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O Sentinela do Outono, denominação com a qual ainda precisaria se acostumar, decidiu tentar diminuir o ritmo de sua caminhada para recuperar um pouco do fôlego. Já havia se passado um dia inteiro pelas brumas da floresta de Niwloedd desde que saíra do Santuário da Luz decidido a encontrar Luxord e curar Samhain.
Ainda durante o percurso do dia anterior, Gale pôde ouvir os gritos de guerra dos irmãos e o som de suas armas encontrando-se com as lâminas e corpos dos inimigos. De certa forma, o rapaz sabia que aquela batalha se repetiria em alguns instantes e desejou que estivesse longe o bastante para não escutar caso os filhos da Luz fossem derrotados.
A fé nunca fora algo muito relevante para Gale.
Ele confiava nas palavras dos sentinelas e no poder do Senhor da Luz, porém, dispensava grande parte dos ritos sagrados e dos estudos com os sacerdotes. O máximo que sabia fazer era tentar falar com Orr, a Senhora das Montanhas e da Guerra. Este era uma espécie de divindade menor, com influência nas batalhas, a quem pedia auxílio quando sentia que era necessário.
Acreditava que seria mais fácil Orr atender seus chamados que Luxord, pois o grande Arauto da Liberdade recebia pedidos de todas as partes de Cylch diariamente. Enquanto a outra deusa poderia lhe dar uma breve, mas devida, atenção. Naquele momento, sentiu um leve arrependimento por não saber como orar devidamente ao Pai das Estações, talvez a situação fosse do tamanho suficiente para que ele pudesse ver.
A espada que repousava em suas costas estivera inquieta durante o tempo no qual o jovem julgou ter demorado o combate dado os sons às suas costas. Era como se o Outono estivesse aflito, ou em ressonância com suas irmãs. Samhain pulsava dentro da bainha, contorcendo-se, e era cada vez mais difícil não se preocupar com aquilo.
Gale nunca esteve em contato direto com uma das espadas dos sentinelas, até o dia em que lutou ao lado de Kyria no centro da cidade sagrada, e depois, tornou-se o Filho do Outono. Por tal fato, não entendia ainda muitas coisas a seu respeito, como a inquietação da arma que portava, qual ficava cada vez maior.
O Sentinela do Verão, Gaheris, havia lamentado por não ter o tempo suficiente para prepará-lo apropriadamente, era bem possível que a falta de conhecimento dele fosse cobrada pelas adversidades à frente.
Precisava estar pronto para as dificuldades que encontraria.
Devido a constante marcha através da névoa, sua visão já estava cansada e assimilar as pequenas coisas que podia enxergar tornava-se uma tarefa cada vez mais difícil. Dessa vez, Gale pôde entender o motivo pelo qual os protetores eram enviados em grupos para missões, pois, a tarefa mais complexa era atravessar aquela floresta sozinho. Se quisesse completar sua missão, precisaria enfrentar a solidão das brumas mágicas de Niwloedd primeiro.
As ideias que surgiam na cabeça do rapaz iam mudando a cada passo que dava pela neblina. Desde mais novo, os pensamentos flutuavam por sua mente, não o deixando concentrar-se. Agora, após os eventos passados, era cada vez mais difícil.
Gale pensava em Geralt, Kyria, nos sentinelas, Jörfann e Polliko, os homens mascarados, o oponente com chifres que não conseguira derrotar e também pensava em Lenora.
Estariam seus companheiros ainda vivos?
Em determinado momento se tornara impossível continuar seguindo adiante com a espada, era como se a mesma gritasse dentro de sua cabeça.
Precisava parar e entender o que acontecia com o Outono.
O Sentinela então decidiu parar de caminhar e foi até perto da árvore mais próxima que era capaz de enxergar entre a névoa, cautelosamente e atento, desejando não ser atacado por nenhuma criatura que morava ali perto.
Então a desembainhou.
As runas, presentes na lâmina brilhavam em um azul-celeste quase divino e expandiam-se em Luz, que se alastrava pelas rachaduras da arma de bronze das Montanhas Tempestuosas. A arma se debatia e pulsava nas mãos do jovem Sentinela, querendo escapar de seus dedos desconfiados, enquanto o brilho aumentava cada vez mais e, com ele, a força de cada vibração.
O cabo queimava as mãos de Gale.
A espada forjada pelo espírito de um verdadeiro filho do Senhor da Luz, vibrava incessantemente e estava prestes a destruir-se na frente de seu novo portador em uma cena que o mesmo previa não ser tão segura ou confortável para ele. Samhain expulsava as brumas próximas enquanto criava uma tempestade ao seu redor.
Então ela se partiu mais uma vez.
Os mil pedaços daquela que anteriormente era a mais respeitada arma de toda Cylch, espalharam-se pelo ar com lufadas de ventos frios que pareciam ter saído de dentro dela. Uma rajada repentina foi forte o suficiente para derrubar o rapaz, que nem mesmo teve tempo para desesperar-se, pois, na primeira tentativa de se recompor, viu a névoa ao redor ser tragada até o ponto onde Samhain havia se quebrado e, em seguida, a mesma ser devolvida em uma tempestade de gelo que o atingiu fortemente.
A neve era soprada violentamente pela floresta e logo cobria os pés do Sentinela, congelando as folhas no topo das árvores.
Gale não sabia se conseguiria continuar com os ventos tão agressivos.
Era nisso que pensava: Continuar. Naquele momento, a última coisa que o rapaz podia se dar ao luxo de pensar era em sua espada. Precisava sobreviver primeiro.
Os sopros de ar e gelo batiam em seu corpo enquanto tentava manter-se de pé, ao passo que galhos, pedras e folhas eram atirados em sua direção pelas correntes dos ventos que ali dominava o local.
É culpa do desequilíbrio.
A neve era muito espessa e Gale já não era capaz de se mexer, então tentou resistir sem sucesso ao frio e a tempestade.
Algo o acertou na cabeça.
E a mente dele escureceu.
O Sentinela abriu os olhos devagar para acostumar a vista à claridade do quarto. Com um gemido de dor, tentou levantar-se e descobrir onde estava.
Olhou ao redor.
Gale percebeu que estava deitado em uma simples esteira no nível do piso de tábuas assimétricas de madeira. Deduziu que fossem de carvalho guardiano ao tocar com a ponta dos dedos e lembrar como era o material com que mais gostava de trabalhar quando ainda era aprendiz no Santuário da Luz. As paredes também eram feitas de carvalho guardiano e envolvidas por raízes de plantas que se alastravam e floresciam em volta da casa. As raízes também suportavam algumas velas que iluminavam o local mais do que deveriam, devido seu pequeno tamanho, como se fossem encantadas.
Foi então que ele percebeu.
Samhain.
Desesperou-se. A espada havia se despedaçado e agora estava em um lugar desconhecido longe de seus restos. Em meio à própria confusão, enquanto tentava levantar-se, o mesmo esbarrou em alguma coisa.
Sua arma estava lá.
Samhain estava idêntica à quando Gale havia deixado o Santuário. As rachaduras eram tantas que o Sentinela não saberia dizer se o padrão ainda era o mesmo, mas, independente disso, a espada se consertara mais uma vez.
- Não é possível. Ela rompeu-se em minhas mãos! - murmurou para si mesmo, tentando encontrar um pouco de sentido naquela estranha situação.
O Outono se reconstruiu quando fora destruído pelo ataque de Gaheris e Litha na invasão ao Santuário da Luz, tornando plausível a suposição que ele havia realizado este feito novamente. O rapaz examinou a lâmina até encontrar a gravação da profecia em sua base.
O filho do desmonte
Deve buscar os horizontes
As palavras haviam mudado, a profecia estava diferente.
As runas rearranjaram-se quando Samhain se partiu em mil pedaços e criou a tempestade de neve para ceder a Gale um novo trecho da profecia perdida. Ele podia enxergar sua cara confusa pelo reflexo no escuro bronze das Montanhas Tempestuosas da espada, que se tornava calma mais uma vez.
Então as pulsações cessaram.
- Sabia que você fala dormindo? - uma voz atrás de si o assustou
Uma garota, talvez mais velha que o Sentinela, estava sentada à beira da abertura dentre o carvalho guardiano, formando uma janela. O brilhoso cabelo castanho não era capaz de esconder suas orelhas pontiagudas e os grandes olhos. Era uma elfa.
O rapaz não conseguiu responder, a confusão era maior que a capacidade de criar uma pequena frase com sentido dentro de sua cabeça, então só foi capaz de reproduzir um barulho estranho.
Ela sorriu, era possivelmente a primeira vez que o filho da Luz via um tipo diferente de elfo que não fosse do Vale da Lua, aqueles que eram protetores no Santuário. Sua pele era clara, possuía pinturas no rosto e as roupas pareciam ter sido feitas usando somente seda de chibrum, um grande animal produtor da mesma. Era completamente diferente de Jörfann.
Gale sabia que existiam diversas raças de elfos por toda Cylch, então tentou não se espantar tanto.
- O-Onde estou? - perguntou antes de ser atingido por uma pontada forte na cabeça. Os últimos dias não estavam sendo gentis com ela.
- Ora, em Guardia! Nós o resgatamos. - Ela desceu da janela e o ajudou a levantar encarando suas roupas curiosamente. - Deveria agradecer a quem escolheu essa malha de dragão negro para você, se não fosse por ela, teria congelado até a morte no caminho.
Era verdade, Polliko fizera um bom trabalho. O Sentinela confiava nas habilidades do anão, mas não podia imaginar que elas se pagariam no início da jornada. Suas vestes foram feitas para aguentar a ira das mudanças do clima por seu trajeto, mesmo se geradas pela espada sagrada repentinamente. Enquanto aprendiz, já havia lutado dentro da Arena das Estrelas em uma tempestade de neve ao menos sete vezes. Mais uma vez, o pânico tomou conta de seus nervos e ele não pôde fazer nada, somente reagir aos acontecimentos com estupidez.
Sentia-se um fracasso.
A marca em seu antebraço queimou em protesto. Tentou não demonstrar dor.
- Guardia. - Pensou alto.
O reino escondido dos elfos dentro da floresta de Niwloedd. Talvez fosse um dos únicos humanos a um dia pisar lá.
- Há quanto tempo estou aqui?
- Menos de um dia, sua cabeça é bem dura - disse ela. - Foi uma pancada e tanto, hein!
Gale não concordava muito bem com tal afirmação, ainda sentia dor.
- Agradeço a ajuda. Agora preciso ir - o Sentinela falou.
Não podia perder mais dias, o Santuário deveria ter se transformado em um campo de guerra.
- Quantos dias de caminhada levam para chegar até Tarian? - Precisava correr.
- Você não vai a lugar nenhum hoje, Sentinela. - Ela o reconhecera. Talvez a espada não ajudasse a mascarar sua identidade tão bem. - Pegue suas coisas e venha para o jantar, Pai Runnik quer te conhecer.
Contrariado, o rapaz ajeitou a bainha de sua lâmina nas costas e saiu da casa, deparando-se com a Terra Verde.
Os elfos são um povo mágico, de graça espiritual, vivendo no mundo, assim como todos os hud. Divididos pelas 5 grandes casas élficas, vivem em lugares de beleza inigualáveis, no meio de florestas antigas ou nas próprias cidadelas espalhadas pelo continente. Tais seres são apaixonados pela natureza, pela magia e pela arte. Cada raça de elfo possui a própria aparência e características, fazendo com que o povo de Guardia fosse completamente diferente de Jörfann. Parecia até que estava dentro de um dos livros que roubara da biblioteca do Santuário quando criança.
Guardia era o melhor significado de "paraíso" que se poderia encontrar. Entre as árvores de Niwloedd, no ponto onde a floresta era mais verde e aonde as brumas não chegavam, viviam os elfos guardianos: um povo recluso em sua própria comunidade e que preferia se manter alheio à maioria dos conflitos que ocorriam sobre a terra. As moradas permaneciam acima do chão, construídas em volta dos grandes carvalhos guardianos que eram tão incrivelmente úteis no Santuário. Elas eram baixas e suas pequenas aberturas brilhavam através da floresta sob os céus estrelados. As casas eram ligadas por pontes que se estendiam pelas árvores mata adentro, formando uma teia gigante e natural que conectava aquela comunidade.
Gale e a elfa desceram por uma escada feita com cipós trançados até o chão.
No solo de Guardia, várias fogueiras eram acesas juntas, para que as refeições fossem compartilhadas entre os habitantes e com a terra, a quem eles são mais devotos do que ao Senhor da Luz.
As folhas de carvalho acima deles brilhavam em vivas cores diferentes ao contato com a Luz da soberana Lua que se erguia e emanava energia intensamente no alto dos céus. Como se fossem parte de um rio que refletia o maior arco-íris de todos, dando um toque diferente para a vida naquele lugar.
O jantar já estava acontecendo e famílias uniam-se em volta das grandes fogueiras acesas para comer e cantar.
Os elfos guardianos eram muito ligados à natureza, por isso, sentiam-se mais próximos deles mesmos quando estavam perto da terra. Eram defensores da floresta e principalmente de Guardia, que ficava escondida para que não fosse corrompida.
O Filho do Outono e sua acompanhante cruzaram diversas rodas de conversa e grupos que dividiam o alimento e se calavam enquanto o rapaz passava. Os olhares curiosos, tortos e ameaçadores eram direcionados àquela figura humana que não deveria estar nem perto dali e, além de humano, era um Sentinela. Sua presença lá significava problemas. O rapaz começou a ficar nervoso e inquieto, a atenção era demais para ele. O fato de saberem sobre sua natureza enquanto Filho do Outono não o ajudava a permanecer calmo. Não sabia o que esperar.
Uma criança no colo da mãe fez uma careta para ele, o que o tranquilizou de certa forma, arrancando um sorriso de canto.
Em uma fogueira menor, montada abaixo de uma árvore de folhas douradas, estavam sentados sobre pequenos troncos um elfo mais velho com uma longa barba branca como a neve e outro que era totalmente diferente dos nativos que observara. O elfo mais jovem vestia roupas típicas de um aventureiro, uma profissão escassa naqueles dias, e uma expressão desgostosa tomou-lhe a face quando viu o filho da Luz se aproximar.
O ancião falou primeiro:
- Ah, é uma satisfação imensa ver que nosso hóspede já está de pé. - Ele assentiu com a cabeça para a elfa que acompanhava rapaz. - Agradeço, assumiremos daqui. Que a terra sempre esteja sob seus pés, pequena Awyhn.
- E seus olhos nas estrelas, Pai Runnik. - A elfa fez uma reverência e voltou saltitando até uma fogueira com amigos que a aguardavam.
Gale foi convidado a sentar-se com os dois.
- Sou grato pela recepção, Pai Runnik. - Começou ele.
O jovem pensou em fazer uma reverência como Awyhn, afinal, os elfos haviam salvado sua vida e cuidado dele até poder se recuperar, mas os olhos de felino daquele sentado ao lado do ancião o deixavam desconfortável demais para isso.
O velho elfo respondeu:
- Pode me chamar somente por Runnik, se preferir, senhor Bellux. - O Filho do Outono levou alguns instantes para perceber que falava consigo.
Este era o nome de família de Geralt, seu finado amigo. O rapaz estranhou ter sido reconhecido como um deles, até olhar para o pulso e ver o colar que carregava amarrado.
- Ah! Perdão por este engano, mas não sou um Bellux - informou.
A face do Sentinela ficou levemente ruborizada de constrangimento. Ele desviou os olhos para o chão, talvez procurando um buraco na terra para se esconder.
O elfo mais jovem se manifestou:
- Usando um nome falso? - Tinha certo tom de deboche e surpresa em suas palavras. Olhou para o ser mais velho ao seu lado e continuou. - Bem, é algo que eu faria.
O ser de cabelos brilhosos com duas pequenas tranças que lhe caíam sobre as orelhas em formato de flecha o encarava com seu olhar esmeralda, que estudava a mais profunda de suas intenções. Abaixo do olho esquerdo havia uma pinta que roubava toda a atenção do Sentinela de Outono.
- Não julgue o garoto como se fosse você, Yew - disse o ancião com um sorriso singelo e aconchegante para Gale, tranquilizando-o um pouco.
Apesar de estar em um ambiente desconhecido, o rapaz percebeu que não estava correndo riscos no momento. Talvez estivesse se não respondesse o que os anfitriões quisessem ouvir, mas era seguro por enquanto.
- Então qual seria o seu nome, Sentinela? - O velho Runnik ficou mais curioso.
- Gale. - O rapaz olhou para a espada sagrada que descansava dentro da bainha ao seu lado. - Wintamer.
Muitos pensamentos sobrevoaram a cabeça de Gale durante os instantes que passara admirando Samhain. Pode ser que tenham sido mais do que somente poucos instantes.
- Ah, sim! Os Domadores dos Ventos. - Era como sua família era chamada nas terras de Masnach. - Responsáveis há gerações pela confecção de protetores para as plantações que redirecionam as brisas para os moinhos, manipulando a natureza de uma forma bem engenhosa. Estou correto?
O Sentinela ficou deveras espantado, embora tentasse não parecer. Aquele ancião era simpático demais com alguém que não deveria estar pisando em sua terra e ainda conhecia suas raízes antepassadas.
O rapaz confirmou o nome. O anfitrião disfarçou um sorriso discreto alisando sua barba.
- O que nós gostaríamos de saber, senhor Wintamer. - O elfo mais jovem se ajeitou melhor no tronco caído em que estava sentado antes de prosseguir. - É o que traria um Sentinela de Luxord sozinho para fora do Santuário da Luz carregando um dos filhos do Senhor da Luz. Ferido.
Estava encurralado.
Eram centenas de elfos espalhados pela floresta ao seu redor e aquele que estava sentado ao lado do velho Runnik também não era nada amigável. Não podia entregar-se completamente, mas também não achou que mentir seria uma boa alternativa.
Então Gale puxou a malha de dragão negro e encarou a marca gravada pelas cinzas dos filhos da Luz em sua pele.
- Esta é Samhain, o Outono. Estou em jornada para reconstrui-la e reparar o equilíbrio. - Foi direto. Em sua mente, talvez fosse melhor não mencionar que o Santuário da Luz estaria enfraquecido, ou que sua posição enquanto Sentinela fora ocupada há poucos dias. O jovem focou em informações mais óbvias que deduziu que já soubessem.
- Era o que temia... - O ancião alisou a barba de maneira apreensiva e olhou para o companheiro elfo que tinha os olhos presos no garoto humano. - Perdão por nossos modos. Esse é Yew Navarre, meu afilhado. - Runnik apresentou o aventureiro.
O rapaz o cumprimentou, mas não teve resposta.
- Não se preocupe, ele costuma ser pior do que isso! - O Pai tentou contornar o constrangimento. - Senhor Wintamer, será que aceitaria caminhar comigo?
Os dois andaram por um bom tempo em silêncio e Gale sentia estar sendo seguido.
Tinha certeza de que era Yew.
Guardia era realmente linda. O arranjo de carvalhos formava um caminho onde era possível encarar os céus sem nuvens daquela noite, onde as estrelas pareciam brilhar mais fortes, rodeando aquele reino escondido dos olhos normais. A leve e contínua brisa acariciava os corpos do Sentinela e do Pai Runnik enquanto seu som ganhava forma ao chocar-se contra as folhas vivas cheias de magia, que ficavam ainda mais bonitas quando iluminadas por aquele astro da beleza mais singela e pura que Gale já tinha visto.
O elfo mais velho pigarreou.
- Queria me distanciar dos outros para falar sobre a profecia em sua espada, meu jovem.
O rapaz já sabia, fora revistado. Não que fosse muito difícil encontrar os escritos na lâmina, porém, o elfo ancião o chamou pelo nome de Geralt e sabia que era um Sentinela antes mesmo de conversarem na fogueira o levando a crer que tinham visto a marca da transformação escondida pela malha de dragão.
Runnik disse mais algumas palavras:
- Espero que entenda termos investigado seus pertences, preciso proteger todos os meus afilhados. E também espero que saiba que Awyhn o salvou somente por ser um Sentinela de Luxord. Não costumamos trazer estrangeiros para dentro de nossa casa. Nem mesmo sentinelas, entretanto, os difíceis tempos exigem alguns sacrifícios.
O povo de Guardia possuía uma antiga dívida com o Santuário da Luz, que os protegiam de ameaças de Niwloedd e, em troca, recebiam carvalho guardiano para trabalhar em suas peças.
- Você sabe alguma coisa sobre essa profecia? - perguntou o garoto.
- Eu estava lá quando ela foi proferida pela primeira vez, há tantas voltas atrás - respondeu o elfo sem muita cerimônia. - A primeira das profecias.
Havia atravessado as eras e assistido as decisões mais importantes tomadas para a sobrevivência de Cylch bem de perto.
- "Voltas"? - questionou o rapaz, já havia escutado essa expressão antes. Jörfann a usara quando conversaram na enfermaria.
- Sim. Voltas - o Velho Pai confirmou. - É como contamos os seus "anos", porém, de uma forma diferente.
Gale fingiu que entendia.
Não se lembrava de ter presenciado um elfo da Lua no Santuário usar "voltas" nenhuma outra vez, mas nunca conversara o suficiente com algum para ter certeza de que tinham um vocabulário diferente.
- Então o senhor se lembra dela completa? - o jovem voltou a falar da profecia.
- Lembro-me como se fosse um pesadelo que nunca me abandonou - Runnik suspirou. - Entretanto, não posso revelá-la. Se o Outono escolheu desta forma, deve haver uma razão. Talvez a expor antes do tempo correto pudesse comprometer a ordem natural das coisas, que já está um tanto perdida.
O Sentinela se decepcionou.
Os dois permaneceram caminhando em silêncio por um tempo. O vento tocava levemente as folhas brilhantes do topo das árvores, fazendo-as balançar. Um grupo pequeno de lobos marrons brincava mais a frente, Gale os observava e eles o deixavam feliz, mesmo que não entendesse ao certo a razão.
- O que o senhor gostaria de discutir?
- Creio que nossos caminhos foram ligados por uma razão, Filho do Outono - respondeu.
O filho do desmonte
Deve buscar os horizontes
- É lógico de se pensar que o "filho" seja o Sentinela de Outono. - Gale mordeu os lábios. Sentiu-se muito arrogante falando de si mesmo como se fosse outra pessoa. Por um momento havia se esquecido de que aquele título agora caía sobre si.
- Tenho motivos para acreditar que seja Yew, ele tem relações com os filhos da Luz. - O ancião alisou a barba pensativo. - Sem contar que Samhain indiretamente o trouxe até aqui. Algo que não acontecia há... muito tempo.
- Que tipo de relações? - Durante todo o tempo em que viveu no Santuário, nunca estudou sobre a presença de elfos guardianos por lá.
Yew deveria ser um caso especial, que conseguiu atrair a curiosidade do rapaz.
- Ele não se lembra. - Runnik deu de ombros.
- Como? - Ficou incrédulo.
Não era possível alguém simplesmente não se lembrar de ter contato com os filhos de Luxord.
- Nós vivemos por muito tempo e, para alguns é difícil permanecer no mesmo lugar. Yew já realizou muitas proezas antes de voltar para Guardia, no entanto, algo aconteceu com ele e não o deixa lembrar.
- O que o fez voltar para cá?
- Meu querido amigo veio em busca de ajuda para tentar lembrar-se do que havia acontecido, mas não é isso o que gosta de assumir. - O elfo olhou para as criaturas que corriam a frente deles buscando um pouco de conforto na natureza por quem tinha tanto afeto. - Ele diz querer garantir que terei uma passagem boa e que meu filho, Yunnan, será um bom Pai para nosso povo.
- Passagem? - indagou Gale.
- Já vivi por muito tempo, caro Wintamer. Meus pés tocaram esta terra por muitos séculos a mais do que todos os meus companheiros que outrora se aventuraram comigo, e por isso sinto saudades. Meu momento de retornar às estrelas está próximo. Yew queria prepará-lo para isso, mas meu filho ainda é muito jovem.
- Qual a idade dele?
- Algo perto das 200 voltas.
- Seu filho tem 200 anos e ainda é muito jovem!? - Para os dezessete anos do humano, era inconcebível a ideia de que um ser tão mais velho seria considerado imaturo.
- Exato. Porém, de uma forma diferente.
- E onde está Yunnan? - O Sentinela sentiu que talvez que não devesse ter perguntado isso.
- Ele partiu com Doran para se tornar um aventureiro, assim como Yew um dia foi.
- Doran. - O rapaz refletiu um pouco. - Outro elfo?
- Imagino que seja... - O ancião tentou encontrar as palavras com dificuldade. - Complicado demais para esta conversa.
- Entendo. - Pigarreou. - Por que se importa com a profecia? Pensei que os guardianos se mantivessem alheios a conflitos externos.
- A natureza vive em um equilíbrio incerto, jovem Sentinela. Os quatro elementos que compõem o mundo - ar, terra, fogo e água - devem permanecer em no balanço criado pelas espadas para que o ciclo da vida possa acontecer. Os elementos base da magia e da vida são poderosos demais para se manterem controlados o tempo todo, em algum momento é preciso que cada um deles prevaleça e exploda seu poder. Para isto que nasceram os filhos de Luxord: As Estações. Se tais elementos permanecessem em conflito para assumir o poder sobre os outros, o mundo entraria em grande desorganização, e então, as vidas de todos humanos, criaturas e hud estariam condenadas.
- Sem equilíbrio não há vida - Gale repetiu os versos que aprendeu na primeira semana que passara no Santuário. As Estações eram o pilar para vida se manter em paz nas relações humanas, para que os animais pudessem viver em paz e os hud permanecessem em Cylch. Viver era possível por causa de Samhain, e agora ela estava estilhaçada, mantendo seus fragmentos unidos de alguma forma qual o jovem era incapaz de entender.
- Nunca pensei que veria o desequilíbrio tomando forma de verdade. A fúria dos ares nessas mudanças repentinas de tempo é somente o início do fim. Em poucos dias, Cylch irá colapsar - lamentou-se Runnik. - Nós, guardianos, somos seres da terra e podemos senti-la morrer depressa. Temo que tenha menos tempo do que pensa, meu jovem.
- E o que acontece se a terra vir a colapso?
- Os deuses perdem sua força, e então Gallag e Wintanag se libertam de sua prisão para nos subjugar e concluir seu objetivo esquecido pelas eras. O Abismo irá devorar toda a magia e corromper nossa existência. A maioria de nós já está morta neste ponto.
- Então preciso chegar até Luxord antes que não possamos fazer mais nada - o rapaz concluiu.
Sua visão de mundo ainda era extremamente simples, pois crescera rodeado de muralhas construídas com rocha anciã. Antes, sua missão seria apenas para salvar seus irmãos das garras dos Devotos da Fumaça. Neste momento o jovem percebera que se tratava de algo muito maior, o destino de todos os povos estava em suas mãos.
- Por isso nós três estamos conversando aqui. - Então o elfo olhou para cima, como se procurasse algo. - Certo, Alogin?
Yew Navarre desceu de uma árvore próxima com um pulo e aterrissou ao lado de Gale, que se assustou levemente.
- Alogin? - perguntou o Sentinela
- Seu nome de nascença. Yew Navarre é o nome que escolheu ao se tornar um aventureiro - Pai Runnik o respondeu, achando certa graça. Não gostava do novo nome daquele elfo e sempre que podia o chamava pelo antigo para provocá-lo.
Yew cruzou os braços e deu de ombros. Desviou o olhar e logo se pôs a dizer antes que o ancião tentasse lhe fazer qualquer proposta.
- Não. - Ele apoiou as costas desleixadamente na árvore enquanto encarava o Pai com insatisfação em seu olhar.
- Eu ainda nem te disse nada, garoto - contestou o velho elfo.
- E já tem minha resposta. Não irei viajar com um humano.
O Filho do Outono sentiu-se incomodado. As outras raças de Cylch faziam questão de salientar sua natureza humana e como desprezavam isso. Queria entender o porquê.
- Você precisa ir atrás do Horizonte, meu fiel amigo - falou Runnik, tentando convencer o elfo mais novo.
- Se eu me for agora, não haverá alguém para acompanhá-lo na passagem, pois seu filho idiota...
- Se você não se for agora, não haverá terra para onde meu filho possa voltar. - O ancião foi ríspido, talvez para fazer Yew o levar a sério.
- Esse não é um problema meu, ele fez a própria escolha. - O aventureiro novamente cruzou os braços e desviou o rosto bravo para não encarar o velho elfo com quem discutia.
- Precisamos agir antes que Guardia seja destruída! - O Pai Runnik se aproximou do afilhado, forçando-o olhar em seus olhos. O elfo mais novo o encarou com uma cara carrancuda, tentando não deixar evidentes os olhos marejados.
- Não irei deixá-lo sozinho, Pai. E se a vida acabar, ótimo. Ela não vale tanto assim - retrucou.
- Sozinho? - indagou o Velho Pai. - Ora! Não estou sozinho. Olhe ao redor, temos mais filhos em Guardia do que qualquer momento de nossa história! E são por eles que você deve agir.
- Não me importo. - Era mentira.
- Sei muito bem que o que peço é muito, mas é necessário. - Ele pousou a mão em seu ombro, relaxando-o.
- O Horizonte não existe, Runnik - Yew falou como uma verdade absoluta. - É uma canção para crianças petulantes pararem de tentar matar umas às outras e ficarem quietas por pelo menos um instante.
- Se nunca o viram, como podem confirmar que não existe?
O elfo mais novo balançou a cabeça em desaprovação e fez um barulho com a boca que assustou Gale. Com certeza humanos não conseguiam replicar aquele som.
- Era isso o que os fanáticos da Lartira diziam para enfiar a crença alucinada deles em Luxord nas pessoas.
- Luxord existe.
- Isso não vem ao caso.
- Mas me dá razão, jovem elfo detentor de todas as respostas - o Velho Pai debochou.
- Sua lógica nem sentido faz!
- Você já foi mais entusiasmado, garoto! - Runnik se deu uns instantes de silêncio para pensar e abriu um sorriso largo e travesso. - Será que o lendário Yew Navarre nega a existência de um artefato por não ser capaz de roubá-lo?
Os nervos do elfo mais novo saltaram.
- Eu posso encontrar qualquer coisa, está me entendendo!? Inclusive esse arco maldito!
- Então... - O Velho Pai aproximou a cabeça curiosa. - Se é capaz de encontrá-lo, está assumindo que ele existe?
- Esperem - Gale interveio antes que Yew pudesse responder. Estava ficando perdido no meio da conversa. - O que é o Horizonte?
- Um arco. - Runnik abriu um sorriso glorioso. - Capaz de acertar qualquer alvo no horizonte, e o que vem depois dele. As lendas dizem que ele deve estar escondido no templo de Biogu, o espírito da floresta.
- Faz sentido. "O filho do desmonte deve buscar os horizontes". - Gale coçou o queixo. - Onde fica o templo?
- Nenhum ser pensante que ainda anda por esta terra sabe. - Então Pai Runnik abriu um sorriso. - Exceto por um elfo. Correto, Yew?
Navarre suspirou.
- Eu odeio o mundo.
- Faça por mim, certo? Proteja o futuro de meu filho. E volte para Guardia quando puder, mesmo que eu não esteja mais com os pés na terra - pediu o ancião, animado.
- Não faz sentido voltar para cá se você não estiver aqui.
- Yunnan precisará de seus conselhos, assim como um dia eu mesmo precisei.
- Não é problema meu. Aquele fedelho deveria ter pensado em ouvir os meus conselhos antes de fugir com aquela criaturinha desgraçada. - Yew se irritou, não parecia que iria perdoar o jovem Yunnan tão cedo.
- Sabia que ele só tentava ser como você? - Runnik o encarou convencido.
- E exatamente por isso é um idiota!
- Pois bem, sei que ele estará em boas mãos. - Então o velho elfo voltou a andar de volta para aonde as fogueiras ainda crepitavam.
- Não voltarei para Guardia! - Yew gritou como uma criança mimada.
- Também sei que o jovem Alogin disse isso das últimas sete vezes que partiu de casa! - o Velho Pai respondeu em tom engraçado.
Yew suspirou novamente e se rendeu.
O elfo encarou o jovem Sentinela, que estava com uma tentativa de sorriso nos lábios, que logo sumiu após ser intimidado por aquela cara selvagem e furiosa do elfo aventureiro. Então os dois andaram depressa para alcançar o guardiano mais velho que já se distanciava deles.
- Gale, cuide para que ele não faça nenhum tipo de besteira - Pai Runnik pediu seriamente. Yew era como um filho para ele e, não gostaria de perdê-lo.
- Então, para onde iremos? - perguntou.
- Dois dias apressados a oeste, se não, três - o elfo mais jovem respondeu.
- É muito tempo! - protestou o humano.
O rapaz já havia perdido um dia de caminhada até Tarian, as coisas não estavam saindo como o planejado.
Quanto tempo mais o Santuário resistiria?
- É necessário, Gale. A profecia diz que vocês precisam do Horizonte. - Runnik foi direto. Conhecia as consequências de uma viagem mais demorada, porém, era a única alternativa que tinham.
- Partiremos ao amanhecer.
Alabaster estava com fome e muito frio. Já fazia alguns dias desde que tivera uma última refeição decente, e o atraso gerado pela recente tempestade não o ajudara muito a alcançar Gale.
O garoto caminhava em busca de alimento através das árvores congeladas e da neve fofa que engolia seus tornozelos. O lado bom daquela tempestade, se é que um desastre avassalador da natureza tivesse algo de bom, era que as brumas daquela região em Niwloedd foram completamente dispersadas, então poderia enxergar em tudo ao seu redor.
No momento pôs-se a pensar. Apesar de serem completamente assustadoras e imponentes, as brumas mantinham o Santuário sob segurança e também eram basicamente um ser vivo, que se locomovia e transformava. Será que deveria se sentir bem com a morte de uma parte dela?
O jovem Starrock balançou a cabeça negativamente e tentou afastar todos os pensamentos distrativos de sua mente. Precisava seguir andando se quisesse alcançar Wintamer.
Se algum animal aparecesse, seria muito grato. Pensou enquanto o corpo fazia alguns barulhos estranhos.
Então empunhou o arco e preparou uma flecha, para caso a oportunidade aparecesse.
O item em questão era bem desajeitado, pesado demais, com enfeites demais. Alabaster talvez se culpasse por nunca ter sido tão bom em arquearia, porém, aquilo era muito para ele.
Já a espada possuía um balanço ótimo, ideal para o dyninse. Não tinha certeza se ela seria dona de um nome anteriormente, então decidiu rebatizá-la de "Digaeth", algo que na linguagem primordial se aproximaria da redenção que tanto buscava. Mas não tinha tanta certeza, línguas eram o seu ponto fraco.
Ouviu o barulho de um galho se quebrando às costas.
Alabaster virou-se rapidamente e apontou a flecha, mas não havia nada ali. O garoto estranhou e percebeu que precisava ficar mais atento, pois uma energia sinistra rondava o ar e ele tinha certeza que havia alguém pelos arredores.
Seus olhos não paravam quietos, corriam de um canto para o outro procurando qualquer sinal de companhia. Foi então que o herdeiro dyninse passou a ouvir sons de caudas-vermelhas, um primata que deveria comum na região. Porém, olhando para o alto das árvores, não encontrava nenhum deles.
Era impossível existir qualquer vida remanescente sobre os galhos congelados, e Alabaster também duvidava encontrar um cauda-vermelha saltitando pela neve. Se houvesse um grupo desses animais por ali, deveriam estar mortos.
Droga. Os sons não paravam. Iam envolvendo-o, vindos de todas as partes e misturando-se ao vento frio.
O garoto avistou uma silhueta pelo canto dos olhos.
Rapidamente virou-se e mirou no arbusto onde viu a figura se esconder. Esperou o mínimo movimento para ter confirmação e atirar. Nada. Pensou em dizer alguma coisa para chamar a atenção do ser misterioso, talvez algo que esbanjasse autoridade e força. Conteve-se.
Por puro reflexo, o garoto se abaixou quando sentiu uma pressão às suas costas e acabou por esquivar-se da investida de uma saltadora, felino predador de pele pigmentada capaz de simular sons de outros animais para atrair suas presas. Ao desviar do golpe por muito pouco, o jovem acabou por soltar o arco, então sacou Digaeth. O que não considerava ser a melhor das opções.
Alabaster firmou os pés no chão e fechou a guarda, esperando o avanço da criatura. Esta o rodeava, procurando uma brecha para um único bote mortal.
A fera saltou em seu pescoço com um esturro ensurdecedor, forçando o jovem a saltar para a direita e arriscar um corte de cima para baixo. A espada ricocheteou.
A pele de saltadoras eram duras demais para perfurar por cima, como uma espécie de carapaça.
O jovem tentou se manter tranquilo para poder esperar o próximo ataque e não cometer nenhum erro. Respirou fundo e repetiu a tática, dessa vez, mirando atingir a parte de baixo do animal, onde a pele é exposta.
O que não contava era que a saltadora poderia ser mais esperta que o próprio humano e não atacou visando acertar o mesmo, mas sim, sua arma. A criatura investiu e desarmou o garoto arremessando a espada para longe, que se perdeu na neve.
Alabaster sabia que não conseguiria lutar contra a fera desarmado, porém, seu arco estava perto o bastante para que pudesse alcançá-lo se tentasse. O problema era que se movimentar em frente à saltadora poderia significar uma morte certeira.
O jovem encarou a criatura no fundo de seus olhos negros e tentou demonstrar que não sentia qualquer medo dela, o que poderia não ser verdade, mas ele julgou que saltadoras não eram capazes de ler pensamentos. Ambos ficaram estudando um ao outro incansavelmente, até que o jovem Starrock rolou para a esquerda e apanhou seu arco e a flecha que havia deixado cair. A fera avançou assim que ele se moveu, como Alabaster já imaginara que aconteceria. Precisaria ser rápido ao se levantar e erguer o arco para atirar, porém, seu pé de apoio escorregou na grama coberta pelo gelo e ele tombou para trás.
Como efeito do susto ao escorregar, ele soltou a flecha.
Assustado, o garoto fechou os olhos para não ver a grande criatura que caía sobre si o trucidar, mas tudo o que sentira foi seu peso contra o corpo cansado. O dyninse abriu os olhos e se viu sendo esmagado pela saltadora, porém vivo. Acertara o alvo.
Como? Não sabia. Talvez pura sorte. Talvez os olhos do Pai das Estações estivessem sobre ele naquele exato momento. Talvez não soubesse que era tão bom empunhando um arco.
De qualquer forma, o jovem decidira que não poderia ter tirado aquela vida gratuitamente, mesmo que tenha sido em legítima defesa. Encontrou sua refeição e um possível meio de se esquentar.
Ergueu os olhos aos céus.
E agradeceu ao Senhor da Luz.