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No dia seguinte voltei à livraria para lhe devolver seu casaco e a camisa, mas ele não estava. Então, deixei no banco da varanda para que ele pudesse ver quando chegasse.
Os dias posteriores passaram rápido, tirei um tempo para tentar consertar nossa casa, que estava velha e empoeirada demais. Eu pensava em Dylan de vez em quando. Ontem ouvi dizer por aí que ele estava sumido o dia todo, fazia sentido já que não vi movimentação na livraria. Imaginei que ele pudesse estar com o pai e não dei muita importância, pois no momento, eu precisava de um emprego. Tinha que parar de pensar em Dylan e pensar em mim. Sentada no sofá após beber um copo de suco, tia Emma apareceu.
- Tia, posso fazer uma pergunta? – ela me olha e continuo. – Sabe de algum lugar onde estão empregando?
- Deveria sair para procurar... Por quê?
- Meu dinheiro está acabando – aviso.
- Isso não é da minha conta, Lisa. – Desdenha. - Eu não pedi que gastasse seu dinheiro nesta casa velha.
- Mas era preciso... Não sei como a senhora estava conseguindo viver aqui.
- Vivendo como sempre vivi. Sem você na minha cola para ficar importunando – diz em tom sério. – Para falar a verdade, estava melhor sem você aqui. – Meu queixo caiu incrédula.
- Se sente melhor por ter jogado isso na minha cara?
- Se sua mãe ainda estivesse viva, nossa situação seria outra.
Tia Emma abaixou os olhos e em seguida saiu da cozinha subindo as escadas. Ouvi a porta de seu quarto bater e suspirei sem deixar que as lágrimas caíssem. Eu não conseguia compreender o motivo para ela me tratar de forma tão fria. Queria que nossa amizade pudesse voltar a ser como era antes do acidente dos meus pais. Eu sei que deve haver um motivo para ela me tratar dessa forma, mas... O motivo era eu?
Saio de casa para caminhar um pouco e deixo que minha tristeza tome conta. Enquanto chutava algumas pedrinhas da caminhada, eu me perguntava o que havia feito de errado para viver assim. Não é que eu não tivesse momentos bons, mas os ruins sempre estavam lá, para me mostrar que eu não podia ser feliz. Levantei minha cabeça, secando algumas lágrimas de meu rosto quando me deparei com Dylan me olhando da varanda de sua livraria.
Olhei para o lado rapidamente secando melhor meus olhos e o fitei novamente. Como uma fogueira quentinha, ele sorriu para mim, fazendo meu corpo se aquecer. Andei em sua direção e logo percebi seu nervosismo cada vez que me aproximava dele.
- Boa noite – ele disse assim que cheguei a uma certa distância.
- Boa noite.
- Está tudo bem? – Balancei com a cabeça dizendo que sim. – Quer tomar alguma coisa? Um café?
- Quero, obrigada.
- Pode sentar-se neste banco, volto já.
Rapidamente ele saiu entrando em casa e alguns minutos depois ele voltou trazendo uma xícara com café para mim. Agradeci e ele se afastou para varrer o lado de fora da livraria. Bebi aos poucos o café e de vez em quando eu o pegava me olhando. Ele desviava o olhar quando nossos olhos se cruzavam e eu tentava não deixar que minha curiosidade sobre ele transparecesse neles, mas era meio impossível.
- Eu ouvi dizer que você ficou sumido por um dia.
- As pessoas falam demais – disse prontamente.
- Mas, você está bem? Eu meio que fiquei preocupada.
- Ficou? – perguntou e notei um certo brilho em seus olhos. – Quer dizer, é claro que estou bem. Eu estava apenas resolvendo algumas coisas da livraria.
Dylan era um cara bastante tímido, eu até podia afirmar que ele nunca namorou ou até mesmo chegou perto de alguma mulher com segundas intenções. Eu gostava disso. Apesar de tímido e meio distante, ele era atencioso e gentil. Por que nunca me aproximei dele durante o colegial?
- Dylan! – uma voz conhecida gritou ao longe. – Dylan! – gritou de novo, desta vez mais perto. Em questão de segundos a irmã de Dylan apareceu na estrada em sua bicicleta. – Vamos! Me diga quem é sua namorada. Quem é Angel?
Angel? Me questionei e lembrei de ter visto esse nome gravado no chaveiro que ele tinha no retrovisor de seu carro. Olhei da garota para Dylan que me olhou nervoso. Então ele tinha uma namorada? Bom, talvez eu esteja um pouco errada, na minha tese.
- Ei! Não vai dizer? – ela questiona curiosa. – Por acaso é essa mulher que está aí com você? Ah! – exclama surpresa ao me reconhecer. – Você é a moça do outro dia.
- Hum? – Cresço meus olhos olhando para Dylan novamente, que por sua vez tinha uma expressão bastante nervosa.
- Não... – Sua voz quase não sai, então ele dá uma leve tossida falando em seguida. – Não! Que imaginação é essa?
- Mas eu li no...
- Angel é a nossa mãe! – ele quase gritou.
- Quê? A mamãe?
- Sim. – Ele me olha e abaixo a cabeça tomando meu café.
- Por quê? – ela questiona.
- Porque eu estou dizendo. – Rapidamente ele sai de perto da porta andando em direção à irmã.
- Não tem como ser a mamãe, eu li algo sobre...
- Ei! Shiu! Vá para casa! – ele ordena nervoso indo em direção à irmã.
- Eu acabei de sair de lá – ela resmunga e tento conter meu sorriso.
- Vai agora, Alice! Você nem deveria estar na rua uma hora dessas.
- Você não manda em mim – ela fala com falso receio e cubro minha boca sorrindo da tal cena que presenciava.
- Eu vou ligar para o papai! – ele ameaçou e ela cresceu os olhos. – Estou avisando.
- Não, não! Já estou indo!
Alice deu meia-volta com sua bicicleta e partiu. Vi as costas de Dylan subir e descer devagar e sorri ainda mais. Por que ele havia ficado tão nervoso? Controlei meu sorriso e chamei sua atenção com uma tosse.
- Então a Angel do "Com carinho, para Angel" no chaveiro do seu carro é...
- Minha, mãe! Minha falecida mãe. – Ele balança a cabeça em afirmação. – A Dona Estrella.
- Por que mudou o nome?
- Hã?
- O nome da sua mãe, era Estrella, mas no chaveiro está escrito Angel. – Ele olha para os lados como se estivesse procurando alguma resposta e volta a me olhar.
- Bom... Ela virou um anjo, não é?
- Ah! É claro que virou – respondi solidária com seus sentimentos.
- Quer mais café? – ele pergunta nervoso.
- Não... Obrigada.
O telefone da livraria começou a tocar e Dylan correu sumindo de minha vista. Sorri de seu jeito nervoso. Do lado de fora eu conseguia ouvi-lo falar, mas não entendia o que era. Assim que desligou, ele voltou me fitando.
- Era um amigo do tempo de escola. Estava me convidando para uma reunião que acontece a cada seis meses.
- Uma reunião? De amigos?
- Sim.
- Você vai?
- Acho que sim... Você quer ir? – ele pergunta sem jeito e me vejo aceitando.
- Quero.
- Quer? – indaga desacreditado e afirmei levantando-me. – Bom, então vamos.
Deixo a xícara de café na mesinha da varanda e o acompanho até seu carro. Seria bom distrair um pouco minha cabeça. Já na metade do caminho Dylan me olhou preocupado. Isso porque eu dava várias respiradas profundas. Eu iria me encontrar com pessoas que não via há muito tempo e estava um pouco nervosa por causa disso.
- Se você não estiver se sentindo bem para ir, é só dizer que eu dou meia-volta – ele falou gentil e sorri.
- Tudo bem. É que eu nunca fui a uma reunião com as pessoas da nossa turma. Eu nem sabia que faziam isso.
- Eles têm feito reuniões a cada seis meses, já faz cinco anos. Eu também não fui em todas elas, Lucca é quem me chama e acabo indo de vez em quando. Quer dizer, talvez eu tenha te arrastado à toa...
- Acho que vai ser legal. Eu quero saber como é, e rever eles também.
Ele sorri com os lábios aceitando o que digo e continuamos o caminho em silêncio. A cidade era bastante longe do interior, então quase meia hora depois, Dylan estacionou o carro em um restaurante conhecido. Descemos por igual e logo fomos recebidos com abraços. Lucca, Micha, Luna, Dylan e eu, cinco pessoas rodeavam uma mesa retangular contando piadas e histórias engraçadas do tempo de colégio, que me peguei sorrindo diversas vezes ao ouvi-los contar.
- Quem lembra da fase que Lucca estava completamente apaixonado por Luna e corria atrás dela o tempo todo? – começou Micha fazendo todos rirem.
- Ei... Pode ir esquecendo. Isso nunca existiu. – Se defende Lucca.
- Você falava para todos que gostava dela. Não se lembra do buquê de 50 rosas que deu a ela? – questionou Micha fazendo Luna, atual namorada de Lucca, suspirar.
- Ele foi tão fofinho.
- Mas você o ignorou – murmurei relembrando.
- Eu era muito nova para namorar. – Explica e sorrio.
- Vocês estão viajando, isso nunca aconteceu – Lucca rebate constrangido.
- Ah... Para com isso, Lucca. Nós éramos da mesma classe, tem como fingir não – afirma Micha me fazendo rir.
- A verdade é que ela, era quem era doidinha por mim, eu era apenas gentil.
- Seu mentiroso! – Micha e Luna falam juntos.
– Aliás, quem também ganhou buquê de rosas durante o colegial foi você, não é Lisa? – menciona Luna.
- Ah... É verdade – exclama Lucca.
- Do novato gato que entrou no meio do ano – diz Luna, me fazendo lembrar desse momento. Abaixei a cabeça sem jeito.
- Do novato o que, Luna? – questiona enciumado Lucca fazendo-nos rir.
- Modo de falar, meu amor, não era assim que todas as meninas o chamavam?
- Eu lembro desse dia. Ele mal chegou no colégio e se tornou o garoto mais popular da escola, mas nossa querida Lisa, nunca deu bola para ele – diz Micha.
Uma breve guerrinha sobre quem era mais popular na escola surgiu e sorri olhando Dylan que mesmo na dele, também se divertia com a situação. Eu tinha muitas lembranças sobre todos ali, inclusive do novato gato, chamado Eduard. Entretanto, Dylan aparecia muito pouco. Será que ele era um aluno excluído, por isso não tenho muitas lembranças dele?
- Então você se formou em Marketing, Lisa? – pergunta Micha me trazendo de volta à reunião.
- Quê? – Olho para ele processando a pergunta. – Sim.
- É um trabalho legal?
- Sim, é – respondo tendo a atenção de todos da mesa.
- E como é morar sozinha na capital? – pergunta Luna de forma curiosa. – Ah... – suspira. – Um dia ainda vou fazer isso. Sair dessa cidadezinha e ir morar na capital.
- Não fale bobagens – interrompe Lucca. – Deve ser bastante solitário.
Ele palpita e respiro fundo, sabendo que ele diz a verdade. É bastante solitário, principalmente quando não se têm amigos. E digamos que eu não era uma pessoa muito fácil para fazer amizades.
- Olha só quem vem vindo! Mary! – Luna se levanta indo abraça-la e faço o mesmo. Lembro-me de quando andava de braços dados com ela pelo colégio.
- Não acredito que é você! – Mary me abraça forte e retribuo de bom agrado.
- Que bom te reencontrar – digo saudosa.
- Olha só... Dylan! Você veio desta vez. Por onde andou semana passada? Você deixou todos preocupados com seu sumiço. – Ela lhe deu um rápido abraço e puxou uma cadeira sentando-se ao meu lado.
- Tive que resolver uns problemas.
- Uau... Ele continua o mesmo misterioso de sempre – diz Mary e olho para ele que apenas sorri pegando o copo para beber um pouco do refrigerante. – Então... Quanto tempo pretende ficar aqui, Lisa?
- Bom, até o inverno acabar.
- Temos que marcar de nos encontrar mais vezes enquanto estiver aqui – fala e balanço a cabeça afirmando.
- Wow... Você tem tatuagens? – Micha aponta para minha mão que levanto olhando-a.
- Ah não... São apenas desenhos, eu colo o esboço do desenho e com uma caneta, faço o contorno e pinto da maneira que achar melhor.
- Nossa... Você desenha muito bem! É lindo – admira Luna. – As rosas têm algum significado?
- Não... É só um desenho.
- Lembrei! – exclama Lucca chamando atenção de todos. – Além de mim, eu sei que teve mais alguém da nossa turma se que apaixonou por alguém daqui.
- O que você está dizendo? – zomba Micha. – Ainda está nesse assunto?
- Pelo menos ele admitiu que era apaixonado por mim. – Vangloria Luna.
- Ninguém vai se pronunciar? – Nós nos olhamos curiosos, mas nenhum de nós diz nada. – Dylan... – instantaneamente os cinco pares de olhos fitam Dylan que nos mostra seu olhar confuso.
- Não sei do que ele está falando.
- Sabe sim... – instiga Lucca. – Se for mentira, vai ter que beber uma dose. – Dylan abaixa a cabeça fitando a bebida.
- Não vou beber – ele responde e todos na mesa se olham. - Não vou beber porque estou dirigindo. – Completa após um breve silêncio.
- Tudo bem... Então se for mentira o que estou dizendo, suba ali no palco e cante qualquer música.
- Não vou fazer isso.
- Então, é verdade!
De repente um coral de "hum..." juntamente com dedos batendo na mesa representando um tambor, começa a soar pelo restaurante. Curiosa, junto-me ao restante do grupo fazendo o mesmo.
- Vamos! Diga! – Apertou Lucca e ele negou – Diga!
- Era a Lisa Adams! – falou de uma vez.
Parei.
Na verdade, todos ali na mesa pararam e o silêncio brotou rapidamente. Devo ter parado de respirar assim que ouvi meu nome. Eu? Olhei para Dylan que parecia não querer me encarar e como todos ali na mesa, desviei meu olhar procurando qualquer outra coisa para fazer. Que constrangedor. Minhas bochechas com certeza deviam estar vermelhas agora.
- Vou pegar mais bebidas! – avisa Lucca recebendo a companhia de Luna.
Os demais sentados à mesa iniciaram uma nova conversa sobre como devem estar os professores hoje em dia e o clima voltou a ser como antes. Pelo menos para eles, já que para mim e Dylan as coisas ficaram meio estranhas. Não por muito tempo, assim esperava. Mal havia dado nove horas e Dylan se levantou em despedida, dizendo que não poderia deixar a livraria por muito tempo sozinha. Sem me olhar, ele se despediu de todos, partindo.
Meia hora depois a reunião havia encerrado. Voltei para o interior de ônibus, mas antes de ir para casa, parei em frente à livraria Estrella vendo as luzes acesas. Ele ainda estava acordado. E devo admitir que ele, assim como sua confissão, não saía de meus pensamentos. Queria saber mais sobre ele, mas como eu faria isso, se ele parecia tão reservado?
Uma vontade de vê-lo me invadiu e pensei em qualquer desculpa para falar com ele. Respiro fundo ao bater três vezes na porta. Em questão de segundos, Dylan abre e vejo a surpresa em seus olhos por me ver ali.
- Oi! – começo. – Desculpa incomodar tão tarde, mas é que eu queria te perguntar se...
- Não! – ele diz rapidamente, me deixando em um misto de surpresa e confusão.
- Como?
- Aquilo que eu disse mais cedo, sobre... Quer dizer, é verdade, mas, está tudo no passado – responde nervoso e penso que ele deve estar falando sobre seus sentimentos.
- Sobre você gostar de mim? – indago.
- Sim. Foi só um sentimento que já acabou.
- Ah... – me vi suspirando tristemente. – Eu...
Dylan fecha a porta e cresço meus olhos não compreendendo sua atitude e muito menos a dorzinha que senti em meu coração por ouvir ele dizer isso. Levanto a mão para bater novamente, mas ele abre a porta novamente. Dylan parecia um gatinho assustado e aflito.
- Desculpe... – ele pediu abaixando a cabeça. – O que você queria perguntar mesmo?
- Bem... – olho para minhas mãos, tentando pensar em algo. – Queria saber se eu podia pegar um livro – digo fitando-o.
- Ah... Um livro... – murmura dando espaço para eu entrar. – Pode. Claro que pode.
Entro na livraria, enquanto ele se encaminha para trás do balcão. Vou até à estante onde tinha várias edições do livro O Vento nos Salgueiros.
- Sinto muito te incomodar tarde da noite.
- Tudo bem. Pode vir a hora que quiser – diz com certo desdém folheando um caderno à sua frente e estreito meus olhos tentando entendê-lo. Há uma hora eu soube que ele gostava de mim e agora, me trata com desdém?
- Qual dessas edições de O vento nos Salgueiros, você mais gostou? – pergunto tendo finalmente sua atenção. Seus olhos pousaram em mim e um quase sorriso brotou de seus lábios.
- Na verdade, eu gostei de todas elas.
- Entendo. Vou levar este então. – Levanto o livro mostrando-lhe.
- Espero que goste.
- Preciso anotar alguma coisa, deixar registrado?
- Não, pode levar – diz voltando a folhear o caderno.
- Tudo bem. Obrigada, e boa noite.
Ele apenas acenou com a cabeça e saí. Eu estava frustrada. Queria conversar com ele, ou pelo menos ter um pouco da sua atenção, mas ele era fechado demais. Minutos depois, assim que comecei minha caminhada para casa, uma luz iluminou o chão onde eu pisava. Parei abruptamente olhando para trás e para minha surpresa, era Dylan.
Segurando uma lanterna ele se aproximou de mim iluminando o caminho escuro para que eu pudesse andar. Não sabia o quê, mas algo me atraía para ele. Dylan tinha aquele mistério, era um homem peculiar. Eu com certeza, gostava disso. Apesar de tímido e meio distante, ele se preocupava comigo.
Involuntariamente, sorri.
Diário sobre Angel - Escrito por Dylan Morris
Sou um tolo que não sabe como consolar alguém, diário. Ela estava triste mais cedo e eu ofereci um copo de café. Eu a vi chorar e não soube o que dizer. Ela disse que se preocupou comigo e eu nem agradeci por sua preocupação. E como se não bastasse, minha irmã apareceu perguntando quem era minha namorada. Quem era a Angel... Naquele momento, eu só queria ter o poder de ficar invisível.
Mas a noite não acabou por aí, diário. Eu a levei para a reunião dos amigos de colégio e... Sabe diário, estou completamente ferrado.
Ferrado!