/0/8145/coverbig.jpg?v=e07f203525618a6f8d7e40b58e3f2b5b)
Entrei no chuveiro, deixando a água quente (talvez mais do que devia) correr pelo corpo. Eu conhecia-me e algo não estava bem. "aliás quando é que algo estava?!".
Não pode evitar rir deste pensamento. Não podia ser ele, passaram-se anos sem o ver, sem ter uma notícia dele e mesmo assim a simples ideia de o ter visto deixou-me inquieta como sempre. Ele conseguia sempre ter esse efeito em mim.
- Não és mais uma miúda, não podes agir assim – resmunguei comigo mesma.
E não pude evitar pensar no Dinis e finalmente admiti para mim mesma que talvez esteja a sentir algo por ele. "Se calhar foi por isso que achei o vi", pensei para comigo, era o típico, sempre que começava a sentir algo por alguém e permitir-me ser feliz, ele tinha o dom de aparecer na minha vida e roubar esse fumo de esperança.
Mas não podia começar a gostar do Dinis, afinal ele deixou bem claro ainda há pouco que éramos apenas amigos. Talvez fosse apenas a ideia de gostar dele que me agradava, de quebrar o ciclo e voltar a envolver-me verdadeiramente com alguém. Afinal ele era o meu porto seguro...
"Chega!". Gritei! "Hoje vais beber, divertir-te e esquecer isto! És bem-sucedida e com uma carreira promissora! Tens sexo sempre que queres! Hoje é farra!"
Saí e vesti apressadamente uns jeans pretos justos, um top branco de alcinhas que relevavam um decote promissor, usei os saltos pretos de hoje – e pensei em como a porra de uns saltos de adaptam a qualquer situação – fiz um eyeliner e pintei os lábios de vermelho, deixei o meu cabelo secar ao natural – já sabia que ia ficar com as ondas selvagens – vesti o meu casaco de cabedal preto, agarrei a minha bolsa e apanhei um táxi.
Olhei ao telemóvel e já tinha uma mensagem da Joana. "Merda! Estava 15 minutos atrasada e ainda tinha uma viagem de 15 minutos".
*Estás atrasada, como sempre! :) Estou à tua espera com uma Marguerita... e um moreno a tentar-me *
Velhos hábitos nunca mudam, – ri para mesma. Tinha chegado e mal entrei, vi-a logo a dançar com um moreno. Estava linda como sempre, tinha um vestido justo vermelho, saltos pretos e com uma maquilhagem suave. A Joana era naturalmente loira, de olhos castanho e morena, por vez perguntava-me como é que uma psicóloga conseguia parecer uma surfista.
Mal me viu largou o moreno e veio abraçar-me.
- Estava a ver que nunca mais! Se não te conhecesse ficava chateada!
- Desculpa, tive um contratempo – disse desculpando-me.
- Hum... o que me queres contar? – olhou-me com um aquele típico ar de psicóloga que eu odiava.
- Nada – protestei forçando um super sorriso – Hoje só quero beber e divertir-me!
- Shot! – gritou chamando o moreno, era bonito, musculado, mas era uma beleza vulgar – Esse é o Maurício, está cá de intercâmbio.
"OH MEU DEUS! ELA VAI COMER UM ALUNO! UM MIÚDO!" choquei e ela percebeu.
- Sabes que temos 27 anos e ele tem 23? Não temos 50 anos de diferença, Ema! – riu de mim.
Quando voltei a olhar para ele, tinha trazido um shot de tequila para cada um. Bebemos um, depois outro e quando dei conta já tinha bebido 6. Decidi deixar os pombinhos e ir buscar outra coisa para beber e dar-lhes alguma privacidade.
- Ema há quanto tempo! – Daniel o barman cumprimentou-me, já era cativa no bar desde a faculdade, mas já fazia muito tempo de facto que não tinha ido lá.
- Muito tempo Daniel. Como estás?
- Bem e melhor agora e voltei a ver-te – piscou-me o olho – vais querer o habitual?
Assenti em forma de afirmação. E ele entregou-me um gin, Hendricks com pepino e bagas de pimenta vermelha.
- Ainda te lembras? – sorri.
- Claro! É raro pedires outra coisa.
Era verdade! O Daniel era o dono do bar, mas poucos sabiam, era uns anos mais velho, mas continuava sempre com o mesmo charme. Era um pouco mais alto que eu, de cabelo castanho-claro, olhos verdes-escuros e tinha tatuagens em ambos os braços, que mostrava com orgulho.
- Bem, vou tentar voltar a vir aqui com a assiduidade com que vinha antes – disse tirando a carteira da mala para pagar a bebida.
- Não é preciso – olhei-o sem perceber – primeiro não te ia cobrar a bebida, e depois ela já foi paga – disse-me e apontou para o outro lado do bar.
Não podia acreditar nos meus olhos, devia ter bebido demasiada tequila. O chão aprecia que se estava a desabar debaixo dos meus pés, o sangue parecia que tinha saído do meu corpo e gelei.
- Quando a estava a preparar, um dos outros barman disse que a bebida ia para conta dele. Sempre a espalhar charme – disse atrás de mim o Daniel, e eu continuei atónica – estás bem?
Eu assenti com a cabeça sem mexer um músculo do resto do corpo.
Então eu não estava doida esta manhã no hotel!
Vi-o a vir na minha direção e nesse momento vi que a Joana me agarrou no braço virando-me para ela, e dei graças a Deus por me tirar daquele transe e me salvar.
- Ei! Já arranjaste alguém e nem me disseste? – riu com o sorriso perfeito dela – Tanto tempo para uma bebida!
- Não queria acreditar nos meus olhos quanto te vi – reconheceria aquela voz numa multidão e viramo-nos as duas – afinal também cá estás Joana!
Ela sorriu e cumprimentou com dois beijos.
- Leonardo! O que fazes aqui? – ela sorriu para ele todo alegre.
Eu só podia estar a sonhar! Ele não podia estar ali. Senti o telemóvel vibrar dentro
da mala.
- Vim ou melhor voltei, tinha umas coisas para resolver e vi a Ema. – disse dando-me dois beijos – bem, vocês estão iguais e lindas!
- Tu também estás igual – foi a única coisa que consegui dizer na altura – Que estás aqui a fazer? Neste bar quero dizer.
- Bem, este era o nosso lugar na altura.
- Ainda te lembras? – Joana perguntou entusiasmada e continuaram a falar, não prestei muita atenção e olhei para o telemóvel. Tinha uma mensagem do Dinis:
*Lembra-me de nunca mais sair com uma empregada de mesa!
Já bebi demais para conseguir aturar esta miúda...
Tenho saudades tuas. Estás ocupada ou já voltaste a casa? *
Consegui sorrir por breves momentos, imaginando o cenário (mais um) que acabava por ocorrer sempre que ele saía com alguém.
- Ui o charme dela nunca deixa de me impressionar – ouvi o Leonardo a referir-se a mim.
- Provavelmente é o Dinis – a Joana respondeu antes que eu mesma conseguisse dizer algo - Bem, acho que já vos roubei tempo suficiente –piscou-lhe o olho – Ou melhor, acho que já me roubaram tempo suficiente. Vou dançar um pouco com o meu moreno. Já volto ok?
- Mas eu estou de ... – e a frase ficou a meio, não valia a pena, ela já estava a dançar com o Mauro? Já nem me lembro do nome dele.
- Acho que já não te vai ligar grande coisa – disse-me e naquele momento senti uma vontade boba de fugir – Vais continuar assim tão calada por quanto tempo?
- Obrigada pela bebida – não me lembrei o que mais lhe podia dizer.
Olhei para ele durante um bocado, e sentia aquilo que tinha sentido há anos. A mesma força invisível que me atraía para ele, aquela vontade de o tocar, de sentir aquele formigueiro pelo meu corpo, a vontade de ser dele (que nem apenas sexual).
E só o simples olhar azul dele me deixa quente por dentro, como se fosse o único olhar que me fizesse sentir que pertencia a alguém, que me via, toda eu.
Ele continuava igual, as feições... o queixo agulhar, a barba aparada loira, o nariz reto e o cabelo loiro escuro, grande o suficiente para me lembrar da forma como o agarrava. Contudo estava mais musculado, os ombros maiores e senti-me novamente pequena junto ao 1.87m dele.
- Continuas igual – murmurou quebrando o silêncio, percebi que aquilo era demais para mim, queria sair dali! – apesar de gostar mais do teu cabelo liso – disse-me ao passar uma mão pelo meu cabelo, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
- Eu tenho de ir – disse afastando-me dele, tinha de me despedir da Joana, mas senti que ele me agarrava o braço.
- Eras tu que estavas no hotel hoje de manhã, não eras? – perguntou-me e fiquei em silêncio.
- Sabes que há muitos hotéis Leonardo – revirei os olhos. – Se não te importas, gostava que me largasses o braço.
- No la Guardia. – disse apertando com mais força o meu braço, não ao ponto de me magoar, mas conseguia sentir a tensão.
"Era mesmo ele lá!"
- Não te vi – menti.
- Mas eu vi, não tinha a certeza, vi-te de costas muito intima com um sujeito – disse com cara de nojo – e depois passaste demasiado rápido que não consegui ter certeza. Acreditava que fosses tu. Quer dizer, estavas linda! E depois...– e sorriu-me.
Inspirei profundamente, agarrei o telemóvel na esperança de ter mais uma mensagem, uma chamada, algo que me desculpasse para sair dali.
- Foi um gosto ver-te – disfarcei a minha azia – mas tenho mesmo de ir.
- Oh! O teu apaixonado vai desculpar-te por chegares uns minutos atrasadas. Deves-me uma dança! – e agarrou-me – Sempre foste boa a dançar salsa e eu... bem tive tempo de aprender.
E quando dei por mim estava a dançar com ele, como se nada mais importasse.
Queria sair dali, mas o meu corpo não obedecia. Era como se o meu corpo apeas respondesse às vontade e caprichos deste loiro. Como era possível que depois de tudo, depois daquele tempo, ele conseguia fazer de mim o que queria.
- Ele é um sortudo! – sussurrou junto do meu ouvido, quando me puxou para ele, dando-me um beijo apaixonado e safado.
Só tive força para lhe dar um estalo que o deixou surpreso.
Finalmente estava a ganhar juízo na cabeça!
- Quem pensas que és? – ele ia responder-me, mas cortei-o logo – Com quem estou ou deixo de estar não te diz respeito! O que faço ou deixo de fazer não te diz respeito! Porque é que não voltas para o sítio onde te foste esconder há anos atrás?! Achas que podes voltar e tudo volta a ser como antes?! – vi o desespero nos olhos dele – Achas que podemos voltar a ser amigos é?! – fiz questão de entoar na palavra amigos – Cresce Loureço, por uma vez na tua vida cresce!
- Desculpa, é só q...
- Ah! – interrompi-o – Obrigada pela bebida – agarrei na bebida que tinha ficado num dos balcões ao lado de onde dançávamos e mandei-a à cara.
Saí e reparei que as pessoas mais próximas a nós nos olhavam e que o Daniel me olhava com cara de espanto. Mandei-lhe um beijo como forma de despedida. Encontrei a Joana e despedi-me sem lhe contar o que se tinha passado – alguém merecia alguma diversão nesta noite.
Estava à espera de um táxi e prestes a congelar no meio da rua.
- Eu só te queria pedir desculpa! – ouvi-o atrás de mim, enquanto colocava o casaco dele nos meus ombros.
Recusei-o, preferia morrer de frio a ter de sentir o cheiro dele ou mesmo estar com ele.
- Não sejas assim! – exclamou, tocando no meu braço e fazendo-me olhar para ele.
- Queres que seja como?
- Eu bebi um bocado! Não queria te ofender Ema...
- A tua desculpa é sempre o álcool... – encolhi os olhos e virei-lhe as costas, ele sabia ao que me referia.
- Por favor, olha para mim Ema... – ele estava tirar-me do sério, respirei fundo.
- Tu desapareceste durante 5 anos, ninguém soube nada de ti e agora apareces do nada e continuas a agir como o mesmo otário que eras.
- Eu já...
- Não! Agora vais ouvir-me senão não tivesses vindo atrás de mim. – afirmei com o tom sério que usava quando estava a negociar. – Tu fodeste-me porque quiseste e depois culpaste o álcool, pediste-me para ficarmos amigos e eu consenti. Ouvi todas as tuas histórias com outras, estive sempre lá para ti. Mas sempre que alguém se aproximava de mim tu fazias questão de que não avançasse ou era demasiado feio ou demasiado burro ou então estavas a ter uma merda de uma crise com álcool!
Vi que ele estava de punhos cerrados, mas não tirou os olhos dos meus.
- Eu já não tenho 21 anos! – afirmei – Eu já não tenho de te aturar nem as tuas flutuações de humor ou o que quer seja. Tu foste-te embora para Itália supostamente por causa da tua avó, depois já ias fazer um estágio... as histórias nunca foram congruentes!
Ele permaneceu em silêncio fintando-me com um olhar magoado.
- Não vais dizer nada, não é Leonardo?
- Podia pedir-te desculpa, mas sei que não me vais ouvir. Quero explicar-te, mas já se passou tanto tempo. Por favor, ouve-me só um pouco.
O táxi tinha chegado e eu louvei o Senhor pela ironia do tempo, não sei por quanto tempo ia conseguir ficar ali ou sem chorar ou sem lhe dar um murro.
- Tens razão... Não quero as tuas desculpas, não quero ouvir-te, de ti só quero distância e que encontres felicidade.