Assim que se reclinou contra a poltrona estofada, Nikolai viu uma das garotas que serviam ali se aproximar a fim de atender aquela mesa em particular, no entanto, os seus olhos fixaram-se na garota miúda que se voltava pelo salão. Aqueles olhos... Talvez tivesse atração pela peculiaridade, talvez fosse um colecionador que gostasse de coisas mais... Únicas e exclusivas, certamente o seu impulsivo por ter coisas que outras pessoas não tinham sempre o dominasse... Bem, em todo caso, ela conseguira atrair a sua atenção e tudo que ele colocava diante dos olhos, de uma forma ou de outra, o pertencia. Enquanto a garota começava a anotar algumas coisas, a mão de Nikolai levantou-se em um gesto firme que fizera todos calarem-se. O dedo indicador apenas apontou para o meio do salão, onde a garota de cabelos negros azulados e olhos lavanda lutava equilibrando uma bandeja pesada demais e cheias de pratos prontos para serem servidos.
Seu pedido era mais que óbvio. Para Kazuki, era interessante e no mínimo excêntrico, mas gosto era gosto e cada fetiche era exclusivo. Conhecia cada uma de suas garotas, de seus empregados ali, e a primeira coisa que disse foi:
- Vai querer atirar nela, antes da bebida chegar! - riu malicioso, sendo acompanhado de outros dois homens. Sabia bem da impaciência de Nikolai e do quanto detestava serviços mal-executados. No entanto, a presença dela talvez viria a calhar. Talvez servisse, sim, de fato para distrair o Urasov, e ele realmente atirasse nela antes do fim da noite. Uma coisa ele sabia, que no revólver carregado por Nikolai havia uma bala que certamente não voltaria para casa com ele aquela noite.
A garota tinha acabado de servir uma das mesas que estava atendendo quando foi abordada por Tanisha. Essa expressou com certo alívio o desejo daquela mesa lota de homens perigosos: Nina seria a atendente da vez. A garota de olhos azuis-violeta, olhou sobre o ombro em direção ao lugar constatando de qual mesa se tratava e logo negou veemente e desesperada.
- Eu sinto muito, Nina, eles pediram por você - disse a garota de cabelos ruivos nem um pouco preocupada, aliás, aliviada era a palavra - Não irei mais lá. Estão te esperando, e ah... É melhor não cometer erros, para o seu bem. Aqueles tipos de caras...
Os olhos incomuns arregalaram-se em pavor. Sentiu o corpo todo estremecer enquanto engolia em seco. Seu coração acelerou violentamente no peito enquanto sua respiração parecia querer fugir de si.
- Como não cometer erros, Tanisha?! Estou trabalhando a pouco mais de oito horas! - bradou baixo, deixando claro o seu pavor enquanto a garota apenas ria daquele desespero.
- Então boa sorte, e torça para sua gorjeta não ser uma bala. - Afirmou e virou-se, deixando Nina trêmula e desesperada para trás, bem no meio do salão, e quando ela lentamente se virou em direção a tal mesa nada ajudou ao receber aquele olhar azul e intimidador que viu logo na entrada.
Respirando fundo, caminhou em direção a eles. Embora por fora tentasse inutilmente mostrar uma força e segurança que não tinha, por dentro, Nina não passava de uma geleia. Tinha medo de suas pernas falharem a qualquer instante. Seu desespero provou-se poder aumentar ainda mais quando chegou finalmente a mesa e viu aquele homem de cabelos loiros e olhos tão azuis quanto o próprio céu, levar a mão ao coldre na cintura e puxar de lá uma pistola USP ELITE .45, que fora personaliza ao seu gosto. Uma arma da qual ela não sabia, mas ele tinha grande apego sentimental. E colocá-la sobre a mesa bem diante dos seus olhos. Seu olhar temoroso então subiu da peça até aqueles olhos que a encaravam como se pudessem sugar toda a sua vida, dada a intensidade, e esse também a causava muito desconforto, porque aquele homem a intimidava e apavorava muito.
Atrapalhada, nervosa, com medo... Talvez tenha gaguejado mais do que falado enquanto observava o cenho dele franzir-se a encarando.
- Inútil!
Esse fora o brado dado por Kazuki para ela, estava literalmente pronto para enxotá-la dali quando todos se surpreenderam com o riso de Nikolai, que gesticulou com um humor pouco convencional.
- Vamos ver o show até o fim... - disse, e antes que Nina pudesse sair dali ainda ouviu a pergunta que Nikolai dirigiu para Kazuki - Se você treina suas putas, não deveria treinar suas garçonetes? - imediatamente as gargalhadas dos homens tomaram o lugar.
As bochechas de Nina tingiram-se de escarlate. Sentia um misto de sentimentos, sentia-se um bichinho acanhado e, no fundo, era, não fora o homem que a comparou a um show? Ela não passava de uma piada ingrata.
- Sabe bem como se treina putas nessa casa... No entanto, não há um método para essas cadelas que servem - disse com desprezo e zombaria - Poderia por uma coleira e ainda não adiantaria. Elas se adestram na força bruta - Concluiu aquilo enquanto direcionava o olhar para a garota de cabelos negros, mas essa permanecia cabisbaixa enquanto apertava com força o pequeno bloco que usava para anotar os pedidos. Na primeira oportunidade, ela se retirou.
Tinha vontade de gritar e chorar. Encostada na boqueta de saída de pratos, ela deslizou os punhos sobre os olhos, os secando. Respirou fundo. Nem sempre morrer era uma opção viável na vida, era uma saída por vezes covarde, mas só talvez...
Ela respirou fundo. Buscava em palavras específicas presas em sua memória o acalanto e a força necessária, e por isso ela pegou uma nova bandeja e retirou no bar os pedidos de bebida daqueles homens - a primeira rodada da noite - sentiu o peso da mesma diante de braços não tão acostumados aquela jornada, ainda assim, manteve-se firme como podia as levando até a mesa começando a servir aqueles homens. Todos eram igualmente perigosos, todos representavam em si um grau de desprezo mesmo sem conhecê-los, mas apenas um, a intimidava. Ela sentia um arrepio frio ao estar perto dele, era como a sensação da morte. Seria fácil a partir daquele instante associar realmente aquele anjo negro do fim, ao homem de olhos azuis e cabelos loiros como o sol.
Assim que depositou o último copo sobre a mesa, viu um dos homens ofertar uma pasta de couro marrom justamente para o loiro. Sabia que se tratava de negócios, e por isso curvou-se respeitosamente e saiu dali, no entanto, sua curiosidade agora gritava, que tipo de negócios eram aqueles? Mentalmente reprimia-se ao repetir: lembra das regras, lembra das regras... Curiosidade naquele mundo era muito, muito perigoso, e justamente por ser assim, algo aguçou em si, queria saber o que tinha naquela maldita pasta, queria principalmente ouvir o teor da conversa. Não que ela fosse fofoqueira, não era, mas estava curiosa, afinal, quase nunca acontecia coisas tão grandes naquele lugar.
- Bom, Kazuki, eu... Estive analisando os últimos números desse negócio em especial e devo dizer que são... - houve uma pausa enquanto Nikolai deslizou a mão pelo queixo - Promissores - a voz carregava mais malícia do que devia, e sem jeito, Kazuki sorriu, afinal, era ótimo com finanças.
- É um bom ponto, bons negócios e bons fornecedores - concluiu com uma modéstia que Nikolai sabia que certamente não tinha.
O Urasov abriu a pasta lendo o conteúdo da primeira página e assoviou alto e longamente com um certo desdém.
- E essa última compra aqui então? - desenhou um sorriso sádico no mesmo instante que Ivan voltara ao chefe. O homem de confiança de Nikolai abaixou-se ao nível do ouvido dele e sussurrou algo que certamente deixou Kazuki um tanto nervoso a ponto de puxar um lenço do bolso do terno e enxugar a testa.
Nikolai esboçou um sorriso mínimo e pegou o seu copo de bebida virando um bom gole. As safiras encontraram o par de olhos esmeraldinos novamente. Esperava por uma resposta.
- Bom... Tive sorte - afirmou Kazuki. O Urasov virou mais um gole do whisky e olhou na direção do salão, onde pode ver aquela garota de olhos incomuns ainda parada de frente ao bar preparando a próxima rodada de bebidas da mesa. Sorriu, mas não era aqueles sorrisos bonitos, oh não! Tinha um tom de perversidade imenso, e quando Nina o viu, estremeceu completamente.
Definitivamente no seu alarme interior aquele homem gritava perigo. Alto, intenso, e sufocante... Um tipo de perigo que chegava a galope.
Ela tornou a preencher a bandeja com mais bebida voltando a caminhar em direção a mesa, com sorte, ouviria algo da tal conversa que ainda aguçava sua imaginação. Para o completo azar de Nina, quando ela chegou à mesa, a conversa não era apenas sobre negócios, ela passava de amistosa para perigosa e por isso sua mão tremeu um tanto nervosa enquanto ela os servia.
- Todo esse negócio é mais que um bom fornecedor. Tem muito sobre perspicácia, enxergar além, intimidar, extorquir, gerenciar... No fim... Não passam de relatórios e números como qualquer outro negócio, e lucro é o único fator que importa - pontuou Nikolai, colocando um novo cigarro nos lábios no exato momento que Nina, depositava o novo copo de bebida dele.
Ela sobressaiu-se quando a mão grande e forte dele envolveu seu punho de supetão. Não esperava, e por isso deixou um gritinho escapar. A mão fria a fizera estremecer. Suas pernas bambearem e não era de excitação, mas sim de pavor. Esperava pelo pior quando sentiu o toque metálico ser deslizado entre os dedos, percebendo se tratar de um isqueiro prateado. Conseguia ver claramente a espiral de fogo entalhada nesse que se destacava no tom vermelho metálico. Intimidada e trêmula, ela ainda sentia a dominância da mão dele sobre a sua que forçou o polegar delicado dela a abrir a tampa com um click disparando o gatilho e acendendo a chama. Os olhos dele estavam focados nela, enquanto os dela focaram-se no fogo de chama azulada. A mão nervosa, tremia com o toque dele contra a pele pálida, então sentiu o puxar suave que ele fazia levando sua mão com o isqueiro aos lábios acendendo assim o cigarro, e só aí ela se deu conta que ele a encarava, os olhos nunca deixaram de notá-la. Sim, um animalzinho acuado era uma perfeita definição de si naquele momento.
Ele tragou o cigarro e levou a mão livre ao cigarro, o tirando e libertando a fumaça, mas tudo que ela queria era que ele a soltasse. Veja, para ele, aquilo não passava de uma diversão. Do medo dela, as expressões, ou aqueles olhos curiosos e ansiosos... Aquela garota exalava algo que o capturava, o instigava de algum modo a pressioná-la, porque cada reação dela pulsava diretamente em seu corpo. É... Talvez fosse a imaturidade dela... talvez. Porque, lentamente, as expressões de medo dela conseguiam acender um fulgor em si.
Nina, assim que liberta daquele aperto, terminou de servir as bebidas enquanto ouvia Kazuki explicando coisas aleatórias que ela não compreendia totalmente, mas sabia que ele estava nervoso com o rumo daquela conversa.