Ainda com o cabelo bagunçado, pijama e chinelo, me debruço sobre o balcão suspirando enquanto formulo mil e uma teorias sobre o sonho de ontem. Ao reviver aquele sonho, lembro-me da minha marca de nascença perto do peito, bem onde o homem denominado como Edgar atirou no momento em que eu sonhava, será que existe mesmo essa coisa de outras vidas? Ou almas gêmeas?
A voz do Ramon não sai da minha cabeça, ouço a todo instante ele me dizer
"- Não importa como, sempre nos encontraremos, te amarei por toda a eternidade."
Será que alguma parte disso foi real? Tantas perguntas sem qualquer resposta e a principal delas é: se foi real e por que só tive esse lapso de memória agora?
- Safira, você está me ouvindo?
Volto a realidade ao sentir a mão do Leonardo tocar o meu ombro. Lembro-me da noite anterior quando ele me espancou e fugi, depois de passar algumas horas na casa dos meus amigos ele apareceu na porta do prédio na madrugada e disse que não sairia dali sem mim.
Victor queria chamar a polícia porque temia o pior, mas, iludida como sou, acreditei que Leonardo estava arrependido e aceitei ir com ele que me presenteou com um lindo buquê de flores para dar ênfase a suas desculpas.
Não sei quanto tempo ele está aqui. Os minutos de repente se tornaram horas, balanço a cabeça em negativa, espantando alguns pensamentos, pronta para ouvir o que meu marido tem a dizer. Largo a xícara de café na bancada e me viro para encará-lo.
- Hm... Desculpa, o que você dizia?
- O que pensa tanto que não ouviu o que disse? Você sabe o quanto odeio repetir as coisas! - Ele fecha os punhos colocando-os sobre o balcão. - Preste atenção dessa vez, me entendeu?
- Desculpe, estou te ouvindo. - Forço um leve sorriso e guardo meus receios.
- O banco pretende expandir o mercado implantando outro polo no Mato Grosso do Sul e como sou o gerente, fui escolhido para avaliar o novo lote, meus superiores visam algo grande para minha carreira, eles pensam em me promover para a presidência, imagine como seria bom para minha carreira isso, e para esse projeto acontecer, vou viajar para o Mato Grosso do Sul por cinco meses e se tudo der certo vamos nos mudar para lá. - Ele sorri, e vejo o brilho de ambição em seu olhar.
- Morar lá? Como assim, Léo? E a nossa vida aqui? Ainda estou na faculdade e não posso abandoná-la assim... é a USP! - Enfatizo o nome da faculdade no meu tom de voz, para ele perceber a importância que a minha bolsa possui. - Ainda faltam dois anos para concluir o curso, e você sabe o quanto lutei para realizar meu sonho em ser médica veterinária.
- Ah, Safira, fala sério, você quer mesmo ser uma simples médica de cachorros? Pense grande, estará casada com um presidente bancário, não precisará fazer nada mais da sua vida, apenas ficar ao meu lado sendo a bela garotinha de sempre, essa faculdade é apenas um hobby idiota, já conversamos sobre isso. - Ele revira os olhos e caminha para o quarto e vou atrás dele.
Me espanto com a revelação que ele me faz, minhas pernas perdem as forças e meu olhar de indignação prevalece.
- Esse é o meu sonho, Leonardo Mendes Junior, quem é você? Não estou lhe reconhecendo mais. - Falo alto tentando soar convincente.
- Pelo amor de Deus, Safira, você quer viver enfurnada em um consultório com cães pulguentos? Esse é seu grande sonho? Faça-me o favor, desde o ensino médio disse que seria um bancário de sucesso e você decidiu ficar comigo, agora não pode voltar atrás. - Ele grita, passando pelo pequeno corredor do nosso apartamento, vou atrás dele com lágrimas nos olhos.
- Eu também possuo sonhos e objetivos nessa vida, não posso seguir cegamente seus passos, você também estava ciente sobre o meu sonho, e disse que o realizaria, somos parceiros, temos que contar um com o outro, em todas as decisões. - Digo com a voz trêmula, completamente nervosa com o pensamento individualista do Léo.
- Contar um com outro? - Ele se vira com os olhos sobressaltados e uma veia pulsa em sua testa. - Não seja hipócrita! - Ele grita e se aproxima, segura meu braço me fazendo encolher.
- Acha que não sei sobre seus planos? Semana passada chegou uma carta de confirmação da sua GRANDE VIAGEM, você é mesmo estúpida em achar que poderia esconder isso de mim. - Ele tira do bolso a carta que a USP me enviou e que não cheguei a ler e a joga com força em minha direção.
- Eu ia te contar sobre isso, Léo, e perguntar sua opinião, mas você não me deu chances de conversar, porque nem fica em casa direito, essa viagem é somente para adquirir novos conhecimentos na área em que irei atuar, não vou morar lá, assim como você irá a trabalho para o Sul, mas pensar em morar, isso é uma grande decisão que deve ser tomada em conjunto.
- Não importa o que pensa sobre isso, após esses cinco meses, se conseguir meu cargo na presidência vamos morar lá, você querendo ou não. - Leonardo diz sem olhar para o meu rosto, ele se veste com roupas sociais e entra no banheiro para arrumar o cabelo, me ignorando por completo.
- Como assim? Estamos construindo nossos objetivos para ter um futuro melhor juntos... - Passo as mãos nos olhos limpando as lágrimas que escorrem em meu rosto. - Somos um casal, uma dupla que tem que contar um com o outro, não dois indivíduos que vivem sobre o mesmo teto por obrigação, estou cansada dessa relação onde somos casados apenas no papel.
- Não foi o que você pensou quando aceitou essa proposta absurda de viajar! - Ele esbraveja, vindo em minha direção e sinto sua saliva pingar em meu rosto. Seu ato parece de um cão selvagem.
- Eu sei que deveria falar com você..., mas... - Gaguejo já estremecendo com medo da sua reação e sinto imediatamente uma bofetada arder em minha face.
- Cala a boca! Estou farto das suas mentiras, deveria me agradecer por ainda estar com você ao meu lado, ninguém aguentaria suas insanidades.
- Você está certo, me perdoa... temos que parar com essa discussão. - Suspiro, absorvendo toda a culpa mais uma vez para mim e saio do seu lado, sentando na beirada da cama.
- Olha o que você me obriga a fazer... - Ele suspira cansado, voltando para o banheiro. - Desculpe por isso, está bem? Não gosto desses seus objetivos, mas podemos conversar sobre tudo isso, chegar a um consenso como sempre fazemos, ok? - Ele sai do banheiro e fica a minha frente. - Vamos parar com essa briga idiota agora, por favor. - Ele me abraça e eu começo a ceder, retribuo o abraço encostando a cabeça no seu abdômen. - Só esqueça essa maluquice de viagem que tudo ficará bem...
- Não temos filhos, não vejo qualquer impedimento para viajar, por que só você pode realizar o que deseja? Vou viajar sim, não é uma questão de troca, ficarei o mesmo tempo que você fora de casa.
- Você não é mais a mesma, o que aconteceu, Safira? Agora quer asas para voar? Você é minha e não precisa disso, quando irá entender que quem decide as coisas aqui sou eu, chega dessa conversa fiada, estou cansado disso já.
- Não estou brincando, Leonardo, assim como você, tenho meus projetos e planos e esse será um deles, você não sentirá minha falta, porque estará trabalhando também, estou investindo em mim mesma. Sou sua mulher, não uma criança que você manda e desmanda, aprenda que também possuo voz ativa e já está decidido.
- Não brinque com minha paciência Safira Mendes Soares, você não sairá desse apartamento, está me entendendo?! - Ele agarra meu cabelo com força, me machucando cada vez mais e levanta a mão, dando-me novamente um tapa em meu rosto.
Sinto minha face queimar, enquanto lágrimas brotam em meus olhos, mais uma bordoada vem em minha direção, ele agarra meu cabelo me impedindo de sair. A dormência em meu maxilar predomina, o encaro perplexa e seus olhos expressam a mesma fúria do homem chamado Edgar, do meu sonho e pela primeira vez o medo invade meus pensamentos ao encarar o Leonardo.
- Me solta... você está me machucando, por favor, pare com isso. - Começo a implorar para ele soltar meu cabelo, meu couro cabeludo arde cada vez mais.
- Me perdoe, não sei o que deu em mim, você falou tantas coisas que perdi a cabeça... - Ele me solta rapidamente e lágrimas brotam dos seus olhos. - Mas a culpa disso é sua, você quer me deixar, e você não pode, porque é só minha! - Ele senta na cama e abaixa a cabeça, coloco a mão sobre seu ombro e o faço me encarar.
- Está tudo bem, você me conhece e sabe que não vou fazer nada além de estudar, por favor, me deixe ir. - Suspiro e lhe dou um selinho sentando ao seu lado. - Quero te avisar que também vou viajar depois de amanhã, o voo sairá às 12h00 nesta segunda-feira. - Digo sem rodeios, ele laceia à gravata com ira e respirando fundo.
- Tudo bem.... - Diz sem olhar para o meu rosto. - Se essa é sua decisão, Safira, não posso fazer nada, a não ser concordar. - Ele suspira, com ar de cansado, e me encara finalmente.
- Sério? - Um sorriso de alívio invade meu rosto. - Estou fazendo o mesmo que você, correndo atrás do que desejo, e não quero brigar, Léo, só ficarei um mês a mais que você fora, será muito rápido, não precisamos de toda essa balbúrdia por isso.
- Assim que voltarmos dessas viagens nós podemos focar mais no nosso casamento, essa distância nos fará bem, pensaremos mais um no outro, sei que sou genioso, mas também sei o quanto te amo, e farei o meu melhor para as coisas voltarem aos eixos.
Ele me agarra e me enche de beijos, depois de alguns minutos me levanto e vou em direção a porta.
- Obrigada, meu amor. - Respondo a ele com um sorriso de felicidade.
- Preciso melhorar em muita coisa com você, e peço desculpas pela minha falta de compreensão, se está feliz com essa viagem tudo bem, não toco mais no assunto, mas lembre-se que sou seu marido e tem que me ouvir. - Ele diz levantando da cama.
- Ouço você todo o dia, só quero o seu apoio.
Sorrio para ele, antes de deixar o quarto.
- Eu sei disso, mas você tem que se lembrar que é minha, Safira, e sempre será, desde o dia em que nos conhecemos e isso nunca mudará. Sou o único homem que vai ficar com você. - Ele suspira, e me acompanha até a cozinha.
- Vou fazer um almoço para nós, seu prato preferido, lasanha de berinjela.
O vejo apanhar a pasta em cima do sofá e torço o nariz inconformada.
- Você vai trabalhar? Não jantamos juntos ontem e não iremos almoçar hoje também? E eu disse que segunda-feira eu estarei rumo ao Canadá, não quer ficar um tempo comigo?
- Preciso resolver algumas coisas no banco, até mais tarde, deixe a lasanha no forno que depois eu como.
Ele beija minha testa em despedida e o encaro indignada.
- Mas hoje é Sábado! O que vai fazer no banco no SÁBADO? - Altero a voz enfurecida. - Você nunca fica em casa, digo que vou viajar segunda-feira e ficar seis meses fora e você vai simplesmente trabalhar ao invés de ficar um tempinho comigo? - Reclamo chorosa.
Ele fica à minha frente e agarra o meu pescoço.
- Para de drama, Safira, depois te recompenso com um jantar ou coisa do tipo, vai sair com as "bichas" dos seus amigos e fica tudo certo. - Ele diz apertando meu pescoço. - Estou atrasado por sua causa, essa conversa está encerrada! - Me joga no chão frio, eu encaro suas costas enquanto cruza a porta de saída meus olhos se enchem d'agua.
Saio da cozinha deixando as panelas para trás e entro no chuveiro. Desta vez será diferente, vou sair de casa e curtir com meus amigos, comprar coisas para minha viagem e esquecer esse homem das cavernas que possuo como marido. Envio mensagem para o Victor contando tudo o que aconteceu e peço para ele me encontrar no shopping às 13h00.
"Leonardo, você vai se arrepender por não me valorizar. " Penso em voz alta ao sair do chuveiro.
Visto um Shortinho preto social, uma camiseta de gola V branca, calço um scarpin nude, escovo meus longos cabelos negros e faço uma maquiagem leve em meu rosto e no meu corpo para cobrir os hematomas.
Preparo minhas malas de viagem, para ficar tudo pronto, logo em seguida saio de casa.
Entro no carro que solicitei por aplicativo e ativo o meu modo automático para esquecer todo o vazio que me consome. O motorista me encara pelo retrovisor e morde os lábios inferiores fazendo-me dar risada, cruzo as pernas e lanço um sorriso para ele.
- Gosta do que vê? - Pergunto provocando-o.
- Claro, dona, você é a mulher mais bonita que já esteve em meu carro. - Ele responde com um sorriso malicioso.
- Muito obrigada. - Agradeço entregando o dinheiro para ele.
- Disponha, até outra hora... Delícia. - Ele diz indo embora.
Entro no shopping Eldorado e caminho até a praça de alimentação, vários olhares me cercam e noto que exagerei no visual. De repente sinto uma mão agarrar meu ombro, meu coração acelera e me viro em um estalo, suspiro aliviada ao ver Vick com óculos de sol, blusa polo azul, calça preta e um chapéu. Ao seu lado, Rafa veste uma bermuda jeans clara, com uma camisa gola V preta, seu cabelo loiro arrepiado destaca o visual.
- Safira! Quase não te reconheci, finalmente minha amazona se soltou. - Victor grita e todos ao nosso redor nos olham, fico vermelha no mesmo minuto. - Mas se você está assim é porque algo aconteceu, na última vez que se arrumou de verdade foi quando brigou com sua avó e isso já faz tempo, nos diga o que houve?
- Meu marido é um verdadeiro estúpido, ele sabia da viagem, porque invadiu minhas correspondências. - Suspiro desanimada. - Além disso decidiu sozinho que vamos nos mudar para o Sul e depois, quando falei o que penso sobre isso, o vi perdendo a cabeça, agarrando meu braço com muita força e quase me vi apanhando mais uma vez.
- Que cretino! Quem ele pensa que é? Onde está o respeito entre vocês? - Victor fica indignado, enquanto Rafael me encara com a expressão séria.
- Safira, está na hora de você aprender a se defender, deixe-me treiná-la, muitas mulheres aderem a defesa pessoal e acredito que também deva tentar. - Rafa diz com o olhar de preocupação de sempre.
- Sei que você tem as melhores das intenções, Rafael, mas não estou pronta para me tornar uma arma contra o meu marido.
- Você não vai atacá-lo, simplesmente se defenderá... se não fizer algo logo ele pode tentar... matá-la. - Os olhos do Victor se marejam, eu o abraço.
- Victor está certo, não queremos perdê-la para aquele miserável, porque se chegar a esse ponto eu juro que não pensarei duas vezes e livrarei o mundo de mais um porco.
- Agradeço a preocupação, pessoal, juro que quando estiver pronta para isso falarei. - Puxo Rafa para mais perto e damos um abraço coletivo. Me sinto mais aliviada ao saber que não estou completamente sozinha, encontrei dois irmãos para vida e eles fazem meus dias melhores. - Dói sentir que meu casamento está se desmanchando aos poucos. - Digo já quase chorando.
- Safira, o apartamento é seu! Expulsa aquele cretino de lá! Você está esperando o que? Outra bofetada? - Vick me repreende e abaixo a cabeça.
- Eu vou fazer isso, mas depois da viagem está bem? Talvez as coisas mudem. - Suspiro.
- Ele é agressivo com você desde a época do colégio, se não mudaram em oito anos que estão juntos, acha que mudará agora? Acorde para realidade, ele não tem jeito, ou você o larga ou poderá acontecer coisa pior futuramente. - Victor diz com a expressão de preocupação.
- Leonardo possui um amor obsessivo Safira e isso não é saudável. - Rafa olha no fundo dos meus olhos, como um perito avalia uma joia. - E sinto que você está infeliz, além disso, está com medo das consequências.
- Você tem razão, Rafael, mas prefiro tomar qualquer decisão depois da viagem, sinto que preciso disso para esclarecer meus sentimentos.
- Bom, se prefere assim eu entendo. - Victor respira fundo e projeta no mesmo segundo um grande sorriso. - Agora podemos ir às compras! - Meus amigos respeitam minha decisão.
Depois de horas entrando e saindo de diversas lojas e conversas sobre coisas aleatórias, decidimos assistir um filme de comédia. Pegamos a última sessão do filme "de pernas para o ar 3" e perdemos a noção do tempo com as gargalhadas que ecoaram na sala de cinema. De repente paro para pensar como sou feliz quando estou longe de casa, noto que o dia se transformou da água para o vinho.
O filme chega ao fim e saímos das salas, encaro o relógio que marca 23h00 e me surpreendo com o tempo que fiquei fora de casa, momentos como esse são raros quando se trata de diversão. Abraço os meninos, pronta para me despedir.
- Tem certeza que você não quer uma carona? - Victor insiste e lanço um sorriso para ele.
- Não precisa "papai", sei me cuidar sozinha está bem? Não precisam se preocupar, chamei o motorista de aplicativo.
- Então deixa a gente ficar com você até ele chegar. - Rafael se pronuncia.
Amo eles como se fossem meus irmãos. Coloco a mão no ombro dos dois.
- Já disse que não precisa se preocupar, podem ir. - Eles finalmente assentem com a cabeça e me deixa ali, aguardando o taxi.
Parada em frente ao shopping vejo um carro estacionar rente ao meio fio, noto os detalhes do carro e vejo que não é o que eu pedi. Caminho alguns passos para frente me afastando do veículo, porém ele continua me seguindo. Corro para o shopping, mas já está fechado e as ruas estão quase vazias.
Um homem de moletom preto sai do carro e corre em minha direção, meu coração acelera e apresso ainda mais os passos, mas não são suficientes para despistar o estranho, sinto uma pressão em meu braço e giro para encarar seu rosto, completamente assustada.
- V-você... murmuro ao ver a face do homem, o motorista de aplicativo que peguei mais cedo. - Socorro! - Grito desesperada.
- Oi, delícia. - Aquele sorriso malicioso de antes aparece e começo a ser arrastada para o carro.
- SOCORRO!!! - Grito mais alto, pedindo mentalmente para que algum ser divino venha me ajudar.
- Calma, você vai gostar! - Ele diz sorrindo.
- Solta ela!
Encaro a sombra de outro homem correndo em nossa direção.
- Calma, só vamos passear! - Ele abre a porta do carro e sinto uma pressão no meu braço do lado contrário. Outro homem me puxa para longe e desfere um golpe no rosto do motorista que me atacou. O homem entra no carro e vai embora, enquanto meu salvador fica à minha frente.
- Está tudo bem com você? - Ele pergunta e o encaro ainda em choque.
- Acho que sim... - Suspiro aliviada. - Obrigada.
- De nada... - Ele responde me observando por alguns instantes.
- O que foi? - O questiono, ainda sentindo a adrenalina tomar conta do meu corpo.
- Só estava pensando, aqui parece ser bem perigoso... você gostaria de uma carona para casa? - Ele pergunta e encaro seus olhos cor de avelã e por algum motivo acredito que posso confiar nele.
- Não precisa se preocupar, já chamei um carro, logo ele estará aqui. - Me afasto desconfiada.
- Tem certeza? Acredito que seria mais seguro se eu te levasse... - Ele insiste e isso me irrita.
- Por que quer tanto me levar? Pretende fazer a mesma coisa que aquele homem? - Altero meu tom de voz e ele faz sinal de paz com a mão.
- Claro que não, eu jamais faria isso com uma mulher, é que apenas me preocupo com sua proteção e. - Ele tenta se justificar, mas o corto.
- Como posso confiar em você? Eu não te conheço! - Dou alguns passos para trás hesitando olhar para ele.
- Acredite, minhas intenções são limpas e claras, quero apenas te levar em segurança para casa. - Ele se aproxima e encaro seus olhos brilhantes. - Se você me permitir, é claro. - Um sorriso brota em seus lábios e algo me diz que posso lhe dar um voto de confiança.
- Tudo bem... - Suspiro baixando a guarda e cedo ao seu pedido.
- Obrigado, assim dormirei mais tranquilo esta noite. - Sorri aliviado pela minha decisão. - A propósito, me chamo Oliver Morin, muito prazer. - Ele estende sua mão e a aperto sem jeito. O calor da sua mão é reconfortante e me sinto protegida.
- Sou Safira Mendes, o prazer é meu. - Nos cumprimentamos e ele oferece seu braço para que eu me apoie.
- Poderia me acompanhar, por favor? - Mais uma vez um sorriso surge em seu rosto.
- Não força a barra! - Respondo-o também sorrindo e seguro em seu braço, o acompanhando.
O frio percorre as ruas, eriçando os pelos do meu corpo. Abraço-me esfregando meus braços para criar algum calor, mas o vento gélido não diminui. Andamos duas quadras e o observo cessar os passos de repente. Olho ao redor para ver se já chegamos em seu carro, mas não encontro algum. Ele retira seu casaco preto e coloca em meus ombros.
- Desculpe a ousadia, mas notei que estava com frio. - Ele me dá explicações sem que eu fale algo.
- O-obrigada. - Visto-me e inspiro o cheiro do perfume masculino impregnado em seu casaco.
Depois de cinco minutos de uma caminhada silenciosa, chegamos ao carro dele. Ele abre a porta eu entro no banco do passageiro e coloco o trajeto no GPS e seguimos em silêncio. Encaro sua sombra sobre o volante e me pergunto de onde ele veio, porque seu sotaque é muito aparente, mas de repente ele vira o rosto, encarando-me de volta.
- Algum problema? - Ele me pergunta com uma expressão preocupada.
- Nenhum, só estava pensando, você não é daqui, é? - Indago curiosa e vejo um leve sorriso se formar em seus lábios.
- Bom, não sei o que me denunciou, mas de fato não sou daqui... vim para o Brasil passar a semana. - Ele diz com um tom de voz descontraído.
- E o que te trouxe até o Brasil? - O questiono enquanto não chegamos ao destino final.
- Digamos que estou aqui para fazer uma pesquisa de história. - Ele diz em um tom leve e divertido, e imagino qual seja sua profissão. - Chegamos... - Diz estacionando na frente do meu prédio. Suspiro desanimada, estava começando a me interessar pela conversa.
- Mais uma vez obrigada, eu não sei o que aconteceria comigo se você não tivesse aparecido. - Lanço um sorriso leve.
- Disponha. - Seu tom de voz é gentil e me sinto segura em sua presença.
- E boa sorte com sua pesquisa de história. - Digo saindo do carro.
- Obrigado, boa noite. - Ele sorri, e vai embora somente quando entro em meu condomínio.
Parada em frente à entrada do edifício percebo que ainda estou vestida com o casaco daquele homem gentil e pergunto-me se terei alguma chance de devolver algum dia. Cruzo os portões e cumprimento o porteiro que me encara surpreso, ele sorri e me informa que o elevador já está funcionando e suspiro aliviada. Meus pés não aguentariam subir até o meu apartamento.
Adentro o prédio e pressiono o meu andar no elevador. Recosto-me no espelho e encaro meu reflexo, uma sensação de realização se forma, por um minuto me sinto uma mulher poderosa, o sorriso toma forma em meu rosto e saio do elevador com o dia ganho. Entro no meu apartamento e o noto ainda vazio, suspiro cansada, tudo o que preciso agora é da minha cama.
Me acomodo nos lençóis finos da cama de casal e viro-me para pegar no sono, mas minha mente vaga entre milhões de pensamentos procurando respostas sobre tudo o que houve.
O sonho da noite passada se materializa em um minuto e não entendo o que meu inconsciente tenta me dizer. Quando fecho os olhos sinto o toque do Ramon acariciar meus braços, enquanto o som da sua voz ecoa pelos meus ouvidos fazendo-me arrepiar, mas uma coisa eu entendo, irei encontrar minhas respostas custe o que custar.