Minha tia Luiza tinha cuidado de mim. Irmã do meu pai, ela nunca teve filhos e apesar de ser extremamente engraçada e gentil, eu ainda sentia uma pequena solidão e falta da presença materna.
- Ora, ora, quem chegou.
Matheus. Meu primo agregado. Ele era sobrinho do meu tio Armênio, esposo falecido da minha tia.
Meus tios foram um grande exemplo de cumplicidade e brigas constantes pelo controle da televisão. Provavelmente por isso eu não conseguia namorar por muito tempo, eu queria a referência de amor que eles haviam me dado, porém não posso negar que ver ler as cartas toda vez que que um pretendente surgia na minha frente me causava uma insatisfação logo de início, esse era meu maior erro.
Matheus era mais jovem que eu. 21 anos de pura "sem vergonhice" em um corpo rústico de ombros largos e um tronco um pouco fofo, eu diria. Ele enchia a casa da minha tia de piadinhas constantes. Ele havia feito intercâmbio durante muito tempo, e quando voltou estava assim, grande, e eu nem o reconhecia mais. Minha tia era sua madrinha e depois da partida da sua mãe, ela virou referência para ele também.
Tínhamos algo em comum, mas era só isso, porque ele debochava do meu trabalho por ser muito cético. Ele estava estudando comércio exterior e fazia estágio.
- Bom dia, Matheus. - Respondi para ele séria enquanto dava beijinho no rosto da minha tia.
- Matheus trouxe alfajor da Argentina. - Disse minha tia com empolgação.
- É mesmo? - Perguntei com ironia. Ele sempre se gabava das suas viagens.
- Foi um bate volta legal. - Prosseguiu ele, comigo o ignorando e olhando o programa da televisão que estava assistindo.
- Esse é o programa de gente que fica pelada na floresta, tia? - Perguntei rindo. - Você é viciada nesses absurdos, né?
- É interessante, querida, fortes emoções. - Disse ela rindo. - Esses jovens são tão esforçados, eu vivo com o cobertor nas pernas.
- Tem uns que não são tão jovens assim. - Disse meu primo sério, olhando para a televisão e depois para mim. - Ma, pega alfajor também, tem bastante na caixa que está na mesa.
Eu me levantei e não fui na mesa, fui na cozinha ver se estava tudo em ordem. Minha tia orgulhosa não queria ninguém cuidando dela, por mais que eu achasse necessário, mas ficava bem quando alguém estava com ela, já era um conforto, não importa quem fosse.
Ouvi os passos do Matheus se aproximando na cozinha e olhei para ele de canto de olhos quando verificava o fogão.
- Hey. - Murmurou ele com os polegares para cima. - Está tudo em ordem. - Foi o que eu entendi sair dos lábios silenciosos dele.
A gente era cúmplice nessa. Mas era só isso mesmo.
Meu primo vestia um jeans claro e uma camiseta preta de alguma banda de rock que eu não gostava, com certeza.
Aquele dia estava um pouco frio, infelizmente. Mas eu sabia usar bota de salto e uma calça justa, estilo montaria com minha blusa florida favorita.
Ok, já tinha sido parada na rua confundida por um cigana dessas que lê mãos de pessoas, eu achava isso um máximo.
- Tá bom.- Resmunguei após xeretar o forno.
- Hey, o alfajor é maravilhoso. Vou fazer um café que trouxe de lá também.
- Mas é claro. - Ironizei.
- Hey, dorme esse final de semana aqui. - Pediu ele indo até a mesa onde estava a cafeteira. - Vamos fazer um sarau, você curte essas coisas hipongas, não é?
- Como é que é?
- Marisa, você nunca sai, e faz tempo que a tia está dormindo só. Ela merece uma social, eu vou chamar umas amigas.
- Ah... mas é claro que vai.
- Não vão dormir aqui.
- E porque sou obrigada a aturar isso?
- Aff. - Suspirou ele. - Achei que poderíamos ser amigos mas você não mudou nada.
- Você me chamou de hiponga!
- É maneira de dizer...
- De dizer que sou mal vestida e boboca por acreditar em coisas místicas?
- Olha, eu já pedi desculpas por aquele dia no shopping, eu estava bêbado.
Péssima lembrança que eu estava reprimindo com louvor até ele falar.
- Querendo me fazer de palhaça para os seus amigos.
- Eu sei, eu fui babaca, mas eu não acredito nessas coisas. Meus amigos acham que você é uma charlatona e...
- Eu vou embora. - Disse me adiantando para sair.
- Não, para. - Disse ele se aproximando, tapando a saída da cozinha.
Fazia tempo que eu não encarava seus grandes olhos cor de mel herdados de sua mãe, uma mulher que tinha sido linda cheia de fé e que eu sentia saudades também.
- Por favor, Matheus, não debocha de mim não. - Agora eu estava me rebaixando pelo equilíbrio da nossa tia. - Sabe que não surto com você por ela. - E apontei para sala.
- Olha. - Disse ele se aproximando mais de mim com uma voz melosa. - Eu vou ficar quieto, eu juro, mas fica, não vai embora não.
Nessa hora eu senti meu celular vibrar do bolso lateral da calça. Meu coração já não batia forte na esperança de uma mensagem do Pablo, mas quando abaixei a cabeça, vendo a notificação da tela, era dele, pelas palavras iniciais. "Oi, aqui é o Pablo, podemos conversar?"
Respirei profundamente. Por um segundo eu saí daquela conversa boba com meu primo.
- Ora veja. - Ouvi minha tia se aproximando. - Estão brigando com antigamente. - Disse ela rindo vindo em nossa direção.
- Não, tia, está tudo bem. - Disse Matheus gentilmente.
- Posso ser velha mas não sou surda. - Disse ela com olhar debochado. - Conheço esse tom de voz, confesso que até senti saudades.
- Ah, eu vou fazer café. - Disse ele saindo da minha frente e voltando sua atenção para a sua atividade. - Vou pegar aqueles grãos que eu ajudei a torrar na fazenda que fiquei
Aff, ele era tão esnobe...ou eu que era pobre demais para entender um comentário simples?
Pensando bem, eu não deveria me sentir pobre, já que com o dinheiro que Pablo havia me dado eu tinha conseguido umas roupas melhores e uma decoração do dia dos namorados mais bonita na loja, fora que uma reserva também se fazia necessária. Mas o que eu ainda não tinha feito era uma doação, e isso estava me angustiando.
Olhei novamente para o celular enquanto minha tia conversava com meu primo, e respondi a mensagem : "Estou livre, podemos conversar".
Não levou nem três segundos e já notei que ele estava online e respondendo : " posso te ligar".
"Sim, claro".