O escritório era visto como uma jaula, uma caixa de contenção que tinha a frente toda em uma parede de vidro, o que aterrorizava as trabalhadoras daquela parte que ficava literalmente frente ao espaço. A zona de costura. Porque era dali que vinha os olhos da chefia e isso bastava para impor medo. Naquele momento, a dita parede estava coberta completamente pela cortina negra que impedia qualquer visão tanto de dentro, quanto de fora, e o loiro estava com o olhar concentrado sobre uma ata manual contábil. Não era como se aquilo pudesse entrar no sistema. Diferente do que se esperava, aquela ata não pertencia aquela fábrica, mas a um dos comércios que carregava "donos fachadas", mas claramente o pertencia. Veja bem, Nikolai era um homem de negócios, e parte deles foram herdados de família. Ele cresceu naquele meio, ele aprendeu a lidar com aquilo, e mais que isso, ele era uma figura pública conhecida, tinha um nome e sobrenome a zelar sobre toda aquela sujeira que construía todo o império por trás. Dinheiro ilícito, tráfico de drogas, armas, influência... Isso era uma mera ponta do iceberg. Na fachada, ele possuía domínio sobre um conglomerado de empresas honestas que não apenas geravam renda e emprego, geravam impostos legais... Um homem limpo e íntegro que ajudava a sociedade economicamente, mas que por baixo dos panos era a degradação dela.
Como ele citava-se: um bom homem de negócios.
Finalizando aquela leitura, ele estava intrigado demais com tudo que divergia. Poderia ser relativamente jovem, mas não era estupido, afinal, era uma raposa nos negócios. Um prodígio moldado por seu pai da qual ele, rebelando-se, o matou.
Não levava para vida, afinal, negócios eram apenas negócios, nada pessoal.
Levantando-se da poltrona, coçou os olhos cansados, caminhando até o minibar, serviu assim, em seu copo, um cubo de gelo e uma dose de whisky. Girou o lentamente misturando o líquido a água congelada despertando assim o líquido âmbar. Levou ao nariz apreciando o aroma levemente baunilhado que esse exalava. Gostava de tal cheiro. Virou o copo lentamente nos lábios, apreciando o sabor que escorria pela garganta enquanto caminhava em direção a parede de vidro. Moveu parte da cortina, podendo assim contemplar por alguns instantes a sua frente as mulheres que estavam frente aquele maquinário industrial de corte, costura e bordados. O vidro reflexivo, naquele momento, permitia que ele, de dentro, observasse o lado de fora tranquilamente, mas não deixava o mesmo acontecer no inverso, dada a baixa luz do interior do escritório. O porte ereto, firme e arrogante, soava bastante intimidador, mas, ao mesmo tempo, instigante e chamativo. Afinal, era um homem com mais de um metro de oitenta, loiro, olhos azuis safiras, usando um belo e caro terno completo. A definição de sexy cabia muito bem.
Entediado, ele levou a mão ao bolso enquanto a outra ainda alimentava o copo nos lábios, ao passo que os olhos perdiam-se naquele mar de máquinas e pessoas. A verdade era que a mente estava fervilhando com os dados analisados ao ponto de doer, estava inquieto, e justamente nessa inquietude ele formulava suas verdades. De fato, sempre teve confiança em Kazuki. Esse lhe dedicara lealdade por anos, inclusive quando o Urasov derrubou o pai, esse já o servia com muita fidelidade, mas Nikolai sabia bem que naquele mundo obscuro, as coisas mudavam rapidamente, fidelidades eram compradas, amizades eram subornadas, e lealdade era sempre movida para o lado ganhador. Ninguém queria estar do lado fodido da vala, afinal. A verdade é que ele não queria desconfiar, mas sua aguçada percepção o levava somente a um resultado: traidor. E traidores tinham um destino certo.
Estava tão concentrado tecendo aquela teia de ideia que só despertou com a entrada de um de seus homens: Yuri. Esse costumeiramente fazia serviços por vezes burocráticos, bem como sujos demais. O homem de cabelos castanhos longos tinha mais do que o respeito do loiro, tinha confiança. Por isso costumava entregar parte dos seus relatórios logísticos, mas naquele momento não eram números que Nikolai queria - que a proposito foram tragos a ele justamente por Yuri - Ele queria aliviar, e justamente por isso, ainda focado na fábrica abaixo de si, ele perguntou:
- Quem é aquela garota ali? - o dedo ergueu-se quase tocando o vidro temperado de quinze milímetros. Ele observava a garota de cabelos ruivos claros que lhe chamou bastante atenção em meio as outras mulheres e garotas que trabalhavam ali. Não se lembrava dela da última vez que piSofia naquela fábrica, e ele costumava ser bom com fisionomias. - Quando ela começou a trabalhar aqui?
Yuri aproximou-se do vidro vendo de cara a quem Nikolai se referia, e com isso esboçou um pequeno sorriso malicioso.
- Aquela é Sofia, é filha de Vera, na verdade, ela começou hoje - Cruzou os braços frente ao peito enquanto fitava o olhar de Nikolai para a garota a medida que bebia, conhecia bem aquele olhar e seu significado. - Precisa relaxar? - Indagou como se já soubesse da resposta e buscasse apenas a ordem. O Urasov permaneceu fintando-a através do vidro em completo silêncio como se a avaliasse dos pés à cabeça, até que se virou para Yuri e falou:
- Traga ela aqui - Caminhou ao minibar reenchendo o copo novamente, e então antes de Yuri cumprir a ordem, ele acrescentou - Ligue para Kazuki e avise, vamos jantar lá essa noite. Farei uma visita em um dos meus negócios, afinal, o olho do dono que faz a diferença, não é? - Yuri sentiu um leve arrepio ao constatar o sorriso diabolicamente demoníaco que se formou nos lábios do chefe. O julgamento já havia sido feito, e essa era a verdade.
Nikolai era a lei, o acusador e o juiz. Ele era acima de tudo o executor.
- Certo - assentiu retirando-se.
Nikolai, quando sozinho, levou a mão livre aos botões do paletó, os abrindo lentamente o tirando. Repousou o copo sobre a mesa, tirando completamente a peça colocando sobre a poltrona. Desabotoou os punhos da camisa azul-marinho que usava e puxou até um quarto dos braços revelando partes de uma tatuagem que tinha, e logo em seguida, a porta foi aberta por Yuri que trazia consigo a tal garota que parecia assustada, afinal, era o seu primeiro dia e já estava encrencada no escritório do chefe? Os olhos azuis recaíram sobre ela, sobre o corpo dela, enquanto a face dele mantinha-se inexpressiva. Um aceno de Nikolai bastou, para que Yuri soltasse a garota e saísse fechando a porta. O som do baque fizera ela estremecer da cabeça aos pés vendo aquele olhar azul, que embora claro como o verão, era gélido como o inverno. E esses olhos a causavam medo a olhando daquela forma. Os passos dele, aproximando-se lentamente como um predador, a fizeram entrar em um tipo de pânico da qual a travou. Sentia-o próximo de si, nas suas costas, os dedos que percorriam e enroscaram nos fios do seu cabelo e os lábios que aproximaram do seu ouvido com um sussurro que a causaria pesadelos no futuro:
- Boo...
(... ♠...)
Quanto tempo havia se passado ao certo? Não saberia precisar, mas quando a porta do escritório se abriu, Yuri levantou-se com um impulso do sofá em que estava sentado na recepção do lugar, vendo Nikolai sair com o paletó em mãos. A camisa estava aberta, deixando à mostra a pele clara em um tom levemente bronzeado, bem como o abdômen muito bem definido dos constantes exercícios por ele praticado desde os dez anos. Nikolai possuía um porte atlético completo. Ombros largos, braços fortes e definidos, maxilar marcado. Próximo ao peito do lado esquerdo era possível ver traços de uma tatuagem que parecia percorrer quase todo o braço. O segurança observou em silêncio o loiro terminar de fechar a camisa e vestir o paletó. O tom de voz soou frio e cortante em um comando que deveria ser obedecido de imediato:
- De um jeito nela e mande arrumar e limpar esse lugar. Estarei em casa.
(... ♠...)
Aquele jantar não era um prazer, longe disso, era um encontro de negócios e pelo clima pesado que ele causava sempre que visitava algum lugar, não estranharia a tensão. Optou por entrar pelos fundos. Como sempre, prezava por passar invisível como um fantasma. Fora recebido pessoalmente por Kakazu e começaram aquele "tour" por onde interessava e o lado lucrativo do lugar: o prostíbulo. Não pelas razões sexuais, longe disso, mas pelo negócio que havia por trás do sexo, o tráfico e tudo diretamente relacionado a esse. Enquanto caminhava ao lado do homem de longos cabelos negros, Nikolai ouvia-o falar e falar, rindo e se divertido ao citar sempre dinheiro, mas o jovem Urasov deixava o olhar concentrado em pequenas coisas que chamavam sua atenção. Era notório que havia peças faltando, algo não estava no lugar e se havia alguém que entendia bem de fachadas, esse era Nikolai Urasov. Virou o rosto sutilmente em direção a Ivan e sussurrou quase inaudível a um dos seus melhores rastreadores:
- Reviste esse lugar todo e ache os erros, quero os livros verdadeiros - Voltou a conversar com Kazuki o interrompendo ao fazer uma pergunta completamente fora do que parecia os negócios - Onde está Anya? - Lembrava-se da mulher que tinha lindos e exóticos olhos lavanda, e um sorriso sempre bonito. Gostava de vê-la dançar e ocasionalmente... Bem, fodê-la.
Anya era uma mulher peculiar e de humor interessante, mesmo vivendo no meio daquela merda de lugar. Talvez falasse demais, mas compensava, mesmo que fosse alguns poucos anos mais velha que ele. No entanto, fora surpreendido pela resposta que recebera.
- Infelizmente... Morta - seco, Kazuki acendeu um cigarro o tragando - Ela, e o maldito traidor do Antony Scott. Era um limpa arquivo, infelizmente ela estava junto. Dia errado, hora errada, lugar errado para ela.
- Humm... Pena, gostava do traseiro dela - respondeu sem dar grande importância ao caso, mas guardando tal informação. Saíram da zona das putas e daquele antro, o segurança abriu a porta que dava acesso a um corredor longo, tão logo o cheiro de comida se fez sentir.
A sua frente, Yuri abriu a porta dupla da qual dava acesso ao restaurante contemporâneo. Os olhos azuis deslizaram por todo o espaço rapidamente e esboçou um sorriso miúdo.
- Esse lugar continua uma espelunca, não muda nunca. - comentou com um fio de nostalgia.
- Ora, vamos, eu cuido bem daqui. Tem ótima comida, um bom ambiente e o povo gosta - afirmou Kazuki com um sorriso malicioso - Já fazem o que, dois?
- Quatro anos - completou Nikolai enquanto caminhava ao lado daquele que deveria ser um dos seus fiéis administradores. Observou a luz baixa dali, e a luz atrativa que forçava a olhar para o bar - E olha... Não mudou nadinha essa porcaria.
- Decoração é algo frívolo. - Começou Kazuki a falar. No entanto, subitamente o olhar de Nikolai fora capturado na direção oposta, onde um rabo-de-cavalo longo negro-azulado chamou sua atenção.
Seus olhos fitaram a garota que tinha uma pele pálida, tão branca quanto uma bela tigela de leite cheia, e por míseras frações de segundos ele contemplou-a inteiramente, quando essa virou-se para tirar o pedido de uma das mesas que atendia. Como se os olhos azuis pudessem subitamente atraí-la, ou como se ela sentisse o olhar sobre si ou um alarme de perigo, os azuis de nuances lilás fixaram-se nele. Míseros segundos o bastante para ele achá-la miúda demais, jovem demais, praticamente uma menina, que, no entanto, trajava roupas de mulher naquele ousado uniforme, que, sob qualquer outro olhar, talvez não chamasse tanta atenção por parecer desengonçada. Ela não possuía todo o volume certamente necessário para preencher todo aquele vestido que usava, ainda assim... Tornou-se interessante aos olhos azuis que eram habilidosamente predatórios.
Como praxe das regras, ela baixou o olhar rapidamente sentindo as bochechas arderem, mas não sem antes ver um tipo de brilho metálico da qual ela identificou como o cabo de uma pistola, que se revelou presa ao coldre na cintura daquele homem. Ela estremeceu, tinha vários homens ali, sabia que, homens armados e juntos nunca era boa coisa. Geralmente ela sempre estava nos fundos do restaurante, fosse de plongeur limpando e lavando pratos, fosse tirando o lixo, era mais fácil esconder-se. Sua mãe sempre a dizia: homens perigosos andavam com a morte lado a lado. Bem, não era aquele tipo de vida que sonhava para si, não desejava ter aqueles grilhões eternamente, porque mesmo no meio do inferno, ela ainda conseguia ter sonhos.
Um cartão de liberdade, sua carta de alforria... Era dona de uma dívida que nascera com ela e agora com sua mãe desaparecida... Talvez morresse sem liquidar tal conta e sem saber que sua mãe era apenas uma de centenas de mulheres vítimas do tráfico humano.