Termino de esvaziar a última caixa da mudança. São 03h da manhã e estou exausta. Olho pela janela e vejo a lua iluminando a rua vazia. Estamos em um pequeno apartamento no Centro de Santa Catarina, próximo ao hospital onde começo a trabalhar amanhã. Alice começa na nova escolinha amanhã e também está animada demais. Foi um sufoco coloca-la pra dormir. Tive que reler o diário da gravidez de Sophi todo para a pequena ter sono. Tem sido assim nas últimas duas semanas. Escondi a carta que fala dos dois homens que podem ser o pai dela. Estou criando coragem para poder procura-los. A verdade é que não faço ideia onde procurar. Talvez nos sites de pesquisa na internet. Vejo meu computador instalado na mesinha, no canto da sala. Estou sem sono e não posso dormir, já que preciso me adaptar a rotina dos plantões noturnos. Foi uma escolha minha passar as noites no hospital. Assim posso cuidar da Alice durante o dia.
Uma amiga cuidará dela aqui em casa nas noites que estiver fora. Tudo devidamente planejado. Faço um chá e me sento em frente ao computador. Abro no site de pesquisa e pego a carta de Sophi na minha agenda. Respiro fundo, desejando do fundo do meu coração que consiga algo. Digito o primeiro nome e clico em pesquisar. A página abre com muitas reportagens sobre o homem. Rolo a página para baixo e vejo que é rico, dono de empresa. Não vejo nenhuma foto, somente coisas sobre a empresa. Clico em alguns links e vejo que a empresa faz grandes doações a instituições de caridade e possui projetos com meio ambiente.
Isso me agrada muito. Um pai com coração generoso seria perfeito para Alice. O dinheiro não me importa muito. Sempre cuidei da minha pintinha sozinha e não preciso do dinheiro dele. Só quero que a ame tanto quanto amo. Pesquiso o segundo nome. Novamente a pesquisa volta com muitas reportagens. Não deveria ficar chocada por também ser um homem rico. Sophi vivia enfiada nas festas poderosas dos riquinhos de Santa Catarina. Adorava o mundo luxuoso e poderoso deles. Parece que não foi difícil se envolver com o poder. Este homem não me parece tão correto assim. Muitas reportagens sobre festas, condutas erradas no trânsito e bebida em excesso. A última reportagem me chama atenção. Ele é noivo e se casa em algumas semanas. Isso pode ser um enorme problema. A noiva não iria gostar de saber de uma filha do noivo, fora do casamento. Talvez seja uma péssima ideia isso. Fecho a tela do computador um pouco decepcionada.
O primeiro seria o pai perfeito, aparentemente, mas o segundo seria uma péssima opção de pai. Do jeito que Sophi era terrível, não duvido nada que seja o irresponsável o pai de Alice. Isso explicaria o dom da pequena em arrancar as coisas da gente. Estou sorrindo, mas preocupada. A lábia da Alice às vezes me assusta e ela só tem cinco anos. Decido ir dormir e deixar para amanhã a decisão sobre isso. O sono não vem e já revirei a cama mil vezes. Tudo que vi na internet sobre os dois homens martelam na minha cabeça. Tenho que resolver isso logo. Encontrar o pai e depois ver se pode se aproximar da minha pintinha. Converso com os dois, fazemos o exame de DNA e com o resultado nos preparamos para ela. Isso se os dois concordarem em fazer o exame. E se um dos dois for realmente o pai. Saio da cama decidida. Corro para o computador e o abro. Procuro nos sites um telefone ou um e-mail para falar com eles. Provavelmente esses e-mails são monitorados por secretárias. Só espero que elas repassem a eles. Anoto os e-mails e abro o meu. Digito os endereços eletrônicos e clico em assunto.
Assunto: PASSADO IMPORTANTE
Boa noite! Me desculpem o horário, mas o assunto é de muita importância. Me chamo Janaína Kochhann e sou irmã de Sophi Kochhann. Talvez não se lembrem dela, mas fez parte do passado de vocês há seis anos atrás.
Devem estar se perguntando porque o passado resolveu dar as caras. Gostaria muito de lhes explicar o motivo de procura-los, mas isso teria que ocorrer pessoalmente. Hoje estarei no Café Paris, ao lado do Hospital de Santa Catarina ás 15h, para lhes contar algo importante e assim entenderem minha procura por vocês.
Entenderei perfeitamente caso não apareçam, já que sou uma estranha, marcando um encontro. Mas o assunto é muito importante e pode mudar a vida de um de vocês dois. Assim como a minha e de uma outra pessoa. Aguardarei no café até ás 15:30h.
Atenciosamente
Janaína Kochhann.
Leio a mensagens umas vinte vezes, tentando criar coragem para enviar. Levanto da cadeira e ando de um lado para o outro. Tenho medo de estar fazendo uma enorme besteira e acabar machucando Alice. Merda! Merda! Merda! Direciono a seta na tela para excluir. Meu coração acelera e me lembro de cada vez que Alice me perguntou porque não tinha um pai. Fecho meus olhos e mudo a seta para enviar e clico. Espero não estar fazendo uma enorme burrada. Abro os olhos e vejo que o e-mail foi enviado. Seja o que Deus quiser!
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Encaro minha xícara de café, com a cabeça a mil.
- Mãedinda...
Olho para frente e vejo Alice me encarando.
- Você está com a cabeça nas nuvens, hoje.
Abro um enorme sorriso.
- Pensando na vida.
- Pensando em um menino?
Seu sorriso se amplia.
- Menino? De onde tirou isso?
- Vi na novela ontem. A menina ficava com essa mesma cara de boba, pensando no menino.
- Pintinha... quem deixou você assistir novela?
- Você nunca me disse que não podia assistir.
- Eu iria imaginar que você gosta de novela?
- No meu quarto só um canal pega. Assisto novelas estranhas, mas muito boas. Acho estranho como eles falam e a boca se mexe estranho.
Estou rindo da carinha dela.
- Deve estar assistindo novelas dubladas.
- Às vezes para de sair som da televisão, mas a boca deles ainda mexe.
- É assim mesmo.
- Mas gosto da menina, parece gostar do menino.
- Você pode parando de assistir isso. Ainda não tem idade pra entender de gostar e romances.
- Você devia arranjar um menino pra você. Um que te faça ficar com cara de boba.
- Vai escovar seus dentes. Saímos em cinco minutos pra escola.
- Coisa feia! Fugindo da conversa.
Fala rindo e levanta da cadeira.
- Vou arrumar um menino pra você.
- Não quero nenhum menino. Estou bem assim.
- Serei a pintinha cupido.
Sai da cozinha toda animada, me deixando chocada. Ela me surpreende cada vez mais.
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Após deixar Alice na escola e passar a maior vergonha do mundo, quando ela tentou me fazer conversar com um homem na rua, vou fazer minhas coisas. Resolvo alguns problemas e compro algumas coisas para a nossa nova casa. Olho o relógio e já são 14:30h. Entro no café com as mãos geladas e molhadas. Sento em uma mesa, perto da porta e fico de olho para ver se alguém aparece. A verdade é que não faço ideia de como são. Decido fazer um papel com meu nome e deixar apoiado no suporte de papel, virado pra porta. Cada vez que a porta abre, meu coração para de bater. Olho meu relógio e vejo que são 15:15h. Eles não vão aparecer. Talvez não tenham recebido o e-mail. Respiro fundo e começo a recolher minhas coisas.
- Janaína!
Ergo minha cabeça e vejo um belo homem de sorriso encantador. Solto minhas coisas e me levanto.
- Isso...
- Sou Daniel Visentin!
Estende a mão e a pego, recebendo um aperto suave.
- Janaína!
Olho para trás e vejo outro homem. Este com um sorriso sedutor no rosto ao me ver. Daniel com toda a certeza do mundo é o dono da empresa, com o coração bom.
- Sou Diego Mantovani!
Diego deve ser o noivo rico, que se acha demais.
- Sentem! Tenho algo importante para lhes contar.