguma garantia, não é? Agora temos a preciosa chave para adentrar o Santuário da Luz. - Ela tinha um olhar travesso, como o de uma criança prestes a pregar uma peça. Talvez tenha percebido que Alabaster não sentia total veracidade em suas palavras.
Guiltry Starrock virou-se para o filho. Com os olhos profundos e aterrorizantes, sedentos por mais sangue.
- É sua chance de mostrar se é um de nós, ou um deles. Irá deixar seu povo morrer, ou nos ajudará a salvá-lo?
O menino engoliu em seco.
3 horas antes da segunda invasão ao Santuário da Luz.
Alabaster tentava tratar da ferida no olho que lhe sequestrara a visão mais cedo enquanto esperava notícias do pai, que havia se ferido em combate, escondido pelas brumas de Niwloedd em volta do Santuário da Luz. Não sentia vontade de chorar desde que os devotos da fumaça massacraram Masnach havia uma semana. A visão dos rostos dos pais de Jillian quando um encapuzado os ceifou a vida fazia seus sonhos de refém.
Lembrou-se de Jillian e Jules, que foram largados em uma vala e não puderam ter um funeral adequado, para um filho da Luz, em Dynion.
Com o tempo pôde perceber que o pai era apenas um peão em um jogo muito maior. Catherine e os devotos da fumaça não eram bem feitores em busca de livrar Dynion da perdição. A misteriosa mulher precisava de homens para algo que lhe fugia a compreensão, mas seriam necessárias as espadas dos sentinelas para isso, então montou um ataque ao Santuário da Luz comandando dyninses corrompidos pelas sombras do Abismo.
O garoto, que se sentia vazio, tentou encontrar seu local de pertencimento numa falsa causa que só lhe trouxe mais dor do que antes. Também trouxe mais dor para as outras pessoas e, com a vida delas expirando, o peso da culpa pela morte de cada um que havia caído naquele memorável dia. Em algumas horas, outros cairiam.
Alabaster não sabia mais o que era: Filho da Luz ou dyninse. Talvez nenhum dos dois.
Envergonhava-se de ter ajudado os Devotos da Fumaça e nunca havia se sentido um filho da Luz, não seria agora que iria aceitar-se como tal.
Uma sombra passou perto de si, pela névoa da floresta. Estava mais afastado do grupo inteiro, então se virou para checar.
Era ela, Samhain.
Nas costas de quem? Wintamer? Não. Não podia ser. Ou podia?
Aquilo não era bom, a espada que ele vira quebrar-se em sua frente se afastando do Santuário era pedir para se tornar vulnerável demais. A arma sozinha poderia ser derrotada e o Santuário da Luz sem seu poder total também poderia cair.
Era sua chance de redenção, diferente da que Catherine havia prometido. Era capaz de fazer a diferença.
A figura já havia sumido na névoa, não havia tempo para pensar. Seguiu-a.
- Está se afastando demais do grupo, não acha, meu pequeno Alabaster? - Era Catherine, que surgiu em sua frente atravessando as brumas arrastando sua formosa capa pelo chão de terra. - Parece que você pode se perder sozinho, e eu não gostaria nem um pouco se por acaso se ferisse. - Abriu um sorriso de canto. Era sádica. Seus olhos penetrantes pareciam enxergar todos os pensamentos do menino, e ele não gostava nem um pouco disso.
- Eu só estou indo... - Pensou. - Mijar! - Droga. Não conseguiu imaginar desculpa nenhuma.
Para alguém que podia pensar tão rápido em múltiplas respostas para questões de combate e estratégia, aquilo fora péssimo. Talvez fosse o trauma pelo ferimento no rosto, ou talvez a magia da mulher que estivesse o afetando. Nunca conseguia manter a mente limpa perto dela.
A ruiva não acreditou.
- Ah, sim! Então leve isto com você, para não se perder! - Ela estendeu a mão esquerda e abriu um círculo mágico do chão, de onde surgiram uma espada e um arco maravilhosamente adornados. Para Alabaster aquilo era demais, porém, o objetivo da mulher em persuadi-lo o fazendo sentir-se desejado foi cumprido.
Ainda com a mão esquerda, ela entregou a aljava com flechas para o arco e uma pedra gravada por uma runa em línguas que o garoto não conseguia identificar. - Para não se perder enquanto vai "mijar". - Cobriu a boca para dar um pequeno riso.
Ela havia percebido alguma coisa. Alabaster precisava arrumar uma forma de se desvencilhar daquela situação emaranhada e seguir Samhain logo, antes que Catherine possa entender aonde realmente queria ir. Talvez já soubesse, os presentes eram estranhos demais.
Não, com certeza já soubesse. Ninguém leva um arco para mijar.
- Não sei se é necessário, não irei muito longe - mentiu. Pelo menos, tentou forçar um sorriso amarelo para convencer a mulher.
- Eu confio plenamente em você, meu pequeno. - A mulher então sorriu macabramente. - E por isso, quero que leve isto e traga a espada de volta para mim.
Xingou-se em silêncio.
O menino de cabelos negros e com o olho ferido tomou os objetos para si e fez a única coisa que podia.
Correu.