Puxo meu celular do bolso e respondo algumas mensagens de grupos aleatórios. Do nada me vem à cabeça, a ligação de três da manhã. Lembrar daquilo me fez rir e receber questionamentos do senhor da padaria.
- Esse sorriso... - brinca, pondo o prato com misto e um copo na minha frente. - está apaixonada?
- Só se for por esse misto. Não tenho tempo para isso, senhor.
Ele balança a cabeça e ri, se afastando.
Assim que termino, pago o que consumi e corro para o metrô. Essa era a hora em que metade de Seattle estava indo para o trabalho e escolhiam logo aquele meio de transporte. Entro e me espremo em um canto, agarrada a barra de ferro.
No banco a minha frente, tinha um homem lendo Orgulho e Preconceito. Eu não conseguia ver seu rosto, mas dava para perceber que tingia seu cabelo de loiro.
Eu estava completamente agarrada à barra de ferro, como se ela fosse o meu mais macio travesseiro. Meus olhos estavam pesados e eu não percebi que havia cochilado. Só notei quando alguém tocou minhas costas e me disse para me sentar no banco vago.
- O que? - murmuro, olhando na direção da voz.
- Sente-se no meu lugar. Eu já vou descer.
Olho-o de cima a baixo e focalizo no livro em sua mão.
- Eu não...
- Por favor. - diz, dando para notar seu sotaque. - Eu logo irei descer e você está sonolenta.
Aquele homem claramente tingia o cabelo, mas não era uma coisa muito óbvia. Seus olhos eram de um azul maravilhoso e claro, que era capaz de me fazer querer mergulhar ali. Tinha algo nele que era familiar, mas eu não conseguia perceber o quê.
- Obri...gada.
Vou até o banco vago e me sento, observando sua aproximação.
- Cansada? - questiona e eu assinto. - Se divertiu?
Acabo rindo.
- Quem me dera. Estava de plantão no trabalho.
- Você não tem cara de ser médica. - ele ri.
- E não sou. Não é só médico que vive de plantão.
O metrô para e o rapaz olha em volta.
- É a minha estação. - ele sorri. - Até uma próxima.
Ele se afasta e sai junto com uma multidão. Já do lado de fora, ele acena para mim, quando o metrô se vai.
[John]
Depois da conversa divertida que tive com aquela atendente do tele-sexo, acordei bem disposto para sair.
Fazia semanas que eu não pegava o metrô. E eu adorava fazer aquilo. Pegava um livro e ia ler dentro de um vagão. Ia aproveitar minha vontade de ler e ir tomar café no Dominic.
Eu estava lendo Orgulho e Preconceito. Ele retrata a maneira com que a personagem lida com os problemas relacionados à educação, cultura, moral e casamento na sociedade aristocrática do início do século XIX, na Inglaterra. É maravilhoso.
No momento que pausei minha leitura, para ver em que estação estava, notei uma menina agarrada a uma das barras de ferro e cochilando. Ela era bonita. Tinha os cabelos cacheados, a pele branquinha e as bochechas gordinhas e rosadas. Era linda, na verdade. E eu estava com pena de vê-la naquela situação. Como eu estava perto de descer, fui até ela e lhe ofereci meu lugar. Após aceitar, com relutância, ela ficou me encarando, como se soubesse quem eu sou.
Eu precisei sair e não tive a inteligência de perguntar seu telefone... ou nome. Mas quem daria seu telefone, a um completo estranho no trem? Eu... talvez...
- Eu estava dormindo. - Dominic resmunga, quando abre a porta. - O que faz aqui às sete da manhã?
- Vim tomar café.
- Por que aqui?
- Você me fez sair da fossa... eu acho. - balanço a cabeça. - Eu até peguei o metrô hoje.
- Não consigo entender essa sua paixão por andar de metrô. Lotação, gente suada, e ainda corre o risco de ser reconhecido.
- Eu gosto daquele meio de transporte. Vejo diversos tipos de pessoa, ouço várias histórias. É divertido.
- É insano. - ele digita algo no celular. - Já pedi nosso café. Em meia hora entregam.
- Estou faminto.
- E eu com sono. - reclama.
- Está um belo dia lá fora, Dominic.
Ele me olha e depois vai até a janela, abrindo a cortina.
- Está nublado. Como sempre. O que aconteceu com você?
- Nada! - exclamo. - Só acordei de bom humor.
Dominic arregala os olhos e corre até mim.
- VOCÊ LIGOU! - ele não estava perguntando. - NÃO ACREDITO QUE VOCÊ LIGOU!
- Não foi pra isso que me deu o número?
- Eu tinha sido completamente irônico, John. - ele começa a gargalhar. - E como foi?
- Legal. A menina que me atendeu, era divertida.
- Se aliviou, então.
- Não vou falar sobre isso com você, irmão.
- John, eu não estou acreditando.
Dominic gargalhava tanto, que eu sentia vontade de dar um soco nele. Eu não conseguia entender o que era tão engraçado no que eu tinha acabado de falar.
- Não fizemos nada. - confesso.
- O que?
- Eu liguei, mas fiquei tão sem jeito, que acabamos conversando.
- Você conversou com uma atendente de tele-sexo? - questiona. - Elas ganham pelo tempo que os homens demoram para gozar.
- Eu sei, mas não consegui. E ela foi tão atenciosa.
- Você é louco.
A campainha toca e Dominic vai abrir.
- E tem outra. - comento. - Conheci uma menina no metrô.
- Ahhhh, cara. Pelo amor de Deus!
- O que? Ela era linda e estava dormindo em pé. Precisei ceder o meu lugar.
- E foi só isso? - pergunta, já voltando com nossa comida.
Dominic sempre me zoou pelo fato de eu ser apegado a qualquer garota que conhecia. Eu não conseguia simplesmente conhecer alguém, fazer sexo e dizer adeus. Toda e qualquer garota que passou pela minha vida, de algum jeito, ela foi importante.
- Sim. Eu nem lembrei de perguntar o nome. Sou um idiota mesmo.
- É. Ela não te reconheceu? - nego. - Então você é um idiota ao quadrado.
Dominic continua resmungando e eu me desligo dele, me perguntando se algum dia o destino colocaria aquela garota no meu caminho de novo.