Capítulo 8 Xavier

O garoto saltou dos ombros do Cristo, e antes que seus pés atingissem o chão com tudo, uma rajada de vento agitou o chão empoeirado abaixo dele, fazendo-o flutuar de forma graciosa á nossa frente.

Eu fiquei em espanto. Certamente porque não era todo dia que eu via um garoto da minha idade saltar mais de dez metros acima do chão e pousar como se não fosse nada.

Seu cabelo castanho e cacheado estava cortado no estilo surfista. Em seu rosto, um óculos de sol com armação preta fazia contraste com um brinco de cruz prateado na orelha direita. O corpo bronzeado e bem definido era coberto por um blusão tie dye cinza e azul pastel, além da bermuda preta com as clássicas havaianas azuis em seus pés.

Ele me encarou.

_Você deve ser o Uriel... E chuto que esses dois são seus amigos mortais.

_Quem é você?_ perguntei.

O garoto estendeu a mão.

_Meu nome é Lucas Xavier... Xavier para os mais íntimos.

Eu segurei sua mão em um cumprimento. Seus dedos eram quentes e macios, como se estivesse segurando uma xícara de café quente.

_Prazer em te conhecer_ respondi.

_O prazer é tudo meu_ ao cumprimentar Alyssa, pegou em sua mão de e a beijou. Consegui logo ver uma expressão envergonhada surgindo no rosto da garota.

Xavier se direcionou á Luiz para cumprimentá-lo, mas o garoto escondeu as mãos atrás das costas e apenas gesticulou com a cabeça.

_Bom, pelo pouco que sei, parece que vocês estão com sérios problemas... Demônios, não é?

_E como exatamente você sabe disso?_ perguntou Luiz.

_O Oráculo de Delfos me contou_ explicou Xavier.

_Oráculo de quê?_ perguntou Alyssa confusa.

_Oráculo de Delfos_ repetiu Luiz._ Um templo da Grécia Antiga que usavam para louvar o deus Apolo e fazer premunições_ olhou para Xavier._ Mas como conseguiu encontrá-lo?

_Isso não é importante agora_ disse interrompendo a conversa._ Já que você provavelmente é a ajuda de que Luriel mencionou, vou atualizar você sobre a nossa situação...

Luiz, que estava ao meu lado, segurou meu braço antes mesmo que eu dissesse qualquer coisa. Seu olhar de desconfiança e preocupação pareciam não querer que eu revelasse nada para Xavier.

_Tá tudo bem_ murmurei.

Luiz soltou meu braço.

_Antes do Uriel te contar alguma coisa_ disse Luiz._ Quem exatamente é você? E como conseguiu saltar lá de cima sem se machucar?

Xavier sorriu.

_É claro que vocês não sabem... Sou um semideus. Filho de Notus, o deus do vento sul.

Não fiquei tão surpreso quanto Luiz e Alyssa. Depois do que tinha visto até agora, não me surpreenderia com o fato dele ser um semideus.

_Luriel e Kálidos falaram algo sobre "outros deuses" em meu sonho.

_Não sei quem são esses, mas estão certos... O que significa que teremos ainda mais problemas do que apenas demônios.

_Maravilha_ murmurou Alyssa indignada.

_Bom, vamos logo ao ponto_ continuei.

Expliquei de forma resumida o que contei á Alyssa e Luiz. Xavier parecia prestar bastante atenção em cada palavra que saía da minha boca. Quando acabei, ele colocou a mão sobre o queixo pensativo.

_Metade anjo e metade demônio?... Isso sim é uma surpresa.

_É, eu sei_ olhei para meus punhos._ Estou tão surpreso quanto você.

Xavier se virou para o horizonte urbano e gesticulou para que o seguíssemos até a vista mais ampla da cidade.

_Não vamos conseguir chegar ao Quadrilátero Ferrífero á tempo sem nenhum transporte.

_O que sugere então?_ perguntei.

Ele traçou uma linha imaginária com o dedo em uma área específica do centro.

_Tem uma linha de trem no centro da cidade. Se conseguirmos pegar uma carona, provavelmente ele nos levará até lá.

_Provavelmente?_ perguntou Alyssa._ Você por algum acaso sabe que pegar uma carona em um trem de carga é crime?

Xavier parecia ter se arrependido de beijar a mão de Alyssa. Agora, sua expressão estava entre o deboche e a falta de paciência.

Ele olhou para mim suspirando.

_Você tinha mesmo que trazer esses dois mortais para a missão?

_Essa decisão não foi só minha_ expliquei.

Ele bufou e depois se virou novamente para o horizonte urbano.

_Precisamos quebrar algumas regras de vez em quando. Isso se quisermos impedir que o pior aconteça... Foi assim que eu aprendi.

_E como vamos pegar o trem?_ Luiz continuou tentando quebrar o clima tenso._ Nem sabemos quando ele vai passar por lá.

Xavier me encarou com um olhar ao qual já estava acostumado a perceber nas outras pessoas. O mesmo olhar de que alguma notícia ruim estava por vir.

_Receio que... Não podemos ir todos para o mesmo lugar.

_Como assim "não podemos"?_ perguntou Alyssa.

_Não entendo muito sobre possessões demoníacas, mas você sabe muito bem que o corpo daquela mulher mortal já está chegando ao seu limite_ Xavier ignorou Alyssa e me encarou com um olhar preocupante.

Assenti com a cabeça. Sabia que realmente não tinha muito tempo até salvar a Agente Scofield. Se Caríbion estava coletando almas para esse tal "livro", com certeza ele acabaria usando a dela no processo.

_Não queria que fosse verdade, mas sim_ concordei._ Se formos todos para o Quadrilátero Ferrífero, talvez eu não consiga salvá-la à tempo.

_E você primeiramente sabe como fazer isso?_ perguntou Alyssa._ Você disse que ainda não conhece esses tais poderes.

Eu olhei para as palmas das minhas mãos.

_Não, não sei... Mas eu preciso tentar_ cerrei os punhos.

Alyssa cruzou os braços.

_Se é assim... O que os Caçadores de Demônios sugerem?

_Nos separar em duplas... Bom, eu poderia facilmente ir sozinho, mas não vou negar uma mãozinha extra.

Olhei para Alyssa e Luiz. Nenhum deles parecia estar confortável com a ideia de nos separar. Por outro lado, sabia exatamente quem seria uma dupla perfeita para Xavier.

_Como estamos sem muitas opções..._ suspirei._ O Luiz vem comigo.

_Como é que é?!_ Alyssa bufou irritada._ Vocês vão mesmo me deixar ir sozinha com alguém que acabamos de conhecer?!

_Olha, por mim...

_Alyssa, vem aqui um segundinho_ gesticulei e me aproximei dos seus ouvidos._ Precisamos que alguém fique de olho nele... E você é a melhor pessoa para essa tarefa.

_Mas...

_Se ele tentar alguma gracinha, pode chutar as bolas dele.

Pude perceber um leve sorriso malicioso crescendo em seu rosto. Talvez a ideia de chutar as bolas de Xavier não fosse tão ruim assim.

_Tá, tá bom_ concordou a garota.

Sorri satisfeito. Em seguida, olhei para Luiz e coloquei meu braço sobre o seu ombro.

_Agora que já resolvemos um dos problemas... Por onde começamos?

_Vamos voltar para o centro da cidade... Posso nos transportar até o Poliesportivo daqui.

Luiz olhou os arredores.

_Você dirige?

_Não esse tipo de transporte_ o semideus estendeu as mãos._ Rápido, deem as mãos.

Luiz e Alyssa me encararam atrás de respostas, mas nem mesmo eu sabia o que aquele garoto estava planejando fazer. Fechei a sombrinha em minhas mãos e a guardei na sacola em que estavam as garrafinhas e os sanduíches.

Sem perder tempo, ficamos todos de mãos dadas. Xavier respirou fundo e fechou seus olhos. As árvores e capins com a folhagem imóvel começaram a balançar cada vez mais forte. A mesma brisa calorosa e incômoda nos envolveu dos pés à cabeça. Meu corpo foi tomado por uma dose de anestesia, como se não pudesse mais sentir a pressão que a mão de Alyssa fazia em meus dedos. Todo o meu corpo relaxou como nunca antes havia feito antes.

Olhei para o céu azul acima de nós, e de repente, tudo escureceu.