Capítulo 3 TRÊS

- Está escuro – ele disse desviando o olhar e se posicionando ao meu lado timidamente. – Pode ser perigoso.

- Minha casa é bem perto – digo ainda sem reação.

- É só por precaução. Está escuro e deserto aqui fora. – Repete dessa vez mais firme. Respiro fundo olhando para frente e volto a andar. – Olha, mas cedo lá no restaurante... O que eu disse... – Dylan parecia procurar as palavras certas para dizer o que queria. – É... Não quero que se sinta incomodada com isso.

- Não me sinto... Estou bem. – Minto sabendo que meu coração estava bastante estranho em relação a ele, após sua confissão. – Está no passado como você disse, não é?

- Pois é – balbuciou.

Continuamos nossa caminhada um pouco distante um do outro. Eu estava cada vez mais perto de casa, mas desejava que o caminho se estendesse um pouco mais.

- Você desenha muito bem. – Ele iniciou novamente me pegando um pouco de surpresa. Dessa vez ele estava puxando assunto. Olhei para minha mão.

- É de Henna.

- Posso ver mais de perto? Não tive uma oportunidade lá no restaurante.

Após minha confirmação com a cabeça, Dylan se aproximou devagar apontando a lanterna para o desenho na minha mão. Um leve sorriso se formou em seus lábios, me deixando maravilhada.

- Lembro dos desenhos que fazia no colégio. Já eram bonitos antes, mas agora ficaram melhores. – Ergui minhas sobrancelhas com sua fala.

Não lembro de algum dia ter mostrado meus desenhos a alguém.

- Como assim?

- Oi? – ele levantou os olhos encontrando os meus. Estávamos tão perto que pude sentir sua respiração pesada em minha bochecha. Rapidamente ele se afastou, voltando a sua posição. – Desculpe - pediu voltando a andar e o acompanhei.

- Como sabe dos desenhos? – questionei curiosa.

- Você costumava deixar o caderno aberto quando terminava algum desenho.

- Deixava?

- Sim – afirmou e suspirei sem recordar.

- Acho que eu era bastante desligada no colégio.

- Um pouco, talvez – ele concordou com certo riso.

- Você está rindo, é? – Empurro-o com meu ombro, percebendo-o retrair um pouco. Alguns segundos depois volto a falar. - Eu comecei a desenhar depois que meus pais morreram.

- Eu sei – ele disse e respirei fundo lembrando-me daquela época.

É claro que ele sabia, todos sabiam. Os alunos ficaram sabendo da minha tia ser acusada da morte de meus pais e começaram a me chamar de assassina. Ninguém queria estar perto de mim, todos zombavam e desenhar me fazia esquecer deles. Só com o tempo é que as acusações foram esquecidas. Depois disso, pude fazer colegas e uma amiga, que logo após o término do colegial, não fui capaz de manter contato.

- Foi difícil, mas você se saiu muito bem.

- Eu não teria tanta certeza – digo pensativa.

Em poucos minutos, estava em casa. Me despedi de Dylan com um breve aceno e voei para meu quarto. Do alto de minha janela vigiei Dylan em seu caminho de volta à livraria. Um sorriso tímido apareceu em meu rosto e suspirei.

- Por que está sorrindo para a janela? – tia Emma questionou me assustando.

- Que susto, tia! Não é nada – digo fechando as cortinas.

- Vou ao cemitério visitar sua mãe amanhã. Se quiser me acompanhar... – ela deixou em suspense e balancei a cabeça afirmando que iria.

- Por que só a mamãe? – Ela me olhou como se eu tivesse perguntado algo estúpido - meu pai também está naquele cemitério, mas você falou somente da mamãe.

- Se quiser visitar seu pai, pode ficar à vontade – murmurou.

- Por que nunca fala sobre ele?

- Porque de fato, ele morreu para mim – respondeu saindo em seguida.

As atitudes de tia Emma me deixavam muito confusa. Pelo que me lembro ela e o papai sempre se deram bem... Por que não visitaria ele? Por que ela não falava dele? Ela me escondia alguma coisa e um dia eu ainda iria descobrir.

No dia seguinte, acordamos cedo para ir ao cemitério. Tia Emma havia pedido o carro de Dylan emprestado. A viagem foi feita em silêncio. Quando chegamos ao nosso destino, fomos até à lápide de minha mãe. Pois é, ela e meu pai não foram enterrados lado a lado.

- Oi, Elly. – Iniciou minha tia. – Você deve estar surpresa por finalmente sua filha aparecer por aqui. – Olhei para a tia Emma em reprovação. – Mas você não ficará feliz em saber que ela se demitiu logo quando o desemprego está tão alto.

- Argh... Tia! – repreendo-a.

- Sua mãe precisa saber do que está acontecendo com você.

- Se ela precisa saber sobre mim, precisa saber sobre você também. Agora, tia Emma fuma todos os dias, mãe. – Olhei para a lápide e ouvi ela respirar fundo. - A casa está uma bagunça e ela ainda usa um lenço vermelho no pescoço, sem motivo algum! – Olhei para ela que me fuzilava com os olhos. – Além disso, ela continua sendo fria e distante de mim... Parece que ela continua me afastando, desde quando você foi embora – suspirei lembrando dos momentos com mamãe, das nossas risadas, dos passeios que dávamos juntas no fim de tarde. – Sinto sua falta, mãe. Desculpe não ter vindo te visitar mais vezes.

Senti a tristeza me invadir e deixei uma rosa em seu túmulo indo atrás de meu pai. Conversei pouco com ele e assim como no de mamãe, deixei uma rosa em sua lápide e fui embora. Era difícil demais estar ali. Eu era apenas uma adolescente quando os perdi e ninguém deveria perder os pais tão cedo assim.

Voltei para o carro e apenas pedi à tia Emma que me deixasse na cidade. Minutos depois, eu passeava por Aspen.

- Lisa! – Uma voz conhecida chamou meu nome e olhei para o outro lado da rua vendo Ester, minha melhor amiga. Acenei com a mão e ela correu atravessando a rua.

- Oi! – Cumprimentei com um abraço.

- Não acredito que te encontrei aqui. Fiquei tão triste por não ter ido à reunião dos amigos.

- A gente se encontrou de qualquer maneira – digo positiva.

- Está passeando?

- Hunrum.

- Tem tempo para um café?

- Claro que sim.

Ester me levou para uma cafeteria que ela trabalhava. Na verdade, ela era a dona. Sentei-me em uma das mesas do local, enquanto ela buscava o café.

- Este é o melhor café de Aspen! – disse me entregando a xícara.

- Obrigada. Então você se tornou dona de uma cafeteria...

- Não poderia ter arranjado algo melhor – ela diz me fazendo rir.

- Por acaso não teria algum emprego para mim aqui?

- Adoraria que pudéssemos trabalhar juntas, mas no momento não tenho como contratar ninguém.

- Tudo bem amiga, eu entendo – digo sincera.

- Luna me contou, mas não acreditei muito, você veio mesmo passar um tempo aqui?

- Pelo menos até o inverno acabar. – Bebo um gole do café, saboreando o gosto suave. – É realmente muito bom. – Ela sorri orgulhosa.

- Então, com tem sido esses anos todos na capital?

- Bastante agitado, eu precisava de uma pausa, por isso vim para cá. E reencontrar as pessoas, é legal também.

- Rever velhos amigos é muito bom e rever você, é melhor ainda. – Seu celular apita e ela pede licença olhando-o. – Hum... O que você vai fazer hoje à noite?

- Hoje?

- Sim – ela diz ainda olhando para o celular.

- Acho que vou ficar em casa.

- Bom, não vai mais – diz Ester colocando o celular na mesa, me fitando sorridente. – Tem um lugar muito legal, que eu vou uma vez por semana. Quer ir comigo?

- Ester... – digo estreitando meus olhos.

- Prometo que você não vai se arrepender.

- Posso saber antes aonde é?

- Você sabe onde é. É bem pertinho de onde você mora. – Vinco minha testa confusa. No interior não existe boate alguma. – Confirma sua presença?

- Confirmo, mas só porque confio em você – explico deixando-a feliz.

***

Realmente, era bem perto.

Após conversar quase a tarde toda com Ester, voltei para casa, tomei um banho quente, vesti minhas roupas de frio, e quando a noite chegou, Ester bateu em minha porta me levando até à livraria.

- É aqui? – indaguei e ela afirmou mostrando-me seu sorriso.

Lucca abriu a porta e quando entrei, o local estava um pouco cheio. Cumprimentei Luna, Alice e Dylan, que me fitou surpreso. As estantes pequenas haviam sido afastadas para que todos pudessem estar sentados em uma roda.

- Pessoal! - iniciou Ester. – Lisa Adams, será um novo membro do nosso Clube do Livro. Se vocês aceitarem é claro.

- É claro que aceitamos! – respondeu Luna me abraçando. – Vamos desejar boas-vindas?

- Bem-vinda, Lisa! – Todos disseram em um coral e sorri um pouco tímida.

- Eu sou Debby, tenho quinze anos. – A jovem, que estava ao lado de Alice, sorriu para mim e retribui.

- Sou José, trabalho com o pai de Dylan, na pista de patinação. Na verdade, só eu que trabalho, porque o Sr. Noah, só fica observando mesmo – comentou e observei que ele parecia ter vinte anos. Era jovem também.

- Hahaha... Quando você se tornou piadista? – interrompeu Alice.

- Posso dar só um tapinha em sua irmã, Dylan?

- É você quem vai apanhar se encostar nela – ele respondeu como um irmão mais velho, me fazendo rir.

- Me chamo Maggie, querida. – A senhora já de cabelos brancos disse chamando minha atenção. – Sou dona da farmácia na cidade.

- É um prazer conhecer vocês – digo sorrindo. – Mas afinal, o que vamos fazer hoje? Eu realmente estou bastante curiosa.

- Vai ser divertido – diz Lucca.

- Bom... Vamos começar a reunião do Clube do Livro? – questionou Dylan e abri minha boca surpresa.

- Sim! – murmurou Alice empolgada e o restante aplaudiu. Dylan colocou uma bandeja com xícaras na mesinha no centro da roda e cada um, pegou o seu chocolate quente.

Dylan conduziu a reunião, nos dizendo que hoje, era a vez de Maggie ler um trecho do livro que ela estava lendo. Por um Amor como dos Livros, contava a história de uma garota que, mesmo com as dificuldades da vida, ela não deixava de sorrir. Um dia descobriu que seus dias estavam contados, após ser diagnosticada com uma doença e então decidiu tirar seus últimos dias a procura de um amor, como nos livros de romance que lia. Prestei atenção no verso que ela escolheu para ler.

- "Porque há amores que em uma vida, não te ensinam nem o que é amar e existem amores que te fazem amar por uma vida, em poucos dias, horas ou até segundos. Não é sobre tempo, é sobre sentimento." – Leu Maggie recebendo aplausos.

- Você sempre traz as melhores história... – suspirou Luna.

- Obrigada.

- Obrigado, Maggie. – Dylan agradece gentil. - Agora vamos escolher um tema.

- Inverno? – propõe Alice e todos concordam.

- Certo, o tema para histórias ou poesia da reunião de hoje, será inverno.

- Eu quero ouvir Lisa primeiro – Lucca pede e os demais concordam.

- Eu? – digo surpresa.

- Nos conte um trecho de qualquer poesia ou história que tenha relação ao inverno – explica Ester.

- Um trecho? Hum... – abaixo os olhos, pensativa.

- É a primeira vez dela aqui, que tal se ela apenas obser... – Dylan iniciou, mas o interrompi.

- "Eu sei que o inverno vai chegar quando não há mais cores e as noites são frias e longas. Quando nem o amor as vezes consegue derreter um coração, que de tanto viver no frio, não consegue mais derreter. Ela pensou nele, no dia que o deixou no prado. Por quanto tempo deve hibernar na dor, a fim de apagar tais lembranças? Se as memórias de amor são como um boneco de neve perdido na estação errada, o arrependimento é desnecessário. Mas no prado solitário, a desilusão permanece, assim como o coração gelado daquela triste mulher" – concluí notando silêncio.

- Uau – murmurou Ester após um tempo.

- De quem é? – questiona Debby admirada.

- Emma Dawson. Prado Solitário – digo.

- Não sei se vocês sabem, mas a tia da Lisa escreveu esse livro – explicou Lucca.

- Ela já foi uma escritora bastante famosa – completou Dylan.

- Fiquei muito emocionada, a história deve ser muito boa – fala Maggie.

- Sim... É – responde Dylan mantendo um sorriso no rosto.

À medida que o tempo ia passando eu me adaptava cada vez mais com as pessoas ali. E quando a reunião chegou ao fim, as pessoas foram embora tendo um sorriso lindo no rosto. A maioria morava na cidade, então Lucca as levou no carro e eu fiquei na livraria para ajudar Dylan a organizar as coisas.

- Sabe que não precisa me ajudar – ele disse, enquanto eu levava as xícaras de chocolate quente para a pia.

- Você deve estar cansado e duas pessoas arrumam mais rápido que uma.

Ele sorriu e contive meu desejo de ficar admirando-o. Dylan colocou as estantes pequenas de volta ao seus lugares e eu coloquei as cadeiras no fundo da livraria. Quando voltei, passei meus olhos pelos livros.

- Se quiser pegar outro emprestado, pode ficar à vontade. – Ouço sua voz, mas não me viro para vê-lo.

- Sabe... Na verdade, eu adorava ler. Mas, parei já faz alguns longos anos.

- Por quê?

- Os livros contêm histórias de diversos tipos... E para mim a maioria deles era como uma afronta, porque por mais que existam as dificuldades, sempre existe o final feliz. Só que na vida real nem sempre é assim. – Viro-me fitando-o. Dylan estava perto da janela encostado em uma estante observando atentamente o que eu dizia. – Mas hoje, eu fiquei curiosa sobre os livros. – Ele sorriu colocando as mãos no bolso da calça.

- E isso é bom?

- Sim! O que eu presenciei aqui, com o Clube do Livro, me despertou a vontade de ler novamente. Especialmente essa coleção de poemas. – Levanto o livro mostrando-lhe fazendo-o rir. Ele estava mais receptivo hoje. Caminhei para o balcão assim como ele. – A propósito, ainda estou lendo O vento nos Salgueiros, vou terminar o mais rápido possível e devolver.

- Pode ler no seu tempo, não tenha pressa – ele diz abrindo o notebook. – O Vento nos Salgueiros deve ser apreciado palavra por palavra. - Observei seus movimentos lembrando de uma conversa que tive com Ester.

- Estive a tarde toda com Ester e ela me disse que era incrível o fato de que nós dois morávamos perto um do outro, mas nunca fomos próximos. – Ele parou de escrever respirando fundo. – Mas eu me lembro.

- Do quê? – Seus olhos encontram os meus e sorrio.

- De você – murmuro.

- Se lembra de mim? – Ele transmitia um certo tipo de felicidade e desconfiança em seus olhos escuros.

- Bom... Um pouco, mas eu tenho memórias suas de quando estudávamos juntos. Você tinha e, ainda tem, uma ótima dicção. – Ele sorriu olhando a tela do notebook. – Eu adorava quando você era chamado para ler algum poema. Gostava de ouvir sua voz.

Dylan levantou seus olhos timidamente me fitando. Sua boca tinha um singelo sorriso que fez meu estômago borbulhar.

- E você? – perguntei sem tirar meus olhos dos seus. – Tem alguma lembrança minha?

- Claro que tenho.

- Quais? – Instiguei.

- Algumas – respondeu sincero em um sussurro.

Meu sorriso se alargou e Dylan desviou o olhar. Notei que ele provavelmente se afastaria outra vez e percebi que já era hora de ir. Me despedi levando o livro de poemas comigo e voltei para casa. Depois de muito tempo, dormi com um sorriso no rosto. E esse sorriso tinha nome. Dylan.

Diário sobre Angel - Escrito por Dylan Morris

Ela apareceu aqui na livraria, depois da nossa reunião com a turma do colégio. Angel pediu o livro O vento nos Salgueiros emprestado. E quando há vi indo embora sozinha, tomei coragem para lhe acompanhar até sua casa. "Está escuro", eu disse a ela e, Angel aceitou minha companhia. Não tive tempo para te contar, mas durante a reunião dos amigos de colégio, acabei dizendo que gostava dela no colegial e logo depois menti ao dizer que, o que eu sentia já estava no passado. É por esse motivo, que estou completamente ferrado.

***

Angel é oficialmente um membro do Clube do Livro. Você pode imaginar a surpresa que eu tive ao vê-la entrar na livraria? Mas a melhor parte nem é essa, diário, ela disse que lembrava de mim na época do colégio. Pouco, mas se lembrava. Ela disse que gostava de ouvir minha voz.

Angel me devolveu a pergunta, e respondi que havia algumas lembranças. Eu sei... Menti mais uma vez. Você sabe tão bem quanto eu, que eu lembro de tudo sobre ela no passado. Mas como iria dizer isso? Como eu diria que lembro dela desde o primeiro dia que entrou na escola? Que lembro dos dias difíceis quando os alunos a acusavam e zombavam sobre ela ser sobrinha da mulher que supostamente matou seus pais? Como dizer a ela que lembro até hoje do chaveiro de lua que ela me deu no dia da troca de presentes com o colega da cadeira ao lado?

Ah diário... Às vezes penso em contar para ela sobre os meus sentimentos, mas... Será que devo? Ela vai voltar para capital um dia, e eu? Como ficarei?

            
            

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