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Na manhã seguinte, tia Emma resolveu tomar o café da manhã comigo. Não havia falado com ela desde ontem.
- Você pretende ficar de bobeira por aí, por quanto tempo? – Ela começou após um gole de café.
- Não estou de bobeira – retruco.
- Deveria arranjar um emprego ou voltar para a capital semana que vem.
- Por que quer tanto que eu vá embora? – perguntei magoada.
- Estou apenas falando para seu bem, aqui não tem nada para você.
- Claro que tem. Eu vou arranjar um emprego de meio período por aqui.
- Onde? Quando?
- Não sei ainda, tia! Mas não vou voltar para a capital tão cedo. – Afirmei um pouco irritada e nos calamos, terminando nosso café em silêncio.
Assim que ela terminou, voltou para o quarto e eu arrumei a cozinha antes de sair. Eu iria arranjar um emprego hoje, custe o que custar. Avistei Alice se aproximar com sua bicicleta e acenei.
- Bom dia! Indo para escola? – cumprimentei.
- Sim, e você?
- Procurando um emprego de meio período.
- Sério? – ela diz surpresa e murmura em seguida. – Será que eles dois tem alguma ligação?
- O que disse?
- Hã?
- Você me perguntou alguma coisa?
- Não... Olha, vai parecer estranho, mas Dylan estava falando ontem com papai que precisava contratar alguém.
- Sério? – digo surpresa.
- Hunrum... Não entendi exatamente para o que ele precisava de alguém, mas se você for depressa, consegue falar com ele antes dele ir para a pista de patinação.
- Muito obrigada, Alice! – agradeci e saí andando depressa. – Você é um anjo!
Eu estava ofegante quando cheguei à livraria e vi Dylan sair pela porta. O ar gelado praticamente queimava meus pulmões.
- Bom dia! – falo ofegante.
- Bom dia. – Ele me direciona um olhar confuso e sorrio.
- Sua irmã, me disse que você, estava precisando contratar alguém – disse pausadamente e ele estreitou as sobrancelhas.
- Você sabe patinar? – ele perguntou e franzi minha testa.
– Estava procurando alguém que soubesse patinar? – questionei.
– Sim.
– Ah droga! – praguejei ainda cansada.
- Que foi?
- Não, deixa pra lá. Desculpa te incomodar tão cedo – pedi e virei-me indo embora.
- Está procurando um emprego? – ele questionou e me virei olhando-o.
- Estou – admiti.
- Por acaso, você aceitaria trabalhar na livraria? – ele perguntou e pisquei meus olhos. – Você ficaria na livraria enquanto eu trabalharia na pista de patinação.
- Sério? – perguntei contendo minha felicidade.
- Bom, quando estou na pista de patinação, acabo deixando a livraria fechada, o que impede de algumas pessoas virem. Se tivesse alguém aqui, eu não precisaria fechar. Como eu sei patinar, posso ficar encarregado da pista e você da livraria. Se aceitar, é claro – ele explicou e balancei minha cabeça em aceitação.
- Seria um emprego de meio período?
- Hum... Não – ele responde cauteloso. – Você entraria de manhã e sairia à noite, quando eu chegasse.
- Eu aceito – respondi de imediato, enquanto ele soltou o ar sorrindo.
- E você poderia começar agora? – ele perguntou e sorri.
- Claro! Com certeza!
Dylan voltou para dentro da livraria e o acompanhei. Ele buscou alguns livros pelas estantes e eu apenas observei, perto da bancada. Alguns minutos depois ele voltou à bancada colocando os livros que ele pegou em cima.
- Vai ser fácil trabalhar aqui... Não há muito o que fazer já que não tem tantos clientes.
- Não tem? – indago e ele afirma com um gesto de cabeça.
- Nosso interior, não é populoso.
- Então, como você ganha dinheiro?
- Vendo livros na internet, e preciso enviar esses hoje – diz apontando para os livros que pegou.
- Claro.
- Basta apenas preencher os formulários que estão aqui. - Ele aponta para o notebook. – Tem uma pasta, escrito "formulários". Mais tarde, eu os levo para o correio.
- Entendido.
- Bom, vou para a pista de patinação. Se aparecer alguém e você tiver qualquer dúvida, pode me chamar.
- Eu chamo.
Dylan me encarou por alguns segundos, mostrando-me seu sorriso tímido e saiu me deixando sozinha. Quase pulo de alegria por ter conseguido um emprego, mas me controlo exibindo apenas meu sorriso. Preencho logo os formulários dos livros, para não deixar para depois e em meia hora, os dez livros já estão prontos para serem entregues.
Sentada no banco de madeira, observei a livraria vazia. Já era tarde e não havia aparecido ninguém, Dylan tinha razão sobre não ter muitos clientes, mas talvez, quando souberem que a livraria sempre ficará aberta, eles possam aparecer. Fui até à janela e abri um pouco recebendo o vento gelado.
Avistei Dylan na pista de patinação, juntamente com José. Eles riam de alguma coisa que compartilhavam entre si. Olhei para o seu lado vendo Alice se aproximar sorrateiramente e sorri vendo o que ela pretendia fazer. Com um grito, ela pulou em cima de Dylan o assustando e me fazendo rir. Dylan caiu no chão, mas logo se levantou correndo atrás da irmã, enquanto Sr. Noah tentava fazer os dois pararem em vão. Dylan parecia tão leve e relaxado, seu sorriso brilhava com o sol e eu apenas o admirava junto a sua família. Algo que eu não tinha há muito tempo.
***
Já era noite quando Dylan apareceu.
- Desculpa voltar tarde – ele pediu assim que entrou, tirando seu casaco e luvas.
- Você é meu primeiro cliente hoje – brinquei.
- É, as vezes não vem ninguém mesmo – ele diz com leveza.
- Estava coberto de razão. Você disse que levaria os livros para o correio, mas acredito que vai ficar para amanhã.
- Sim, eu os levo amanhã bem cedo. – Dylan veio em minha direção tirando seu cachecol e me levantei saindo de sua cadeira. – Você fez um ótimo trabalho, acho que já pode ir.
- Obrigada. Até amanhã!
Ele acenou em despedida e segui em direção à porta para pegar meu casaco, mas assim que me aproximei, Lucca apareceu segurando uma caixa de cerveja.
- Lisa! O que faz aqui?
- Trabalhando.
- Está trabalhando aqui?
- Comecei hoje! – respondi animada.
- Não acredito que você contratou alguém para ficar na livraria.
- Eu precisava que alguém ficasse aqui, enquanto eu ajudava meu pai.
- Aham... É claro. – Lucca deu um olhar que julguei estranho para Dylan e me olhou em seguida.
– E você já estava de saída?
– Sim.
– Sinto muito, mas hoje, você voltará um pouco tarde para sua casa. Por favor, me façam companhia.
Lucca parecia querer chorar a qualquer momento. Olhei para Dylan que subiu os ombros e suspirei. Eu não iria negar seu pedido. Arrumamos a pequena mesa que tinha nos fundos da livraria para fazermos companhia a ele. Lucca bebeu a primeira cerveja de uma vez só, implorando para que Dylan fizesse o mesmo e Dylan fez.
- Então, qual o motivo para você e Luna terem brigado dessa vez? – questionou Dylan e compreendi a tristeza de Lucca.
- Você me conhece muito bem, não é? – Dylan afirma com a cabeça e olho para Lucca. - Sinto que vou desmaiar cada vez que falo sobre esse assunto. Ela quer ter filhos e eu acho que está cedo demais. Ainda nem nos casamos! E meus pais acham que estou só enrolando Luna.
- Por que ainda não a pediu em casamento?
- Exatamente. Nós só temos vinte e quatro anos, por que não esperar mais três anos? – Ele bebeu mais um pouco e tentei não sorrir com seu desespero.
- Ester me disse que nessa vizinhança, as pessoas encorajam você a se casar jovem.
- Ela está certa. Nossos pais realmente fazem isso, principalmente se você já tem uma boa vida profissional.
- Meu pai nunca me obrigou a casar cedo. – Analisa Dylan.
- Claro que não. Seu pai acha que se você se casar e tiver filhos, não dará conta da livraria – resmunga Lucca. - Meus pais poderiam pensar assim também. – Ele toma mais um gole e, encara Dylan que comia uns salgadinhos.
- Que foi?
- Você ainda não bebeu essa cerveja? Estou indo para a minha terceira e você ainda nem abriu sua segunda lata. – Lucca vai para o lado de Dylan empurrando a cerveja em sua boca.
- Ei... – resmunga Dylan. - Eu posso tomar sozinho – ele diz pegando a segunda lata e bebendo. Sorrio. Homens!
- Argh... Odeio brigar com Luna.
- Talvez você possa conversar com seus pais e com ela, e explicar o que pensa sobre isso – murmuro e ele me olha.
- Eles são fogo, Lisa. Se você ainda tivesse os seus, iria saber que, o que estou falando não é tão simples assim. – Dylan bate forte no braço de Lucca que rapidamente se toca do que falou. – Nossa! Desculpa, Lisa! Eu não queria falar sobre...
- Tudo bem, Lucca.
- Idiota... – sussurrou Dylan para ele que pegou o celular que tocava.
Era Luna. Ela também estava triste por ter brigado com Lucca. De forma rápida e quase sorrateira, vi ele se levantar e avisar que já estava indo embora. Pediu desculpas outra vez e saiu. Ficamos apenas eu e Dylan com nossas cervejas. Os minutos passaram enquanto eu tentava pensar em algo para conversar e ele bebia sua terceira cerveja.
- Nunca tive a chance de dizer antes, mas... Sinto muito, pelo que você passou. – Ele iniciou cortando o silêncio e sorri com a sua sensibilidade.
- Obrigada.
- Você acha que conseguiu superar? – questionou tendo a voz meio arrastada.
- Acho que sim – digo e ele abre a quarta lata de cerveja tomando. – Quando eu estava voltando para cá, os sentimentos voltaram, mas eles não me fizeram me sentir mal. Então, acredito que superei sim... Apesar de não ter ficado muito tempo no cemitério. – Refleti baixo. – É claro que a saudade deles aumentou bem mais quando cheguei, mas eu tenho minha tia, que apesar de estarmos em uma situação ruim entre nós, ainda a tenho.
- Você e sua tia não estão se dando bem?
- Desde a morte dos meus pais. – Lembro. - Acho que o fato de como tudo aconteceu depois do acidente, deixou minha tia um pouco amargurada. Eu acho.
- Você não se tornou assim...
- Eu era jovem, deixei as coisas ruins no passado. E querendo ou não, foi mais difícil para ela.
- Você deixou no passado, mas nunca vai parar de lembrar.
- Tem razão. – Afirmei.
Deitei minha cabeça de lado fitando Dylan que gentilmente me ouvia e as lembranças surgiram como um furacão. Eu estava na sala de aula, quando umas meninas entraram falando sobre minha tia. Lembro até hoje da forma como elas falavam. Elas zombavam, mas eu podia ver que tinham medo de mim também. Os alunos me olhavam torto, pregavam peças em mim e a única coisa que eu fazia era chorar.
Fugi várias vezes da escola e numa dessas fugas, quase acabei com minha vida. Se não fosse pela minha tia, eu agora, deveria estar em um túmulo fechado. Eu nunca entendi como minha tia sabia onde eu estava, mas entendi aquilo como um sinal de que eu não podia desistir da minha vida. Apesar de sofrer cada vez que ia para a escola, eu tentava suportar, por mim e por ela. Levantei meus olhos vendo Dylan apoiar sua cabeça com a mão. Seus olhos estavam fechados e sorri vendo seu rosto tão sereno.
- Dylan? Você dormiu? – Ele respirou fundo balançando o corpo com a cabeça.
- Não... – sua fala estava arrastada e ergui minhas sobrancelhas.
- Você está bêbado depois de beber três latas de cerveja? – murmurei. – Não é possível. Você tem tolerância baixa à bebida?
- Não... Não estou bêbado – disse tentando manter os olhos abertos.
- Hum, é mesmo? – Dou a volta na mesa me posicionando ao seu lado. Passo a mão em frente ao seu rosto e ele nem nota. – Viu, está bêbado sim. – Afirmei e ele riu de forma gostosa.
- Três latas foram demais para mim. Você não acha?
- Sim, eu acho – digo tentando ficar séria. – Você tem uma tolerância baixa ao álcool. – Afirmei olhando-o.
Ele deitou a cabeça em seu braço e admirei. Meus olhos passearam por seus cabelos pretos, suas sobrancelhas alinhadas, seu nariz na medida certa para seu rosto, em suas bochechas agora vermelhinhas por causa da bebida e por último em seus lábios carnudos. Sorri levantando minha mão e levando até seus cabelos, mas parei. Que loucura é essa?
- Bom, eu já vou indo.
- Angel... – sua voz saiu quase como um sussurro.
- O que disse? – indaguei me aproximando novamente.
- Estou muito feliz por você finalmente ter voltado, Angel.
Olho ao redor me certificando de só tínhamos nós dois ali. Angel? O que será que ele quer dizer? Será que está sonhando com sua mãe? Ouço uma leve chuva começar a cair e praguejo mentalmente. Pego minhas coisas para ir embora, mas antes, pego o casaco de Dylan indo cobri-lo.
- Boa noite - sussurrei e saí em seguida. Em poucos minutos chego em casa, antes que a chuva ficasse mais forte.
***
O dia já havia amanhecido, mas a chuva ainda não havia parado. Levantei-me, fazendo minha higiene pessoal e me vestindo. Olhei-me no espelho e diferente das outras vezes, decidi colocar um pouco de maquiagem. Terminado, desci em seguida.
- Onde você vai tão cedo?
- Consegui um emprego – respondi de forma sorridente para tia Emma, pegando um sanduíche que ela havia feito. – Volto mais tarde.
Coloquei minhas luvas, o gorro, o cachecol e peguei o guarda-chuva. Ao me aproximar da livraria, avistei Dylan sentado no banco da varanda, com um livro e uma xícara que presumi ser de café, ao lado.
- Olá – digo assim que chego, deixando a sombrinha de lado.
- Você chegou cedo – ele disse mantendo um sorriso tímido nos lábios. Seus cabelos estavam um pouco bagunçados e seus olhos ainda pareciam sonolentos.
- É... Acordei cedo. Ressaca?
- Quase isso.
- Conseguiu dormir bem? – pergunto encostando-me em uma coluna de madeira.
- De alguma forma acordei no sofá – diz confuso me fazendo rir. - Quer café? – Ele me oferece estendendo sua xícara.
- Claro. Obrigada. – Dylan se levanta me entregando e pego tomando um gole. Ele volta a se sentar, abrindo o livro novamente e o som da chuva invade o ambiente. – Você tem baixa tolerância ao álcool, sabia?
- Ah... Eu sei. Não sou acostumado a beber.
- Você dormiu depois de três cervejas.
- Não foi você que me levou até o sofá, não é?
- Não. – Afirmo sorrindo. – Apenas te cobri para não ficar com tanto frio.
- Obrigado – diz meio acanhado.
- Então você foi parar no sofá? – perguntei em tom de brincadeira fazendo-o rir.
Eu gostava da sensação que eu sentia, toda vez que o fazia sorrir.
- Espera aí... Eu não te contei que sou sonambulo? – devolveu a pergunta me fazendo rir ainda mais. Olhei para ele vendo-o encarar o livro, lembrando de ontem.
- Você estava dormindo tão bem. – Ele me olha sem jeito e meu coração acelera. – Ah é! Você também falou algo enquanto dormia. – Mudo o tom da conversa tentando esfriar o desejo em mim.
- Falei? O quê? – indaga curioso.
- "Estou muito feliz por você finalmente ter voltado, Angel." – ele fecha o livro abruptamente ficando em pé. Dylan parecia querer não deixar transparecer sua aflição, mas estava falhando miseravelmente.
- O que eu disse? – perguntou com um leve sorriso, desacreditado.
- "Estou muito feliz por você finalmente ter voltado, Angel." Você disse isso. – Repito.
- Eu disse?
- Sim – ele suspirou com um sorriso nervoso olhando para a chuva a sua frente. – Você parecia bem amoroso. - Um pigarreio seguido de uma tosse, me fez rir. Ele mordeu seu lábio inferior ainda não acreditando.
- Qual a chance de você ter entendido errado? – questionou me olhando de relance.
- Nenhuma. Eu ouvi perfeitamente o que disse, até porque eu estava bem do seu lado.
- O quê?
- Sente falta da sua mãe, não é?
- Da minha mãe?
- É... Você não disse que Angel, era sua mãe?
- Ah! Sim! Claro! Sim! – afirmou de forma exagerada. – Devo ter sonhado com ela.
- Tenho certeza de que ela deve sempre te olhar lá de cima.
Ele concordou colocando uma de suas mãos no bolso da calça. Dylan não conseguia me olhar nos olhos e entrou na livraria como se quisesse se esconder. Sorri secretamente terminando de beber o café.
Diário sobre Angel - Escrito por Dylan Morris
Que dor de cabeça terrível diário... Ia escrever ontem, mas acabei bebendo e adormeci. Quer uma novidade que vai te deixar extremamente feliz? Angel vai trabalhar na livraria! Ela veio perguntar sobre trabalho e eu não tive como não contratá-la. Parece que quanto mais tento fugir, mas próximo fico dela. Antes que você pense, eu não estou achando ruim, é só que... Não sei como me comportar na frente dela. Às vezes penso que ela me acha um idiota.
Estávamos conversando sobre sua família ontem e até que estávamos tendo um papo legal, acontece que eu acabei dormindo, como disse antes. Sabe diário, Angel é uma mulher muito forte. Eu a admiro demais.