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Dylan tentou me evitar durante o dia todo e eu deixei que ele ficasse à vontade.
Nos dias seguintes, fui me adaptando à livraria, que quase não tinha clientes. Dylan deixava uma xícara de café na bancada e esperava eu chegar para poder ir à pista de patinação. Sabe aquela tensão que rola entre um homem e uma mulher quando estão sozinhos? Era isso que acontecia entre nós dois. Parecia que ele tinha algum sentimento por mim, mas como eu não tinha certeza de nada, deixei que o tempo fizesse seu trabalho. Naquela tarde Dylan voltou mais cedo.
- Já está de volta? – questionei surpresa.
- O clima está esfriando rápido demais, as notícias é que a temperatura esta madrugada vá cair bem abaixo de menos quinze graus celsius.
- Nossa... Isso é muito frio.
- Sim. As pessoas já estão indo se abrigar em suas casas, é melhor que você vá logo para a sua também – murmurou preocupado.
- Não precisa falar duas vezes – brinquei pegando minhas coisas.
- Boa noite – ele diz ao se despedir de mim, seguindo para o andar de cima.
- Boa noite – murmurei sabendo que ele não ia ouvir.
Dylan estava preocupado, mas ainda me evitava. Era por causa dessa atitude que eu achava que ele poderia ter algum sentimento por mim. Suspirei irritada enquanto saía da livraria. Jantei sozinha e subi para meu quarto. Observei a livraria, do alto de minha janela e em seguida me deitei na cama terminando de ler o livro O vento nos Salgueiros. Devia ser onze horas da noite quando escutei tia Emma gritar por mim. Saí do quarto a sua procura, encontrando-a ajoelhada sobre um buraco perto da casa. Ao me aproximar, identifiquei que ali era o porão, onde ficava as tubulações de água.
- A água congelou nas tubulações – ela disse e cresci meus olhos.
- E isso é ruim?
- É claro que é – diz sem muita paciência.
- Ouvi dizer que a temperatura vai cair ainda mais na madrugada – digo.
- Isso é pior ainda. Se nossas tubulações de água congelaram, um dos canos pode estourar a qualquer momento. Essa casa é velha demais – ela murmurou.
- A senhora nunca fez uma revisão dessas tubulações? Nunca chamou um encanador?
- Não tinha necessidade.
- Não tinha necessidade, tia? Se tivesse feito, talvez a água não tivesse congelado agora.
- Agora já era, não adianta ficar chorando. Ligue para o encanador, ele precisa vir o mais rápido possível – ela ordenou e olhei para a hora no celular vendo que já passava das onze e meia.
- É quase meia-noite, tia. Quem viria num frio desse? – digo com pesar. Realmente estávamos em apuros.
Assim que tia Emma suspirou aflita, um estrondo nos assustou e as luzes que estavam acessas na casa desligaram. Olhei para minha tia que fechou os olhos já sabendo o que era.
- Não temos mais energia – ela murmurou se levantando.
Eu a segui até o quintal entrando num quarto acoplado à casa. A fonte de energia de alguma forma tinha congelado também.
- Se esquentarmos, será que funciona? – perguntei nervosa.
- Como vamos esquentar isso? Está frio aqui fora e vai esfriar ainda mais – ela resmungou e arfou. – Vamos embora. – Ela decidiu e segui minha tia novamente até à frente da casa.
- Para onde? – perguntei levantando a gola da minha camisa para cobrir meu nariz e minha boca. Estava frio demais.
– Ali! – ela apontou para a livraria e cresci meus olhos.
– Na livraria? Por que ali?
– Por que sei que ele vai nos ajudar.
- Como tem certeza disso?
- Porque ele é uma boa pessoa. Sempre está disposto a ajudar. Agora chega de perguntas e ligue para ele – ela falou e balancei a cabeça negando.
- Não... Ligue você. Eu nem tenho o número dele. – Minto.
- Mas você trabalha para ele.
- Trabalho – confirmo. - Mas não significa que somos próximos. Você o conhece há mais tempo, você deveria ligar.
- Uau – ela sussurrou me fitando. - Você está nervosa?
- Não, por que eu estaria? – Cruzei os braços olhando para a livraria.
- O que aconteceu entre vocês dois?
- Não aconteceu nada, tia – falo com certa raiva.
- Hunrum... Olha Lisa, eu sei que você tem o telefone dele, Dylan é seu chefe, não adianta mentir para mim. Apenas mande uma mensagem avisando que vamos passar a noite na livraria ou iremos morrer nesse frio.
- Será que ainda tem como piorar? – resmunguei.
- Não fala isso, garota! – repreende. – Não sabe que dá azar?
Tia Emma saiu em direção à livraria sem buscar nada em casa e a segui resmungando aflita. Olhei para a livraria de longe vendo que as luzes estavam apagadas. Não acredito que minha tia está fazendo isso comigo. Estávamos próximas quando mandei uma mensagem.
"Boa noite, Dylan, por acaso você está acordado?"
Olhei para o andar de cima torcendo para que ele já estivesse dormindo. Nós duas poderíamos pedir abrigo em qualquer outra casa vizinha.
- Toque a campainha – tia Emma falou assim que paramos em frente à porta da livraria.
- Tia! – repreendo-a.
- Toque, mande outra mensagem ou ligue de uma vez. Estou congelando aqui fora.
- Era bem mais fácil pedir abrigo a dona Trista, nossa vizinha.
- Não gosto daquela mulher, vive se intrometendo na vida dos outros.
- A senhora não gosta de ninguém, tia. – O celular apitou e desbloqueei a tela vendo a mensagem de Dylan. Suspirei em pensamento. Ele estava acordado.
"Oi, Lisa. Aconteceu alguma coisa?"
Tia Emma leu a mensagem comigo e quando eu ia responder, ela tocou a campainha.
- Tia! Pelo amor de Deus! – repreendi.
- Você é muito lerda, Lisa.
- Eu estava falando com ele.
A luz do andar de cima acendeu e nós duas nos calamos. Com o silêncio da noite é possível ouvir os passos de Dylan ao descer as escadas. Coloquei um sorriso em meus lábios assim que ele abriu a porta e vi seu olhar assustado por nos ver ali.
- O tempo frio congelou a tubulação de água e o motor de energia queimou, podemos passar a noite aqui? – tia Emma questionou parecendo cansada.
- É claro, entrem. – Mesmo confuso Dylan nos convidou para entrar fechando a porta em seguida.
- Obrigada, Dylan – digo entrando depois de tia Emma.
- Lisa estava com vergonha de pedir ajuda a você Dylan. – Arregalei meus olhos não acreditando no que tia Emma havia acabado de falar. – Aconteceu alguma coisa entre vocês?
- Pelo amor de Deus, tia! – Minha voz saiu elevada e não ousei olhar para Dylan.
- Sua forma de agir é muito suspeito, minha sobrinha.
- Venham por aqui – ele falou nos interrompendo subindo as escadas e agradeci mentalmente por ele ter feito isso.
O andar de cima era tão aconchegante quanto a livraria. Dylan tentou juntar algumas peças de roupas que estavam espalhadas no sofá e virou-se nos encarando.
- Podem ficar aqui o tempo que precisarem. Há um quarto à direita no corredor que no momento está inabitável, mas tem o meu à esquerda, e alguém pode dormir no sofá...
- Ótimo, estou indo para o quarto. Obrigada Dylan, você realmente nos salvou. – Tia Emma saiu, nos deixando sozinhos e fechei meus olhos por segundos, abrindo em seguida para olhá-lo.
- Desculpa te incomodar tão tarde – peço envergonhada. – Minha tia é uma figura, não acha?
- Não se desculpe, eu conheço sua tia. Na verdade, todos aqui conhecem bem o jeito dela. – Ele mostra um leve sorriso com os lábios. – E sobre a tubulação congelar, essas coisas costumam acontecer com frequência durante o inverno.
- De qualquer forma, muito obrigada.
- Vou trazer umas cobertas para você. Um minuto – ele pediu e em poucos segundos voltou com dois ou três cobertores. Seguro meu riso com seu exagero. – Essa quantidade está boa? Eu posso pegar mais.
- Não, está ótimo.
- Bom, então fique à vontade. – Dylan desceu as escadas e o acompanhei.
- Não vai ficar aqui? – questionei vendo-o pegar seus casacos de frio.
Ele parou me olhando como se desejasse ficar. Meu coração errou as batidas quando ele sem querer mordeu seu lábio inferior. Seus cabelos ainda estavam um pouco molhados e me perguntei se ele havia saído do banho há pouco tempo. Dylan usava um pijama preto de mangas longas, deixando sua pele mais branca com o contraste. Ele desviou o olhar colocando as luvas nas mãos.
- Acho melhor ir para a casa do meu pai, é aqui perto.
- Tem certeza? Eu não quero que você...
- Tenho. – Afirmou.
- Então tome cuidado – murmurei. – Está muito frio lá fora.
- Vou tomar.
Ele sorriu saindo em seguida e olhei para a tela do celular vendo que ainda estava nas mensagens. Sorrio ao ver o nome a qual havia salvado seu contato.
- "Garoto tímido da livraria" – murmurei e voltei para o andar de cima.
Ajeitei o sofá com os cobertores que ele havia me dado e me deitei sentindo o cheiro do seu perfume. Sem perceber eu já estava sorrindo, cobri meu rosto com o cobertor e tentei dormir.
***
No dia seguinte, eu e tia Emma levantamos cedo e tomamos nosso café numa mercearia perto da livraria. Depois voltamos para nossa casa, chamamos o encanador e em meia hora ele já estava vendo os estragos causados pela baixa temperatura. Enquanto estávamos do lado de fora sentadas na escada da entrada da casa, ouvimos um estouro um pouco diferente de ontem. Nós nos olhamos e em seguida corremos em direção ao barulho. Eu não podia acreditar no que via, um cano havia estourado no banheiro do andar de baixo. Peguei alguns panos tentando secar a pouca água que saía do cano.
- O registro já foi fechado – o encanador avisou e me levantei ficando ao lado da minha tia.
- E então, o que o senhor viu durante a análise das tubulações.
- Somente em alguns lugares da casa a água empedrou, mas isso não significa que a situação não seja ruim.
- Ruim? – questionei.
- Vocês precisarão arranjar outro lugar para ficar, por pelo menos uma semana.
- Uma semana? – indago.
- Sinto muito, mas não há muito o que posso fazer agora. Esse cano acabou de estourar porque as tubulações estão velhas demais. É necessário trocar todas elas, ou mais na frente outro cano pode estourar. Vocês também precisam trocar a caixa de energia, posso indicar um eletricista.
- Nós entendemos. Conserte o que for preciso e chame o eletricista que conhece, depois a gente se acerta no valor – disse tia Emma. – Minha sobrinha Lisa, vai ficar por aqui e virá de vez em quando dar uma olhada no trabalho de vocês.
- Tudo bem. Vou chamar o eletricista agora mesmo.
- Ótimo! Eu já vou indo, Lisa.
- Quê? Para onde? – digo surpresa.
- Vou ficar na cidade, na casa da Suelli. – Ouço uma buzina do lado de fora e sigo minha tia que já havia preparado sua mala.
- Espera. Quando você pegou suas roupas? – perguntei sem respostas. - Você vai mesmo para a cidade? E quanto a mim?
- Você já é adulta, não é? – ela diz andando em direção ao carro.
- O que isso tem a ver? – indaguei confusa e surpresa.
- Você veio para cá por conta própria, conseguiu um emprego por conta própria, vai conseguir um lugar para ficar também.
- Tia! – grito tentando chamar sua atenção.
- Ei, não grite! Quer chamar a atenção dos vizinhos?
- Tia! – grito outra vez e ela entra no carro indo embora. – E agora? – sussurro.
Diário sobre Angel - Escrito por Dylan Morris
Estou tentando evitar a Angel. Não consigo olhar para ela e o motivo é culpa minha, mesmo. Acabei falando mais do que devia enquanto adormeci. Ela acha que sinto falta da minha mãe e que acabei sonhando com ela. Angel é tão ingênua, diário. E essa ingenuidade dela, me faz querer cuidar ainda mais dela e por mais louco que seja, isso me faz afastar também.
Ela apareceu tarde da noite ontem na livraria, diário. Parecia um gatinho abandonado no meio do frio. Tive vontade de abraçá-la para aquecê-la. Sua casa estava com algum problema nas tubulações e eu claro, deixei que ela e a tia ficassem no andar de cima. - Não vai ficar aqui? - Angel questionou e quase não consegui conter a vontade de falar "Sim!". Minha vontade era de dormir ao seu lado e sentir seu perfume invadindo meus sonhos, você sabe bem disso, diário, no entanto, fui para casa de papai. Foi bem difícil, mas foi o certo a se fazer.