- Não, tipo, quando vocês começarem a dormir juntos, não vai ter que gastar com aluguel.
- Não vamos dormir juntos. Ele é um idiota. E mesmo que em algum universo bizarro isso acontecesse...
eu nunca deixaria de pagar meu aluguel. Seria como me prostituir.
Ela riu.
- Hummm.
- Quê?
- Sexo com raiva é o melhor sexo, sabe?
- Sim, você já disse isso antes. Não posso dizer que já experimentei.
- Bom, quando rolar com o... qual é o nome dele?
- Damien. Esse é o nome dele. E não vou fazer sexo raivoso com Damien.
- Damien? Como em A profecia?
- Foi o que eu disse! Falei a mesma coisa quando ele me disse o nome dele. Ele não ficou muito feliz.
- Quando é que ele fica feliz com alguma coisa?
Respondi, rindo:
- Verdade.
- Mas vai rolar. Merda... estão me chamando. Eu tenho que ir.
- Boa sorte!
- Pega o síndico!
- Você é maluca.
- Amo você.
- Também amo você.
Conversar com minha irmã sempre me deixava de bom humor.
Faltava uma hora para a minha sessão de terapia por telefone e eu decidi ir buscar alguma coisa para comer.
Quando estava descendo, encontrei Murray, o zelador. Ele estava varrendo as escadas e assobiando, enquanto
as dezenas de chaves que carregava presas ao cinto tilintavam.
- Oi, Murray!
- Ei, oi, moça bonita.
- Você não costuma trabalhar na terça-feira.
- Estou passando por uma fase difícil. O chefe me deixou fazer umas horas extras.
- O chefe... é D.H. Hennessey?
- Isso... Damien.
- Acabei de conhecê-lo. Não fazia ideia de que o meu vizinho antissocial e dono dos cachorros que vivem
latindo era o dono do prédio.
Murray riu.
- É, ele realmente não anuncia isso por aí.
- O que ele faz?
- Está pensando em como alguém tão jovem é dono deste prédio?
- Sim, mais ou menos isso, mas também queria saber por que ele é tão grosseiro.
- Ele late mais do que morde.
- Isso é um trocadilho?
- Não. - Ele riu. - No fundo, Damien é uma boa pessoa. Autoriza hora extra sempre que preciso delas e
é muito generoso na época do Natal... mesmo que pareça ter um pau enfiado na bunda de vez em quando.
- Um pau? Um poste! - Bufei.
- É, de vez em quando é assim. Mas, ei, ele põe a comida na minha mesa, então eu nunca falei nada disso.
- Murray piscou.
- Ele é muito talentoso - eu disse. - Tenho que reconhecer.
- Inteligente também. Pode acreditar. Ouvi boatos de que ele se formou no MIT.
- MIT? Está brincando?
- Não. Não se pode julgar um livro pela capa. Ele inventou alguma coisa. Vendeu os direitos de patente,
aparentemente, e usou o dinheiro para investir em imóveis. Agora ele só recebe os aluguéis e vive como quer,
da arte.
- Uau. Isso é... muito impressionante.
- Mas eu não falei nada disso.
- Já entendi, Murray.
- Planos para hoje à noite?
- Não. Vou só comprar comida e trazer para jantar no apartamento.
- Bom proveito.
- Obrigada.
Vinte minutos depois, voltei ao meu apartamento com tostones e arroz blanco con gandules do meu
restaurante favorito, Casa del Sol.
Depois de comer, sentei em meu quarto e meditei um pouco para me preparar para a minha sessão de terapia
por telefone com a dra. Veronica Little: especialista em traumas de relacionamento.
A duzentos dólares por sessão de uma hora, a doutora Little não era barata. Foi a minha mãe quem sugeriu
que eu procurasse alguém para falar sobre meus sentimentos. Eu não sabia se estava funcionando, mas
continuava com as sessões toda terça-feira às oito e meia da noite.
Talvez eu devesse mandar a conta para o Elec.
***
Eu falava com a terapeuta pelo viva-voz enquanto dobrava roupas no quarto.
- Você repete muito essa pergunta, Chelsea. Se Elec realmente amava você ou não. Acho que parte do
motivo pelo qual não conseguimos ir além disso tem a ver com o conceito do unicórnio.
- Do unicórnio? O que é isso?
- Um unicórnio tem uma beleza mítica e é inatingível, certo?
- Sim...
- Era isso que Greta representava para o Elec. Ele havia descartado a possibilidade de um relacionamento
amoroso porque ela era proibida. Enquanto isso, se apaixonou por você. Esse amor foi bem autêntico. No
entanto, quando o unicórnio de repente se torna atingível, tudo muda. O poder do unicórnio é extremamente
forte.
- O que você está dizendo é que o Elec realmente me amava, mas só quando pensava que estar com Greta
era impossível? Ela era o unicórnio dele e eu não era um unicórnio.
- Exatamente isso... Você não era o unicórnio dele.
- Eu não era o unicórnio dele - repeti em voz baixa. - Será que posso...
- Lamento, Chelsea. Nosso tempo acabou por hoje. Vamos explorar esse assunto um pouco mais na
próxima terça-feira.
- Ok. Obrigada, dra. Little.
Soltei um longo suspiro, me joguei na cama e tentei entender o que ela havia acabado de dizer.
Unicórnio. Hum.
Meu corpo enrijeceu quando ouvi risadas.
No começo pensei que estava imaginando.
Vinha de trás da cabeceira da minha cama.
Levantei com um pulo.
- Unicórnio. Que porra! - ele disse com sua voz profunda antes de gargalhar de novo.
Damien.
Ele estava ouvindo a minha sessão de terapia!
Meu estômago revirou.
Como ele tinha conseguido ouvir tudo pela parede?
- Você estava escutando a minha conversa? - perguntei.
- Não. Você estava interrompendo meu trabalho.
- Não entendi.
- Tem um buraco na parede. Não dá para não ouvir suas conversas malucas por telefone quando estou
trabalhando.
- Um... buraco na parede? Você sabia sobre esse buraco?
- Sim, ainda não consegui consertar. Já devia existir quando comprei o prédio. Provavelmente, era um
buraco da glória, ou alguma merda desse tipo.
- Você tem escutado as minhas conversas... por um buraco da glória?
- Não, você tem me submetido a conversas cretinas com pessoas que estão roubando seu dinheiro... por um
buraco da glória.
- Você é um...
- Babaca?