Capítulo 5 O Demônio e o Mascarado

Naquele momento, eu conseguia apenas ouvir a voz de Luriel ecoando na minha cabeça: "Você deve ir atrás daquela mulher e impedir o demônio". No caso, "impedir o demônio" significava fazer um possível exorcismo na Agente Scofield. Não como aqueles que você vê na Netflix, mas um exorcismo DE VERDADE.

Eu não era um padre ou seja lá quem faz esse tipo de coisa, e muito menos sabia como usar os poderes que supostamente eu tinha. Então resumindo, eu estava completamente ferrado.

Acho que não seria uma má ideia se o sonho mudasse para aqueles dois discutindo de novo.

_Aí está você_ rosnou o demônio.

_Maravilha..._eu bufei.

_Me desculpe pelo atraso, meu querido Caríbion... Agir nas sombras é mais difícil do que parece_ uma voz humana ecoou na entrada do beco ás minhas costas, então me toquei que o demônio/mulher com o pescoço torto olhava para outra pessoa. Era quase como se eu estivesse invisível aos seus olhos.

Um homem com roupas no estilo Peaky Blinders cobria sua face com uma daquelas máscaras demoníacas chinesas. Sua bengala de madeira tamborilava no chão como um jogador de golfe prestes a dar uma tacada. E a julgar pelo modo de caminhar, ele parecia ser alguém que eu certamente não deveria incomodar.

_Me poupe de explicações_ respondeu Caríbion de forma grosseira._ Conseguiu encontrar o Ars Goetia?

_Ainda não... Parece que ele está bem protegido e escondido em algum lugar. Nem mesmo com magia negra pude rastreá-lo.

_Precisamos achar logo aquele livro!_ gritou o demônio._ Uriel pode tentar atrapalhar nossos planos se demorarmos demais.

_Já estou cuidando desse assunto, não se preocupe_ o mascarado o tranquilizou._ Quanto ao livro, andei lendo algumas escrituras antigas sobre Salomão no Vaticano. Possivelmente ele usou uma magia ancestral muito poderosa para ocultar os rastros do livro.

_Interessante..._o corpo de Lara virou-se para frente e posicionou a cabeça no lugar correto._ O que encontrou?

_Uma escritura apócrifa em um papiro chamuscado me chamou a atenção em uma das frases_ explicou o mascarado._ Não consegui ter certeza, mas havia algo como: "De verde ao azulado, no sangue da sabedoria terá que ser banhado; Evna é a unica que poderá revelar o caminho.

_Maldito Salomão_ murmurou Caríbion._ Como um simples humano conseguiu uma magia tão poderosa assim?!

_Ainda não sei... Mas suspeito que alguns dos versos estejam se referindo a uma pedra rara encontrada em Israel. Chama-se, Olho-da-Sabedoria... Com a evolução da colônia portuguesa sobre o Brasil, descobriram esta mesma pedraria bem aqui, em Minas Gerais. Agora, como vamos usá-la, já é um outro problema.

Havia um caixote escorado na parede, e o mascarado se dirigiu até ele para se sentar.

_Continuando... Recebi uma ligação de um contato próximo afirmando que encontrou o que estamos procurando. Entretanto, receio que ele me peça algo em troca... Um colaborador de uma das mineradoras como ele detesta manifestantes tanto quanto eu.

O demônio bufou insatisfeito.

_Parece que você vai ficar com toda a diversão novamente.

_Não posso arriscar que você saia do plano como da última vez... Sabe muito bem que por sua culpa, Uriel agora está começando a despertar seus poderes.

_Só queria dar um pequeno susto naquele magricela idiota... Você também sabe muito bem o quanto eu detesto ele.

_Hunf... Isso já não importa mais. Já está feito... Descobrindo ou não os poderes, ele ainda está vulnerável. E essa pode ser uma ótima oportunidade.

Caríbion revelou um sorriso malicioso.

_E quanto ao resto do enigma?

_Uma coisa de cada vez, Caríbion... Enquanto estiver fora, precisa focar em continuar coletando as almas para o Rito da Libertação... Vou me encontrar com o colaborador ao pôr do sol no Quadrilátero Ferrífero, e depois, vou eliminar aqueles manifestantes idiotas.

O mascarado se levantou.

_Dessa vez, vamos nos certificar de deixar bem claro ao nosso companheiro Uriel...que não há chance de vitória contra nós.

A bengala do mascarado voltou a tamborilar no chão, e quando a ponta o acertou com mais força, meus olhos se abriram em desespero. Novamente, estava em meu quarto, sentado na cama com meu coração disparando feito um motor de carro. Minhas costas estavam encharcadas de suor, e doíam como se Alyssa tivesse invadido meu quarto a noite e me dado várias bofetadas por eu ter acordado ela de madrugada.

A luz aconchegante do sol já penetrava a janela do meu quarto, exatamente como eu tinha dito que queria acordar. O problema, era que o desespero não ajudou a me concentrar nestes aspectos.

Me levantei e organizei a cama. Tirei a camisa e fui pegar uma roupa para tomar um bom banho, mas ao passar de frente ao espelho, percebi que havia algo de errado: meu abdômen antes um pouco magro demais, se definiu como o de um jogador de futebol. Havia um pentagrama no meu ombro direito, e no esquerdo, uma cruz branca e cintilante.

Tentei esfregá-los com a mão, mas nada aconteceu. Os símbolos continuavam intactos.

_Merda...

_Sua indignação às vezes me espanta, jovem Uriel.

Me virei para trás assustado e Luriel, o anjo que dizia ser minha parte angelical, estava sendo irradiado pela luz do sol que vinha da janela. Era exatamente como olhar direto para os faróis de um carro a noite.

_L-Luriel?

_Eu mesmo.

_O que você tá fazendo aqui?

_Não há tempo para muitas explicações. Mas vejo que percebeu um dos benefícios de seus dons.

_E como..._ eu não parava de contemplar os músculos e abdômen definidos em meu corpo. Além disso, eu conseguia sentir minha força muito mais grandiosa do que antes.

_Bom, parece que você teve o prazer de conhecer o demônio que te atacou no banheiro, correto?

_Sim... Foi assustador.

_Lidar com as trevas vai exigir muito de sua coragem e determinação... Poderia me contar o que viu?

Relatei tudo o que me recordava daquele pesadelo vívido. Com sorte, poderia saber melhor como agir com a ajuda de Luriel.

_Entendo... Não esperava que estivessem atrás de um artefato tão perigoso. Isso nos deixa com problemas ainda maiores.

_Mas o que é esse tal de Ars Gotetia?_ perguntei.

_Ars Goetia_ corrigiu o anjo._ É um dos capítulos perdidos do livro de Salomão, e até então, o mais perigoso... Nele estão registrados os setenta e dois demônios mais leais de Lúcifer, os Goetia. Além de rituais desconhecidos que o próprio Salomão usava para controlá-los.

_Por que um demônio renegado iria logo atrás dos demônios mais leais de Lúcifer? Ele não faz parte daqueles que o traíram?

_Tem razão... Mas aqueles demônios são obrigados a obedecer qualquer um que tenha o livro em mãos... Porém, acredito que isso seria possível somente se eles tivessem os outros livros perdidos.

_Existem outros livros?!

_Sim... Não tenho tantas informações sobre eles. Apenas sei que restam outros quatro livros além do Ars Goetia, e quando combinados, eles formarão o Livro Sagrado de Salomão, mais conhecido como Lemegeton... Se isso acontecer, Caríbion terá poder suficiente para escravizar todos os seres deste planeta e iniciar uma nova rebelião. E nem preciso citar os problemas que isso causaria no equilíbrio do universo.

Por alguns segundos, fiquei relutante ao olhar para meu próprio reflexo no espelho. Se eu realmente era o único que poderia acabar com toda essa confusão, teria que aceitar essa nova realidade antes que o pior acontecesse.

_O mascarado disse que vai se encontrar com um colaborador no Quadrilátero Ferrífero ao pôr do sol. Mas, eu também não posso deixar que Caríbion continue sugando almas de pessoas inocentes...

Luriel bufou.

_Não gosto nem um pouco dessa ideia, mas é nossa única opção... Encontre seus amigos na praça e vá até o Cristo Redentor. Sabe de onde estou falando.

Pior que sabia. O tal "Cristo Redentor" é uma réplica, mas de tamanho reduzido, colocada em um bairro que tem a vista panorâmica de todo o centro de Juatuba. Um primo meu mora bem próximo dessa atração turística, o que torna a desculpa para sair de casa ainda mais fácil.

_O que vou ter que procurar?

_Nada.

_Nada? Como assim "nada"?

_Apenas vá e faça o que estou lhe dizendo... A ajuda de que precisam irá até vocês.

O anjo se dissolveu na luz como uma poeira luminosa, e eu mas uma vez fui deixado ali, com mais perguntas do que respostas.