- Durante a festa de aniversário de Mason conheci algumas pessoas importantes, entre elas dois jovens que estão começando na vida da arte. Eles são muito bons, peguei seus números com John ontem e marquei para vermos suas obras hoje. Mais precisamente em quinze minutos.
- O quê? - Questionam Will e Winy.
- Vocês não querem se atrasar, querem?
Eles sorriem animados. Decididos a cooperar, pegam suas coisas e vamos todos para o carro. Estamos a caminho do encontro quando meu celular apita. Como estou dirigindo, não posso ver o que é agora, então apenas ignoro. Quando paro o carro, o olhar de Will corre por todo o local. Ele desce do carro observando tudo atentamente.
Mark e Amélia estão na entrada do galpão e vêm ao nosso encontro. Apresento todos e logo Mark nos convida para entrar. Assim que entramos, damos de cara com vários quadros expostos, Will mal consegue manter a boca fechada de tanta admiração. Acho admirável a sinceridade do meu amigo, Will é do tipo de pessoa que a alma transparece nos olhos.
- São lindos! - Diz ele admirado para o quadro do casal em despedida.
Lembro-me da mensagem que recebi mais cedo, enquanto dirigia, me afasto um pouco para lê-la.
John: Oi, gostaria muito de vê-la, tenho uma surpresa! Que tal sairmos a sós hoje às 20 horas?
Catrina: Combinado - sorrio ao digitar.
Passamos boa parte do nosso dia planejando como tudo deveria ser, após Winy escolher os quadros que mais a agradavam. Meu pensamento se manteve exclusivamente em meu trabalho, bastou olhar para o relógio e ver que meu expediente havia chegado ao fim para sentir meu estômago revirar. Por que eu estava tão nervosa?
Ah, sim! Porque eu não fazia ideia de para onde eu iria, muito menos o que eu deveria vestir. E se eu exagerasse e fôssemos ficar na casa de John mesmo? E se ele decidiu sair e eu estiver simples demais? Ele não poderia ter me dado alguns detalhes? Qualquer informação ajudaria.
Reviro meu guarda roupa e encontro um vestido tubinho preto, de decote em v, simples, ao mesmo tempo muito sofisticado. Faço um penteado prendendo metade do cabelo e cacheio a parte solta, acrescento um colar de ouro que ganhei de presente de aniversário do meu irmão ano passado. Olho no espelho e o que vejo me agrada, não corro o risco de parecer formal demais se formos para sua casa e se não formos, estarei apresentável, eu acho!
Estou retocando o batom quando ouço a buzina já familiar de seu carro. Ao sair de casa me surpreendo por encontrar John me esperando do lado de fora e não o seu motorista, como de costume. Desço as escadas e percebo seu olhar me acompanhando, enquanto caminho em sua direção.
- Eu estava esperando seu motorista! - digo sorrindo.
- Ficou decepcionada ao me ver? - sarcasmo! John era o tipo de homem que usava o sarcasmo a seu favor, ele era predador quando o usava, e eu, uma reles presa.
- Ainda não sei. Ele é um excelente ouvinte.
- Eu também posso ser, ou se preferir posso ligar para ele.
- Não precisa, não vamos incomodá-lo, você dá pro gasto.
Nós rimos, estou bem à sua frente, enquanto conversávamos eu cheguei até ele, acho que fui perto demais. John coloca a mão sobre minha cintura e me beija suavemente, ele se afasta, olha em meus olhos e sorri, o que me deixa desconcertada.
- Você está linda.
- Obrigada, eu não sabia o que devia vestir.
- Você está perfeita.
Ele abre a porta para que eu entre, depois a fecha e se dirige para o lado do motorista.
- Aonde nós vamos? - pergunto assim que ele senta em seu lugar.
- É surpresa.
- Não pode me dar nem uma dica?
- Cat, me deixe surpreendê-la. - sorri.
Onde eu estava com a cabeça quando dei essa ideia para ele. Vai ser muito fácil pra ele fazer com que eu me apaixone. Céus! Eu nem sei o que fazer diante desse sorriso. Qualquer um deles. Seja o manhoso, o brincalhão, o sedutor ou o de pai orgulhoso, seu sorriso me fascinava. Por Deus! Eu já sabia qual sorriso era qual! No que eu havia me metido?
Seguimos o caminho conversando sobre os meninos e sobre como Mason tem estado em minha ausência, ao que parece o pequeno não se importa nem um pouco com o que está acontecendo, parece até apoiar o pai, pedindo para que ele me convide diariamente. Eu até havia me esquecido de como estava nervosa, foi só ver o restaurante luxuoso em frente ao qual havíamos acabado de parar, para o nervosismo me consumir.
- Chegamos - diz ele, antes de descer do carro e abrir a porta para mim. Como se lesse meu olhar preocupado sobre minhas roupas, John sorri e diz: - Você está linda, não se preocupe.
- John, esse lugar é caro!
Ele sorri e responde: - Eu sei, fica tranquila, meu amor, vamos?
"Meu amor", me assusto, ele jamais me chamou assim. Olho para ele esperando que se corrija, porém, ele não o faz. John permanece me olhando com a mão estendida. Coloco minha mão sobre a dele e seguimos para a entrada.
John não precisa informar quem é. Somos guiados pela hostess a uma mesa separada das demais. É a parte mais luxuosa do restaurante, as mesas são separadas por cortinas brancas rendadas, uma privacidade é fornecida exclusivamente para seus usuários. Assim que chegamos à mesa, John puxa a cadeira para que eu me sente e depois senta à minha frente.
- O que acha? - John me pergunta orgulhoso.
- É lindo?! - digo confusa, parece que ele tem expectativas com a resposta e eu não faço ideia do que dizer.
- Você não gostou do lugar, não é? Se quiser podemos ir embora, não quero que se sinta desconfortável.
- Não, John, não foi isso que quis dizer! É um lugar lindo, John! É sério! - reafirmo sobre seu olhar desconfiado. - É que eu nunca estive aqui e eu não queria te dar todo esse trabalho.
Ele riu. Não foi um riso sarcástico, nem zombeteiro. Ele parecia realmente feliz.
- Você não tem que se preocupar em me dar trabalho, querida. Esse é o primeiro restaurante que eu abri e eu queria muito mostrá-lo a você.
Senti meu rosto ruborizar e John colocou sua mão sobre a minha. Que tipo de mulher era eu, que não investigava sobre o homem com quem saia? Eu sabia que ele era um empresário de sucesso, um viúvo bonitão, nunca quis saber mais. Não que eu não quisesse saber sobre ele. É só que eu queria descobrir um John que os jornais ou revistas de fofocas não poderiam me apresentar. Eu não me importava com os rios de dinheiro dele, ou toda sua fama. Eu queria conhecer a pessoa, não sua fortuna.
Enquanto me contava a história do restaurante em que estávamos, um garçom se aproximou, ao invés de pedirmos, John disse que queria ser surpreendido pelo chefe. Após o garçom se retirar, ele continuou:
- Uma vez, Nana pediu para Phil temperar a sopa. Phil conhecia a mãe que tinha. Nana era terrível quando o assunto era sua comida. Phil ia até a mãe dele e mostrava cada tempero e a quantidade que ia colocar na panela. Nana era muito perfeccionista, se ela achasse que a comida não estava perfeita, ela não permitia servir. Phil ainda estava aprendendo como ela gostava de tudo, ele amava a cozinha e não era nada bobo.
- Eu acho que não faria diferente se fosse ele. Dona Winy gosta de tudo em seu devido lugar. Hoje eu já conheço de cor e salteado os gostos dela, lembro que quando comecei, eu arrumava como achava adequado e ela vinha conferir e corrigir.
- Eu sei bem como é. Eu ajudava sendo garçom, eu trabalhei como garçom antes da sociedade, então eu sabia como fazer. Nana é francesa, ela sentia a necessidade de dar um toque pessoal para tudo. Há poucos dias Phil e eu estávamos rindo sobre as aulas de Nana, sobre a maneira correta de pronunciar Bouillabaisse. Foram dias cansativos até Nana dizer que meu sotaque parecia de um nativo. Apesar de achar graça naquele tempo, ou até mesmo hoje, eu sei que devo tudo o que tenho a ela. Phil também, não foi à toa que ele se tornou um dos chefs mais renomados da atualidade.
- Eu não consigo imaginar você tendo dificuldade para fazer algo, John.
- Você acha que esse charme aqui sempre existiu? - ele faz graça.
- É difícil pensar que não! - ele ri.
- Eu já fui um menino muito feio, minha querida, sofri bullying na escola. Quando cheguei a certa idade, a primeira coisa que eu fiz foi entrar numa academia. Eu era magrelo demais. Phil me acompanhou, é claro. Nós ficamos fortes e perdemos as espinhas, passamos a ser o francês da cozinha e o garçom pobretão. As coisas só mudaram mesmo quando começamos a ganhar dinheiro. Muitos meninos da escola passaram a nos bajular, tudo havia mudado. Todos queriam ser nossos amigos, queriam estar ao nosso lado, andar com a gente e foi aí que eu descobri o poder do dinheiro. Não deveria ser assim, porém, é exatamente desse jeito.
Eu queria responder. As palavras estavam na ponta da minha língua, eu me sentia mal, pois eu mesma quis me aproximar dele pelo dinheiro. Era diferente, porque eu queria fazer o meu trabalho, vendendo quadros para ele. Contudo, eu me sentia mal, eu havia disputado com Will por sua atenção e havia conseguido. Eu saí com ele, levei ele e os filhos ao parque, porque eu queria mantê-lo como cliente. E se eu não fosse tão diferente dos meninos da adolescência de John?
Eu não sei por quanto tempo fiquei olhando para além de John, pensando nas minhas atitudes. Saí do meu devaneio apenas quando John olhou ao meu lado e falou alguma coisa. Olhei para o lado e percebi que ele não tinha falado comigo, e sim com um rapaz muito familiar. Antes mesmo de John começar a falar comigo, dessa vez, eu o reconheci.
- Querida, quero que conheça meu melhor amigo e sócio, Philip Seymour. Phil, essa moça com cara de apaixonada, obviamente, não por mim, é a senhorita Catrina Mumberger.
Todos nós rimos da descrição de John. Eu não conseguia acreditar que o Phil, a aquém John se referia era Philip Seymour, o melhor chefe que já existiu no mundo todo. Eu nem acreditei quando ele me cumprimentou beijando minha mão, devo dizer que ainda não acredito.
- Senhor Philip... - começo a dizer, mas ele me interrompe.
- Apenas Phil, querida, uma amiga de John também é minha amiga.
- Phil, eu sou uma grande fã. Eu já assisti a todos os programas em que você esteve. Já tentei várias de suas receitas, não tive sucesso em muitas delas, em algumas sim, pelo menos foi o que Will disse.
- Quem é Will? Seu namorado? - Phil pergunta e olha de mim para John enquanto aguarda resposta.
- Will é meu melhor amigo. Ele também é um grande fã. Tem até um livro de receitas autografado.
- Diga-me, qual das minhas receitas é a sua favorita? - eu sabia que aquilo era um teste, não foi preciso ver o olhar desaprovador de John para o amigo para perceber.
- Eu gosto muito da releitura que você fez de Boeuf Bourguignon. Claro que, não posso deixar de fora seu Croissant à calda de morangos ou até mesmo o Foie Gras, que embora seja um prato divino, devo dizer que não sou a melhor para opinar por não gostar nenhum pouco de fígado de pato. - Eu não estava bajulando Philip quando aleguei ser fã, eu era mesmo. Will e eu éramos de verdade. Pelo olhar surpreso de Phil, vi que consegui provar isso.
- Ma Cherie! - Ele diz surpreso - Ela tem muito bom gosto! - ele diz para John com um sorriso muito espontâneo no rosto. - Por sorte, um desses pratos é o favorito de John. Como eu sabia que ele vinha, eu o fiz.
- Nossa, eu... eu nem sei o que dizer!
- Não diga nada, Cherie! Apenas aprecie - diz ele com o sotaque bem marcado.
Os pratos são postos à mesa. No instante em que olhei os pratos, reconheci logo de cara o divino Boeuf Bourguignon, em sua mais distinta apresentação. John fez sinal para que eu experimentasse primeiro. No instante em que coloquei o garfo na boca, eu soube que minha humilde imitação não chegava aos pés daquela maravilha.
- Está divino, eu nem sei o que eu tentei fazer lá em casa comparado a isso!
Ambos abriram um sorriso enorme sob minha declaração.
- Cherie! Você me deixa lisonjeado! - ele diz olhando para mim, antes de virar para John e acrescentar - Não deixe essa escapar!
Senti meu rosto ruborizar, e ao olhar para John vejo que ele também ficou, contudo, me surpreendeu ao olhar para o amigo e dizer: - Eu não vou!
Após terminarmos o jantar, Philip retorna à mesa para se despedir de nós, antes de John me levar para casa. Ainda no caminho, apontei para o som e perguntei se podia ligá-lo.
- É claro! - diz com um sorriso no rosto, me olhando de canto de olho.
A primeira música a tocar é "Someone you loved", e John parece ficar incomodado, mas não diz nada. Apesar de não ser preciso, é fácil ver como ele se mexe em seu banco.
- Está tudo bem?
- Não... Sim... É a música!
- Quer que eu troque?
- Não! não precisa... não se você não quiser.
Eu troco a música, John parece relaxar até que começa a tocar "Just Give me a Reason" e vejo se contrair novamente. Então eu desligo o som e John me olha constrangido.
- Não precisava desligar. - ele diz, parece que não era isso que ele queria dizer, pois seu olhar lampeja algo entre agradecimento e arrependimento.
- Ah, não quero mais ouvir, não se preocupe!
Encosto minha cabeça na janela do carro e fico olhando as ruas. Em alguns momentos é possível ver seu reflexo no vidro da janela me olhando, não dizemos nada.
Fico assim por mais alguns minutos, até que sinto meu celular vibrar. Eu leio a mensagem e automaticamente sorrio.
Will: Disposta a filmes e pipoca?
Catrina: Sempre! Estou indo para casa. Assim que chegar te aviso.
Will: Por onde a mocinha anda?
Eu: Jantando com John.
Will: Hm.... Ando desinformado pelo visto.
Eu: Te coloco a par de tudo assim que chegar
Will: Vou te esperar na porta da sua casa hahaha
- Posso saber quem ousa colocar um sorriso em seu rosto no meu lugar?
Dirijo meu olhar a John que começa a rir com sua brincadeira.
- É Will. Ele acabou de me chamar para filme e pipoca. É uma tradição nossa, acontece quando queremos desabafar, ou só pra passar tempo mesmo. Geralmente está ligado ao desabafo - sorrio ao pensar em quantas vezes já compartilhamos bacias de pipoca - Nós já passamos por bons bocados juntos, não sei o que seria de mim sem ele nesses últimos quatro anos.
John sorri, apesar de estar atento à estrada. Volto a encostar meu rosto na janela apenas por segundos, até John começar a falar.
- Minha esposa.
- Como? - olho para ele sem entender
- As músicas são da minha esposa. Ela as adorava! Desde que ela faleceu eu não liguei mais o som. Eu tinha medo de ouvir e me lembrar dela, e foi justamente o que aconteceu.
- Me desculpe.
- Você não tem que se desculpar pela minha burrice. Eu não quero apagar ela da memória e ao invés de me acostumar com a ausência dela, eu tenho ignorado minhas lembranças e quando elas surgem me atingem de uma maneira que eu não sei explicar.
John parou o carro. Ambos sabíamos que ele não devia continuar dirigindo enquanto um torrente de lágrimas caíam de seus olhos. Eu tentei colocar minha mão sobre a sua, mas ele a recolheu antes que eu pudesse tocá-lo. Continuei em silêncio esperando que ele continuasse.
- Ela amava ouvir música, seus olhos verdes brilhavam enquanto ela tentava me fazer cantar. A última vez que ela entrou nesse carro estávamos indo para o hospital. Ela estava com seis meses de gestação. Ela estava com cólicas, disse que não se sentia bem. Nada a animava, nem mesmo suas músicas favoritas, ela tentava sorrir quando eu a olhava, eu via que a dor estava forte demais, estava nos olhos dela.
Tentei colocar minha mão sobre a sua outra vez, tentava evitar que ele se afogasse em seus sentimentos, mostrando a ele minha presença. Minha presença tanto no sentido de companhia, como no sentido de ouvinte. Dessa vez ele não afastou sua mão. Ele permitiu meu toque, no momento em que mais uma lágrima molhou seu rosto.
- Cheguei ao hospital em tempo recorde. Noah nasceu em alguns minutos, foi preciso fazer uma cesárea de emergência. Como ele era muito pequeno, foi direto para a incubadora. Minha esposa teve eclampsia, faleceu durante o parto.
- Eu sinto muito, John. - ele olhou em meus olhos como se para confirmar que eu dizia a verdade, então respondeu:
- Eu também, querida... Noah era tão frágil. Acabou ficando três meses na incubadora, eu ficava todos os dias com ele. Quando teve alta e veio pra casa, eu contratei enfermeiras para que cuidassem dele. Não teve um dia em que eu não pensasse na mãe deles, Mason me lembra a ela em vários aspectos. Quando Noah completou seis meses eu percebi que ele precisava de uma mãe, não de mais enfermeiras. Ele precisava de uma mãe como a que Mason teve. Mason também precisava de uma mãe, alguém que o amaria como a própria vida. Eu estava procurando há quatro meses quando encontrei você.
- John, eu... - Eu não sabia o que dizer, eu ainda não me sentia pronta para aceitar sua proposta. Eu sei que ele não estava me pressionando para isso, ele havia me dado tempo para pensar, ele havia me dado três meses para que eu me apaixonasse por ele.
- Você se parece com ela. Você tem o mesmo sorriso doce e olhar carinhoso. Quando Mason aprontou na galeria, eu fiquei irado. Eu não queria demonstrar como eu não tinha o controle de uma criança, do meu próprio filho. - ele sorriu e continuou - Quando ouvi sua voz e te vi de mãos dadas com ele, o jeito que olhou para ele, motivando-o a ser forte e me encarar de cabeça erguida. Isso me fez baixar a guarda para meu filho. Depois você acalmou Noah com a mesma facilidade que ela tinha com Mason. Você pegou ele no colo e usou as mesmas palavras que ela: "Vai ficar tudo bem, pode se acalmar". Ela dizia isso sempre que ele se agitava em sua barriga.
- Foi por isso que me escolheu? Por que viu sua esposa em mim? Nas minhas atitudes? - eu não sabia o que queria ouvir, com certeza não era que eu era apenas uma substituta.
- Eu te escolhi porque você é a mulher certa pra ser a mãe deles.