Amadeo estava sorrindo. Ele não precisava dizer o que quer que fosse, eu sabia o que ele estava
pensando. "Boa menina, Nahia, você conseguiu!"
É... pois é. Consegui. E não vou mentir: estava muito satisfeita comigo mesma. Foi uma
experiência única e extremamente excitante e eu me peguei perguntando a mim mesma, depois que
Nick se foi, por que diabos, nos quatro anos que eu já morava em Amsterdã, nunca tinha me ocorrido
experimentar isso?
Bom, antes tarde do que nunca, creio eu. O número do Elite Escorts foi para agenda telefônica do
meu celular e eu comecei a calcular quanto por mês seria aceitável gastar com visitas de Nick.
– Você não precisa disso. Não quero dizer que não tenha sido interessante, mas você pode
conseguir homens muito melhores e de graça.
Estreitei os olhos para ele e suas habilidades telepáticas.
– Melhor do que ele?
Amadeo deu de ombros.
– Talvez não com tanta experiência. Mas vamos, Nahia... figurinha repetida não completa álbum.
Contratar o gigolô foi legal, mas você já fez. Temos que seguir em frente. Visitar novas
possibilidades.
– Tipo o quê?
Ele se aproximou. Estava completamente vestido e notei que ele ainda tinha a aparência de Nick.
– Como você sabe a aparência dos homens que eu vou encontrar? Como o meu subconsciente pode
saber? Eu nunca tinha visto nenhum dos dois antes. Nem o cara do bar, nem o Nick. Como minha
mente sabe?
– Sua mente não sabe de nada. Sou eu quem sabe – ele me ofereceu seu sorrido sedutor e
criminoso.
Déjà-vu explicava aquilo muito bem. Eu não tinha sonhado com alguém igual ao Nick. Era
impossível. Eu tinha sonhado com alguém, e quando Nick apareceu, o déjà-vu tomou conta e eu
fiquei com a sensação de que já o tinha visto antes. Era isso. Dois mais dois continuavam sendo
quatro e estava tudo bem com minha sanidade. Amadeo colocou a mão em minhas partes íntimas por
cima do meu jeans. Eu o encarei com os braços cruzados.
– E o que você quer agora?
– Estou satisfeito com você. O jeito como olhou pro seu vizinho. Foi bem interessante... Diferente
do seu normal. Estou satisfeito.
– Ótimo, Amadeo. Nota dez pra mim. E agora?
– Ah, ansiosa pra sua próxima tarefa?
Algo dentro de mim se mexeu confortavelmente. Não tinha parado para racionalizar nada do que
tinha acontecido nos últimos dois dias. Mas tinham sido 48 horas bem interessantes, e seja lá o que
Amadeo fosse, eu estava pronta para o que ele tinha a dizer. Eu estava esperando por um divisor de
águas na minha vida há muito tempo.
Sorri para ele com uma confiança recém-descoberta.
– Estou sim. O que vamos fazer amanhã?
Ele continuou com uma mão no meio das minhas coxas e segurou minha cintura com a outra. Era
como se Nick ainda estivesse me dando uma aula.
– Suas cortinas estão fechadas. Acho que você precisa abri-las.
Fiz uma careta pra ele. Estava com vergonha do meu vizinho. Isso era óbvio. Tinha sido um pouco
direta demais e agora preferia não ter que encará-lo além da minha janela, obrigada.
– Vai fazer o quê, Nahia? Ficar enfurnada aqui o resto da vida?
– Não o resto da vida, apenas tempo suficiente para...
– Acho que ele não vai esquecer que você o encarou enquanto transava com outro homem. Seu
apartamento corre ao longo do dele, Nahia. Praticamente todas as janelas da sua casa têm vista pra
janela dele. Você tem que deixar o oxigênio entrar.
– Eu posso abrir a porta.
– Nahia! – ele me soltou, irritado. – Não adianta você ousar ser confiante e depois esconder a
cabeça embaixo da terra. Você estava com um homem na cama, seu vizinho voyeur observou vocês.
Você piscou pra ele e o encarou enquanto rebolava no pau de um gigolô. Você gostou?
Balancei a cabeça afirmativamente de uma vez. Não adiantava esconder nada de Amadeo.
– Ótimo. Pois eu garanto a você que seu vizinho também gostou – ele hesitou por dois segundos. –
Vamos fazer o seguinte.
Ele deu dois passos para trás e eu o vi mudar diante dos meus olhos. Nick sumiu e agora era o meu
vizinho que estava ali, na minha frente. A toalha branca mal amarrada na cintura ameaçava cair a
qualquer momento. O corpo estava molhado do banho, o cabelo arrepiado se espalhava confuso pela
sua cabeça.
Prendi a respiração. Isso não tem graça, Amadeo. Nem um pouquinho.
Ele esticou o braço para tocar minha mão e eu recuei. Amadeo expirou longamente enquanto eu
desviava o olhar.
– Você tem que se sentir à vontade com sua própria sexualidade, Nahia. Acho que precisamos
trabalhar isso.
– Desde que não envolva abrir minhas cortinas...
– Não. Vai envolver um passeio.
Certo, agora eu estava intrigada.
– Um passeio?
– É, querida. Um passeio até o sex shop mais próximo. E urgente.
***
Os canais de Amsterdã eram minha parte favorita da cidade. Havia algo na ação de cruzar uma
pequena ponte que me fazia sentir como se estivesse cruzando o Sena. E cruzar o Sena significava
estar em casa.
A Holanda já era meu lar há alguns anos. Mas depois de uma vida inteira cercada pela Eiffel, pelo
Louvre e pela Sacré-Coeur, era difícil achar qualquer outro lugar agradável. Sim, sou uma parisiense
bairrista. Somos todos bairristas – e, se você morasse lá, também seria.
Andei pelas ruas bem arborizadas em direção ao Red Light District. Parei na frente do Baba
Coffeshop; pelas grandes janelas eu podia ver um senhor tomando um chá de algum tipo e um grupo
de adolescentes experimentando o que, creio eu, deveriam ser várias e várias fatias de space cake.
Olhei ao redor. Se havia um lugar do mundo onde você não precisava ficar com vergonha de visitar
um sex shop, esse lugar era Amsterdã. As ruas eram apinhadas de lojas de artefatos sexuais com os
mais variados avisos e propagandas nas vitrines. Elas indicavam que você poderia comprar dois
vibradores pelo preço de um, que para compras acima de cem euros você ganharia um cupom de
desconto para algumas garotas no Red Light, e todo o tipo de absurdos. Bem... talvez absurdo não
seja a palavra correta. Não em Amsterdã, pelo menos.
Andei ao longo da rua e optei por uma loja que descrevia a si mesma como "o sex shop mais
vibrante da cidade". Muitas pessoas entravam e saíam de todos os lugares. Era época de férias e a
cidade estava abarrotada de turistas querendo conhecer as liberdades e libertinagens que só
Amsterdã poderia propiciar. Ninguém estava prestando atenção na pequena Nahia entrando em uma
loja erótica e eu sabia disso. Mas ainda assim dei uma conferida rápida por cima do ombro para ter
certeza de que não tinha ninguém conhecido nos arredores.
Vibradores de diferentes cores, tamanhos e texturas, cremes que esfriavam e esquentavam, com ou
sem fricção, roupas íntimas comestíveis dos mais diversos gostos, fantasias femininas e masculinas
costuradas com pouquíssimo pano, variadas edições do Kama Sutra, calendários que mostravam
imagens picantes, levemente eróticas e completamente pornográficas, ampulhetas preenchidas com
líquidos coloridos que borbulhavam quando você as tocava, dvds e mais dvds de filmes eróticos de
todos os tipos, livros, revistas, e algo que me perturbou muito: uma coleção em pop-up de contos de
fadas recontados de modo que alguém sempre transava com alguém. Em pop-up!
Escolhi um vibrador simples e prateado com três velocidades. Era modesto, nem muito grande nemmuito grosso. Engoli a vergonha e fui até o balcão. A atendente era uma jovem de uns vinte e poucos
anos que, sem dúvida, estava muitíssimo acostumada com o trabalho. Informou o preço de modo
bastante casual e não me encarou por mais do que dois segundos – o que me deixou muitíssimo
agradecida. Mas, ainda assim, era constrangedor. Tratei de me ocupar com os itens ao redor do caixa
para evitar olhar na direção da jovem vendedora. Dei-lhe meu cartão de crédito. Digitei a senha.
– Esse daqui é do mostruário – ela balançou o item fálico no ar. – Vou pegar um na caixa pra você.
– Tudo bem – eu concordei com a cabeça baixa e as mãos ocupadas com os produtos ao meu
alcance. Lembro que estava verificando a encadernação de uma edição particularmente enfeitada de
um Kama Sutra enquanto segurava um vibrador longo e azul com sete velocidades e um led que
piscava colorido quando a ouvi dizer:
– Ah! Senhor Kioujin! As revistas do senhor estão aqui. Vou buscá-las, só um minuto.
– Tudo bem, Ankie. Não tenho pressa.
A voz masculina e profunda atrás de mim fez com que eu tremesse dos pés à cabeça. Olhei para
trás rapidamente e lá estava o meu vizinho oriental. Ele me cumprimentou com um aceno rápido e
sorriu. Eu me virei pra ele e sorri timidamente de volta. Ele olhou para as minhas mãos e alargou um
sorriso, como se estivesse achando muita, muita graça da situação. Alguma coisa dentro de mim
gritou que eu ainda estava segurando um manual de sexo e um pênis de borracha. Voltei a encarar o
caixa e ele continuou em seu lugar na fila bem atrás de mim. Eu juro que podia sentir seu sorriso.
Levantei os olhos e notei um longo espelho atrás de onde a atendente estava sentada. Ele estava atrás
de mim, tinha as mãos entrelaçadas na frente do corpo e um sorriso divertido na boca. Nunca tinha
visto esse tipo de sorriso antes. Acho que é como sorriem os homens que encontram suas tímidas
vizinhas em um sex shop segurando um guia ilustrado de posições sexuais e um item fálico artificial
para ser introduzido na vagina.
Respirei fundo, coloquei os itens de volta nas prateleiras. Ajeitei a alça da bolsa no ombro e fui
cuidadosamente em direção à saída. Mais uma vez, ele me cumprimentou com um aceno, enquanto
dava um passo à frente na fila. Se a situação permitisse uma conversa de elevador, seu sorriso deixou
claro que ele diria algo como "É, garota. A noite vai ser boa, hein?".
Segui para casa em um estado de torpor robótico e só recuperei o fôlego quando estava novamente
na segurança do meu elevador, a poucos segundos da minha casa.
– Bom dia.
Olhei para o lado. Ele tinha os cabelos escuros e lisos caindo até as orelhas. Era alto e forte e
tinha algo estranhamente familiar em sua fisionomia.
– Qual andar? – perguntei, já com a mão no painel.
– Oitavo.
Olhei de volta para ele. O oitavo andar era o meu andar. Ou melhor, meu e do...
– Você é o garoto do Nathan – concluí.
– Quando você diz assim eu sinto como se ainda devesse estar usando fraldas – sorriu. – Mas sim,
o Nathan é o meu pai.
– Ah – minha mente ainda estava confusa com o constrangimento no sex shop, mas senti que minha
boca estava falando sem minha autorização. – Legal você vir ver o seu pai. Já conhece bem a cidade?
– Um pouco.
– Se precisar de ajuda, qualquer dia. É só avisar.
Senti seus olhos passeando em mim.
– Ah, com certeza – ele afirmou.
Sorri de volta sem muita cordialidade. Tinha a sensação de que algo estava horrivelmente errado.
As portas se abriram e eu segui para o meu apartamento. Assim que tranquei a porta atrás de mim,
compreendi o meu problema.
– Filha da puta! – exclamei para mim mesma.
Tinha esquecido meu vibrador na loja.
***
Fiquei andando de um lado para o outro esperando o tempo passar. Tinha que ter certeza de que,
quando voltasse, não haveria a menor possibilidade do meu vizinho ainda estar lá. Cheguei a pensar
em abandonar o meu item recém-adquirido. Podia comprar outro, em alguma loja bem longe da
vizinhança. Mas a voz de Amadeo estava lá, consumindo minha sanidade, gritando que ele ficaria
furioso se eu desistisse diante de um empecilho bobo. Sua voz era tão coerente que eu comecei a
ficar com raiva de mim por ter ido embora da loja. Ora, ele também estava lá, não estava? E era um
cliente fixo, aparentemente. Eu é que deveria ter rido dele. Não é?
Não... Amadeo suspirou no fundo da minha mente. Você não poderia ter rido dele porque, ao
contrário de você, ele não estava com vergonha. Ele não estava nem aí...
Quatro batidas na minha porta e meu coração parou. Levantei do sofá e enfiei a cara no olho
mágico. Quem poderia ser?
Claro... Mas é claro... Lá estava o meu vizinho oriental. Que tipo de inferno era esse em que eu
tinha me enfiado? Será que ele queria se desculpar por ter rido? Será que queria se desculpar por ter
bisbilhotado minha vida? Será que...
... ele quer tirar sua roupa e te jogar na cama como ele viu você fazendo com o Nick?
Ah, cala a boca, Amadeo. Não preciso disso. Não agora.
Certo, Nahia. Afaste-se da porta bem devagar e fique em absoluto silêncio. Ele vai desistir. Ele
vai embora.
– Ahn... – ele estava falando. – Você esqueceu sua sacola na loja. Só passei pra entregar. Não sei
se você está aí, então só vou deixá-la aqui na porta, certo?
Ah, ótimo! Um vibrador em uma sacola de sex shop para o filho do Nathan ver. Ótimo.
Fui até a porta, decidida a me livrar dele o mais rápido possível.
Girei a chave.
– Ah! – ele sorriu. – Olá. Acho que você estava com pressa – esticou a sacola em minha direção.
Fingi que estava falando com a moça do Elite Escorts.
– Obrigada. Posso ser meio atrapalhada – peguei a sacola. Eu não podia dizer que não era minha,
podia? Acho que era um pouco tarde para me fazer de desentendida. Talvez colasse antes de eu ter
rebolado no pau de um cara enquanto o encarava e piscava para ele... Agora, não mais.
– Sinto muito pelo outro dia – ele continuou. Tinha uma voz doce e um sorriso sensual. Era como
se ele estivesse preparando o caminho para algo que inevitavelmente aconteceria. – Não quis... – ele
passou as mãos no cabelo. – Ah, diabos, quis sim – sorriu. – Mas foi impossível não olhar.
– Você quer entrar? – perguntei um pouco rápido demais. Como estava virando tradição na minha
vida, ficou claro que ele entendeu errado. Ele entendeu meu convite como algo mais, enquanto tudo
que eu queria era que ele parasse de falar sobre sua experiência voyeur no meio do hall.
– Ah, sim. Claro – deu de ombros e eu saí do caminho.
Fechei a porta atrás dele. Era melhor esclarecer logo a situação antes que a coisa toda tomasse o
caminho errado.
Que caminho errado, Nahia? Você acha ele gostoso, não acha? Qual o problema?
Ora, cale-se, Amadeo, não quero que ele pense que eu sou uma pervertida.
– Olha... – pus as mãos na cintura e tentei parecer o mais formal que uma pessoa podia parecer
tendo um vibrador nas mãos. – Obrigada por ter vindo até aqui só pra me devolver isso, mas
apreciaria se não conversássemos sobre ontem na frente dos meus vizinhos.
– Nossa, perdão. Claro, claro. Só quis ter certeza que você não tinha ficado ofendida. Se ficou,
não foi minha intenção.
– Isso foi um pedido de desculpas?
– Desculpas? – ele sorriu – Não, de forma alguma. Acha que eu devia me desculpar?
– Por estar bisbilhotando minha vida? Talvez... – mantive as mãos na cintura em uma tentativa de
recuperar o controle. Fazê-lo se sentir mal pela sua intrusão era o primeiro passo.
– Estava só olhando pela minha janela. E, se não me engano, você parecia bastante satisfeita.
Como ele ousa? Enchi o peito de ar.
– Tem razão, fiquei ofendida, senhor... senhor...
– Kioujin. Pode me chamar de Kio.
– Senhor Kioujin, acho melhor o senhor ir embora.
– Você é muito contraditória, não é?
– Com licença? – perguntei, agressiva, já com a mão na maçaneta.
– Quero dizer: você é tímida. Fica me olhando quando eu ando de toalha pela casa, mas se esconde
quando eu percebo. Aí você transa com o seu amigo me encarando como se fosse eu que estivesse
com você na cama e depois sai correndo de um sex shop porque ficou constrangida por eu ter te visto
com um Kama Sutra e um vibrador? Aí você me chama pra dentro do seu apartamento porque não
quer conversar sobre isso no hall, mas quando eu converso sobre isso, você me manda pra fora. Você
não tem dupla personalidade, tem? – sorriu.
– O senhor não me conhece para estar falando comigo com tanta intimidade.
Ele colocou as mãos espalmadas em minha direção em um claro sinal de rendição.
– Foi só uma brincadeira, senhorita...?
Mordi o lábio. Ora, vamos... Não seja infantil.
– Nahia – respondi de qualquer jeito.
– Senhorita Nahia, só quis ter certeza de que não estava ofendida e que não ia morrer sufocada
aqui com todas essas cortinas fechadas porque estava com vergonha de mim. Juro solenemente nunca
mais observar sua vida. Tudo bem?
Algo dentro de mim estava choramingando. Foi bom tê-lo me olhando enquanto transava com o
Nick. Foi muito bom. Era possível que eu quisesse que ele me observasse? E se ele estava jurando
não olhar além de sua janela para o meu apartamento, deveria eu fazer o mesmo?
Acho que a contradição estava estampada no meu semblante.
– A senhorita pode continuar a me observar se quiser, não tenho qualquer problema com isso.
Arrogante!
– Não quero observá-lo! – rosnei. – E não vou! – ah, ótimo. Parabéns, Nahia. Agora não vamos
mais poder ver o gostoso sem camisa.
– Não quis soar prepotente, senhorita Nahia. É porque eu trabalho com isso. Não fico
constrangido.
Trabalha com isso? Por Deus! Então meu arquiteto era um ator pornô?
– Trabalha com o quê?
– Sou desenhista. A senhorita já ouviu falar em hentai?
Fiz que não com a cabeça.
– Bem, são animações ou quadrinhos com temáticas eróticas. Eu sou desenhista e trabalho com
isso há alguns anos. Conheço muita gente no meio e... não fico constrangido com esses assuntos. Não
posso, entende? – sorriu.
– Você faz quadrinhos eróticos? Pra crianças? – estava enojada.
– Não! Você é louca? São para adultos. São quadrinhos e animações para adultos – ele repetiu.
Queria que ficasse bem claro.
Senti-me como uma ignorante por alguns segundos. Eu trabalhava em uma editora e nunca tinha
ouvido falar desse tipo de trabalho. Devia realmente estar vivendo em uma bolha, sem conhecer
muita coisa além do meu cotidiano.
– Bem... – Kio respirou fundo e continuou. – Eu vou deixá-la em paz, senhorita Nahia. Só quis
devolver seus pertences e ter certeza de que a senhorita vai, eventualmente, abrir suas cortinas sem
medo da vida. Não sou nenhum sociopata que vai começar a filmar a senhorita, nem nada do gênero.
Posso garantir isso. Tenha um bom dia.
Ele avançou em direção à saída. Eu ainda tinha a mão na maçaneta, de modo que ele teve que
segurar minha mão para abrir a porta. Sei que isso é estúpido e parece o tipo de coisa que você
encontra em um diário de uma menina de doze anos de idade, mas aquele simples toque me envolveu
com um milhão de sensações diferentes.
E então, ele se foi. E eu fiquei pensando se não deveria ter lhe oferecido algo para beber.
***
Abri minhas cortinas.
Queria que, quando ele voltasse para sua casa, já estivesse tudo aberto.
Você poderia pensar: por que fez isso? Era melhor tê-las deixado fechadas por mais algum tempo
para que ele não tivesse a certeza de que foi por causa dele que você se escondeu.
Mas eu estou experimentando um novo jeito de viver minha vida. Sendo sincera comigo e com o
mundo. E vamos combinar... ele já tinha certeza que era por causa dele que eu tinha fechado as
cortinas. E ele estava certo.
Ele foi direto para sua mesa trabalhar e não me direcionou um único olhar. Pelo menos não
enquanto eu estava olhando. Por Deus, homem! É domingo. É dia de descanso, não de trabalho.
Mas lá estava ele. Fazendo sabe lá o quê com seus hentais. Talvez ele estivesse se divertindo e
não trabalhando. Ou talvez seu trabalho fosse divertido. Enfim, seja como for, ele estava na sua mesa,
e eu fui para o meu banheiro testar meu brinquedo novo.
Fazer amor com você mesma é uma sensação libertadora. Você não precisa se sentir envergonhada
ou intimidada. É só você e o seu corpo. Duas coisas que você conhece muito bem. O seu próprio
toque é preciso: no lugar certo, no momento certo. A velocidade é perfeita, a constância é adequada.
Tudo é exatamente do seu gosto. Você pode ficar em silêncio ou rosnar obscenidades. Não precisa se
preocupar com excitar ninguém a não ser a si mesma.
Eu já tinha me masturbado antes, é claro. Mas nunca com itens. Era sempre só os meus familiares
dedos ou o jato do chuveirinho. O vibrador era interessante. Parte da excitação vem de uma
sensação inesperada que nunca acontece quando você é a responsável. Mas o movimento autônomo
do vibrador adiciona esse elemento à masturbação. Um toque inesperado. Um algo a mais que não
está completamente no seu controle. Era muito muito agradável.
Gozei com a cabeça contra a parede e os olhos no teto. Recuperei meu fôlego e liguei o chuveiro.
Lavei meu corpo e meu vibrador. Eu poderia dizer que não estava pensando em Kio enquanto me
masturbava, mas você saberia que era uma mentira deslavada, não é?
***
Era uma mulher de longos cachos loiros e belos olhos verdes. Tinha um lindo corpo e estava nua.
Foi a cicatriz vertical ao longo do seu peito que denunciou quem ela era.
– Amadeo? Mas o que diabos é isso agora?
Ela me tocou no ombro.
– Estou muito satisfeita com você, Nahia. Nenhum desafio parece pará-la. Você tem se saído muito
bem.
Eu pensei em afastá-la, mas sentir uma mulher nua me tocar e acariciar meu braço estava sendo
estranhamente gostoso. Então, resolvi deixar Amadeo continuar a fazer o que quer que estivesse
fazendo.
– Você quer que eu fique com uma mulher?
– Quero que você experimente opções. Você teve uma vida sexual patética porque nunca esteve
aberta a novas opções. Passou a vida idealizando parceiros perfeitos e não se contentando quando
descobria suas inevitáveis imperfeições. Desejar um homem, não fazer nada para conquistá-lo e ficar
com outro querendo que fosse o primeiro não vai te satisfazer, Nahia.
– E ficar com mulheres vai resolver isso?
– Você precisa desmistificar o sexo. Sexo pode ser amor com um parceiro ideal. Mas também
pode ser só sexo. Você experimentou um gigolô e foi interessante, não é?
Fiz que sim com a cabeça.
– E experimentou fazer amor consigo mesma e também gostou, não é?
Concordei mais uma vez.
– Mulheres podem ser mais uma opção pra você. Experimente. Sim, pode ser que você não goste.
Mas... – ele/ela levantou o indicador. – Pode ser que goste.
– E é essa mulher que tenho que procurar? – apontei para o corpo que Amadeo tinha escolhido
usar naquela noite.
Ele sorriu e se afastou. Tentei segui-lo, mas ele se foi. E logo eu estava sonhando com outras
coisas. Não demorou muito para o meu despertador tocar.