Capítulo 2 Tento me erguer às próprias custas

Particularmente, eu estava feliz que Wallace iria viajar e eu poderia conversar com meu antigo colega em paz, pois se ele fosse não iria nos deixar um minutos a sós. O dia passou rapidamente e chegou a hora de me arrumar para ir ao restaurante. Normalmente eu gostava de exagerar nas roupas de eventos assim, com vestidos longos e ousados, com saltos finos e brincos grandes. Mas o mais incrível da cidade era o clima extremamente quente em um dia, mas especialmente naquele congelante no outro.

Coloquei uma calça justa, uma bota de salto e cano alto, uma blusa com gola preta e um casaco muito quente e branco por cima. Deixei os cabelos soltos e sem brincos ou colares. Chamei um carro por aplicativo e logo cheguei.

A entrada do restaurante era simples, havia uma hostess elegante direcionando as pessoas para dentro e suas respectivas mesas, uma fila longa ia se formando para aqueles que não tinham reservas ou convites. Não gostava muito da ideia de passar na frente de todos, mas me aproveitei da situação. A jovem belíssima me indicou o caminho e a mesa em que devia sentar, sozinha, porém com outros cinco nomes. Não imaginaria com quem poderia sentar ali e conversar, mas para a minha surpresa - não tão agradável - meus antigos colegas entraram pela porta e se direcionaram para mim. Tomei um longo gole do vinho branco que já estava servido e respirei fundo.

- Não acredito - disse o rapaz. Olhando bem para seu rosto o reconheci, afinal tinha barba, mas o rosto não mudara nada - Amélia Lurdes.

- Pedro - eu disse sorrindo, levantei da mesa e nos cumprimentamos com um beijo na bochecha, aqueles que senhoras ricas e fofoqueiras fazem quando vão falar mal uma das outras - quanto tempo.

- Quem diria que desceria do pedestal para ver seus antigos colegas - ele empurrou levemente meu ombro. Eu sorri amargamente - soube que casou com um ricaço.

- Ah, sim - esfreguei o ombro - você continua o mesmo né? Fazendo o que da vida?

- Ah, você sabe - ele sentou e eu em seguida - depois da faculdade vi que cozinhar não era para mim - de fato, pois sempre queimava as comidas e incrivelmente se formou - então fiz administração e marketing. Agora ajudo na internet.

- Uau, que legal - tomei mais um gole esperando que ele perguntasse o que eu faço, mas ele ignorou totalmente a pergunta e a curiosidade sobre a minha vida.

- Veja, tem mais quatro lugares e pelos nomes vi que são todos conhecidos nossos - ele gargalhou - é como uma reunião escolar.

- Pois é, quem diria não é mesmo? Quase seis anos e todo mundo se encontrando e contando sobre a vida - dei abertura para ele perguntar, mas percebi que não era relevante para o Pedro saber sobre mim.

Após muitas piadas, algumas até boas devo admitir, comecei a gostar dele. Os outros quatro chegaram, sentaram e se divertiram juntos. Incrivelmente eu não lembrava de nenhum deles, realmente não era uma boa colega. Pouco me juntava e sempre que tinha trabalhos em grupo, fazia com o Vicente, que inclusive ainda não tinha aparecido pela mesa. Imaginava como estava lotado de serviço. Olhando em volta, o restaurante cheio, os garçons andando de um lado para o outro, percebi que sorria. Aquela visão era de um sonho distante que tive uma vez e que era diferente da realidade em que eu vivia agora. Aqueles colegas comentavam de suas vidas, alguns seguiram na carreira, outros se formaram novamente e isso só mostrava que ninguém paralisou ou parou como eu. Um sentimento e formigamento nas mãos começaram a tomar conta de mim, a minha respiração começou a ficar pesada e o ar cada vez mais escasso. Seria uma crise de ansiedade? Seria apenas a inveja me consumindo? Era inveja ou apenas estava percebendo que minha vida estava estagnada? Quase sem respirar, mas ninguém ao menos notava.

Uma mão quente tocou meu ombro - tudo bem? - perguntou Vicente ao lado - me assustei ao vê-lo - está pálida.

- Preciso de ar - eu disse levantando.

- Venha comigo - ele me deu a mão e então fomos para a parte de trás do restaurante. Ao sair e sentir o ar frio, voltei a respirar normalmente - melhorou?

- Muito - fechei os olhos com a cabeça erguida. Vicente havia me salvado nesse momento.

- Se você estiver bem, gostaria que ficasse depois que o restaurante fechar - ele cruzou os braços - assim podemos colocar o papo em dia.

Olhei para ele e sorri - claro - o vi tremer com o frio - podemos entrar agora. Você vai congelar aqui apenas com essa roupa.

- Não vou mentir - ele riu - está mesmo frio.

Entramos de volta e pude ver a cozinha funcionando a todo vapor, algo que não notara antes quando passei. Era uma imagem magica e barulhenta. Vicente tomou conta de alguns pedidos e saiu rapidamente do meu lado. Parei em um canto e observei mais um pouco, as carnes sendo flambadas, os legumes e temperos sendo cortados rápida e precisamente enquanto alguém do outro lado gritava o nome dos pratos para preparo. Vicente estava totalmente concentrado e pela primeira vez notei que ele era bonito, tão ou mais quanto era na faculdade. O rosto era simétrico e arredondado, o nariz e a boca combinavam principalmente quando sorria, o observei cozinhando e tinha nascido para aquilo. Sai da cozinha e voltei para a minha mesa. Ainda não havia pedido nada e fiz somente para não deixar Vicente na mão, pois não consegui comer enquanto estava perto de todos. Algum tempo passou, horas para ser precisa e o restaurante foi fechando. Vi cada pessoa saindo com satisfação no rosto, elogios sendo rasgados e sorrisos sendo distribuídos. Continuei sentada esperando, mais algum tempo se passou e quase dormindo na cadeira, quando Vicente saiu da cozinha em minha direção. Levantei e me despreguicei discretamente, pelo menos na minha cabeça.

- Vi que não tocou na comida - ele disse sorrindo. Caminhou até o caixa e o segui. Assinou alguns papéis - não vai dizer nada?

- Até poderia, mas não pensei em uma desculpa tão boa - sorri. O pessoal da cozinha se juntou completamente perto de nós, também os garçons e barmans. Me recolhi em um canto.

Vicente levantou uma taça de champanhe - parabéns a todos - ele disse sorrindo de orelha a orelha - a noite foi perfeita e aparentemente o restaurante vai fazer muito sucesso e isso não poderia ser feito sem cada um de vocês, que se dedicaram para que tudo fosse extremamente feito com perfeição. Um brinde a nós - nesse momento todos levantaram a taça e gritaram de felicidade. Era lindo de ver como estavam dedicados. Depois de serem liberados, ficamos em fim a sós.

Estávamos na cozinha e ele preparava algo para comermos, ainda bem que não havia comido antes, pois não iria poder acompanhar. Me peguei encarando os olhos castanhos de Vicente - o que? - perguntei ao voltar dos pensamentos.

Ele riu de leve - perguntei quem é seu marido.

- Ah, bem você o conhece - disse me ajeitando e lembrando de Wallace - o conheci na festa da Renata.

- Então você casou com o Wallace - ele disse erguendo as sobrancelhas - lembro que quando o vi, pensei que seria apenas um namoradinho - sua voz ficou roca quando disse "namoradinho".

- Então, o que posso dizer - observei ele cortar a carne - ele me conquistou no primeiro dia.

- Logo você, que sempre disse que casar seria a ultima coisa que faria.

- Pra você ver como não sou confiável.

Rimos juntos - devia ter lembrado disso - ele disse - esses dias estava pensando em quando estávamos na faculdade e fomos cozinhar o cordeiro pela primeira vez.

- Ah, Deus - eu disse - pobre cordeiro que perdeu a vida para ser queimado por dois burros. Um bom lembrete, quando disserem que leva três horas e não cinco.

- Você disse que era cinco, eu concordei - ele mostrou o corte perfeito do cordeiro na assadeira - veja, cozido, selado e perfeitamente cortado - ele colocou de volta ao forno.

- Muito bom - bati palmas - algo pelo menos aprendeu.

Vicente serviu uma taça de vinho tinto para cada um - e você não está em um restaurante grande, por que?

- Eu comecei a me dedicar ao casamento e deixei a cozinha de lado, pelo menos fora de casa - tomei um gole - pelo menos por enquanto.

- É uma pena, você tinha muito talento - ele tirou a toca de cozinha. Seu cabelo era um pouco maior em cima e caia levemente em seu rosto - se você quiser as portas estão abertas para você. Ainda preciso de um chefe a mais.

- Está me convidando para trabalhar aqui mesmo não tendo experiência?

- Acredito no seu potencial, Amélia, nós nos formamos juntos e nunca conheci alguém com o talento nato igual ao seu - ele sorriu - depois do chefe principal dessa cozinha que é maravilhoso. Claro.

- Uau, agradecida e apavorada com tal narcisismo - eu sorri - mas não poderia. Minha vida já não é mais na cozinha. Preciso aceitar isso.

- Você pode ter os dois - ele disse tomando um gole do vinho.

- Agradeço mesmo, Vicente, mas agora não é o momento realmente.

- Bem, tenho outro convite - ele largou a taça e tirou a dólmã, chegou perto, pegou minha taça e largou em cima da bancada. Meu coração estranhamente começou a acelerar e minhas mão a suarem - dança comigo.

- Sim - respondi rapidamente e sem saber o que ele havia perguntado direito, apenas aceitei - espera, o que?

Ele riu - dança comigo - pegou minha mão e me levou para o meio da cozinha levemente.

- Mas não tem musica - eu disse me posicionando perto dele.

- Eu resolvo - Vicente simplesmente começou a dançar com calma. Engrossou a voz - ela passou do meu lado, oi amor, eu lhe falei.

Comecei a rir - não acredito - ele continuou a cantar suavemente. Então fiquei mais perto de seu corpo apenas escutando - pra um cantor, você é um ótimo cozinheiro - o olhei quando me inclinou para o lado e voltou - mas eu gosto dessa música - continuamos a dançar ao som de Hoje A Noite Não Tem Luar na voz de Vicente Rodrigues, algo que não era feito todos os dias. Sentindo o calor de seu corpo junto ao meu, poderia dizer que estava segura, como nunca fiquei antes. Era engraçado, quando nem mesmo Wallace me trazia tal sentimento.

Vicente parou de dançar e cantar quando nossos rostos se aproximaram, nos olhamos profundamente dentro do olho um do outro e ali parecia que o tempo nunca havia passado. Trazendo de volta o sentimento que uma vez tivemos um pelo outro. Voltei para mim quando ele se afastou - desculpa - ele disse indo para trás. Caminhei lentamente até a bancada e tomei um gole de vinho, minha boca estava seca como o deserto. Ele mexeu no forno e tirou a carne, pigarreando cada vez que colocava a carne nos pratos. Sem me olhar ele colocou a comida servida na minha frente e tomou seu vinho inteiro em um gole.

- Está frio aqui - eu disse ao colocar o casaco para tapar meus mamilos.

- Sério? Acho que o forno me deu calor - ele disse sorrindo. Sentou ao meu lado com seu prato - bon appetit.

Começamos a comer e exatamente como ele disse, o chefe principal tinha um talento nato para a cozinha, pois estava maravilhoso. Comi rapidamente sem dar tempo de falar, levando apenas alguns minutos para terminar. Vicente começou a rir - então, como está o Wallace hoje em dia? Digo fisicamente? - ele perguntou.

- Mais velho e mais bonito, apesar da barba falhada - rimos juntos - brincadeira, ele é perfeito em cada detalhe que tem.

- Me mostra o senhor perfeito então, não vi uma foto sequer de vocês no seu perfil.

- Ele não gosta de tirar foto, muito menos de postar algo, acha que as pessoas cuidam muito da vida um dos outros - peguei o celular - mas temos uma foto juntos nos marcados, de uma de nossas viagens. Na Bahia se não me engano - busquei a foto em meu perfil e não achei, logo segui para o perfil dele fui para os marcados. Não precisei rolar a pagina para achar, mas algo me chamou a atenção. Uma foto recente estava lá, que não era minha. As mãos entrelaçadas em cima de uma mesa de café da tarde de hotel. O relógio que eu dera de aniversário brilhava na foto. Abri o perfil da mulher e não a reconheci, mas era ele marcado - que merda é essa?

- O que? - Vicente perguntou assustado - tinha algo ruim na comida?

- Não - eu disse levantando, mostrei a foto para Vicente - isso? Wallace marcado na foto de uma tal de Marcela, em Gramado.

- Ela não pode ter errado e marcado sem querer? - obviamente tentou me acalmar.

- Claro que não - peguei minha bolsa e atravessei no corpo - é o relógio que eu dei para ele. Desculpa, mas eu tenho que ir.

- Não quer que eu te leve? - perguntou levantando.

- Não precisa, até depois - disse dando as costas e saindo do restaurante. O frio congelante em uma brisa fez meu rosto tremer. Peguei um táxi que passava e o mandei para o endereço que precisava. Chegamos em uma casa azul com muro baixo. Entrei rapidamente batendo o pequeno portão e bati na porta com força. Dei mais três batidas com mais força e então abriu.

- O que isso? - perguntou a mulher loira diante de mim.

- Dori - falei - posso entrar?

- Obvio - ela abriu espaço e eu entrei. Ela fechou a porta - o que foi que aconteceu?

- Acho que o Wallace está me traindo - eu disse e peguei o celular, entregando a ela - acho não, ele está em Gramado. O desgraçado disse que ia viajar pra São Paulo.

- Calma, pensa direito, quem é essa?

- Eu sei lá, Doriana - andei de um lado para o outro - que ódio. Eu vou ligar para ele. - Não vai não - ela disse escondendo o celular - Temos que descobrir quem ela é e depois sim brigar com ele. Quando ele voltar você finge que não sabe de nada e a gente investiga melhor.

- Não vou conseguir - parei de andar e a encarei - só pode ter haver com aquela loja que ele vai sempre. É óbvio - comecei a rir - e a idiota aqui acreditou que ele estava comprando roupa pra mãe dele.

- Que loja?

- Uma que ele compra, sempre gasta um valor absurdo e sempre com a mesma vendedora. Mas não pode ser ela, o nome não bate. Ela deve saber de algo, amanhã vou falar com ela.

- Eu vou com você - ela me entregou o celular.

A noite passou lentamente e eu não conseguira pregar o olho nem por um minuto. Precisava urgentemente ir até a aquela loja, sentia que era lá que eu iria descobrir toda a verdade. Quando amanheceu preparei um café, para poder me manter acordada. O frio á não me incomodava mais, era como se meu corpo estivesse anestesiado. Doriana acordou e sentou na mesa - bom dia - ela disse. Estava totalmente descabelada, o pijama era curto o que me fez arrepiar.

- Como consegue ficar com assim? - perguntei ao entregar a ela uma xícara de café.

- Já me acostumei com o frio - ela me olhou ao pegar - você está com a mesma roupa de ontem.

- Não consegui dormir - me encostei na pia - eu não acredito que aquele desgraçado além de me trair, fica postando foto, coisa que ele não faz comigo.

- Lamento te informar, mas por isso que não posta nada com você.

- Você acha que é muito recente esse caso dele?

- Acho que não, dei uma olhada no perfil dela e tem varias fotos de casal, na praia, em hotel, motel e até mesmo no Chile, nenhuma mostra o rosto dele, mas o relógio está lá e faz quantos anos que você deu de presente?

- Nossa, já faz três anos - senti repulsa - como eu fui burra, ele sempre ia viajar e nunca sequer me convidou, era a trabalho - larguei a xícara - burra, burra.

- Vou me vestir e vamos lá na loja - ela disse levantando e indo para o quarto.

Depois de algum tempo, seguimos para a loja, sentamos na cafeteria da frente e esperamos algo acontecer. Algo me dizia que ele iria aparecer. Ali ficamos durante quase duas horas, até que o carro de Wallace estacionou na frente e ele desce unto da mulher. Meus olhos encheram de água nesse instante, era impossível controlar. Meu celular começou a tocar e era ele.

- Não atende - disse Doriana - deixa ele ir embora da loja que nós vamos lá falar com ela.

Mesmo contra minha vontade fiz o que ela disse. Depois de alguns minutos os dois saíram da loja e entraram no carro, indo embora em seguida. Novamente minhas mãos começaram a suar, abaixei minha cabeça tentando me acalmar, não sei o porquê, Vicente veio a minha cabeça, me levando para fora do restaurante - eu vou lá e falo com a vendedora - disse Doriana - fique aqui - ela saiu rapidamente de perto e eu não consegui seguir. Respirei fundo e comecei a me acalmar, pensando na noite anterior. Após alguns minutos, Doriana e Luciana entraram pela porta do café e sentaram.

- Pode contar a ela - disse Doriana.

- Olha, eu não quero problemas, tá bom? Vou falar porque realmente estou com pena de você - ela me olhou - seu marido tem um caso com a minha chefe. Ele realmente compra na loja para a mãe dele e os dois sempre vão levar para ela depois.

- A quanto tempo isso acontece? - Doriana indagou.

- Eu trabalho aqui já tem três anos, eles á se conheciam quando eu comecei. Sinto muito, eu tenho que voltar - ela levantou - olha, sinto muito mesmo - Luciana deixou o café.

- Eu desisti da minha vida, da minha carreira - eu disse sem acreditar - e agora, vou fazer o que? A casa é dele. Vou expulsar ele?

- Vocês são casados, certamente tem direito a alguma coisa.

- Nos casamos com separação total - me encostei na cadeira - ele não podia fazer isso comigo - levantei - eu vou dar uma volta e te ligo depois, pode ser?

- Claro, só não deixe de me ligar.

- Pode deixar, obrigada por tudo.

Sai da cafeteria, ainda muito perdida. Comecei a caminhar, tentando colocar as ideias certas na minha cabeça. O que seria de mim? Depois de cinco anos de casamento, o que eu poderia fazer? Comecei a lembrar de algo que minha mãe dizia, era como "se um dia você estiver pedida, busque dentro de você o caminho, lembre onde você se sentiu feliz por último" e automaticamente chamei um carro. Desci na frente do restaurante de Vicente e parei na janela. Ele estava sentando em uma mesa, com alguns papéis, sem me notar, o observei. Pensando que aquele era para ser o meu destino, devia ter me concentrado na minha carreira, ter viajado e quem sabe trabalhar em um grande restaurante.

Depois de algum tempo voltei para casa. Ao abrir a porta voltei para a minha realidade, sem pensar duas vezes, peguei vários sacos de lixo na cozinha e comecei a colocar minhas coisas. Após juntar minhas roupas, meus livros culinários e alguns dos utensílios que eu gostava, coloquei tudo no meu carro e então sentei no sofá - exausta - para esperar aquele filho da mãe. E sim, passei horas sentada, apenas esperando não haviam forças para me movimentar mais. Quando a porta abriu, ele entrou sorridente com sua maldita cara de pau, sorrindo me olhou.

- Meu amor - ele disse, fechou a porta - senti saudades - chegou um pouco mais perto e então levantei - o que foi?

- O que foi? - perguntei tentando tirara a aliança do meu dedo, mas ela estava presa, o encarei - eu já sei da sua amante. A dona da loja, Marcela com quem você estava em Gramado.

- Eu posso explicar - ele falou em pausas.

- Explicar o que? Que você tem uma esposa e uma namorada? - eu ri descontroladamente - isso é tão ridículo, até mesmo pra você - finalmente consegui tirar a aliança e então joguei no sofá - eu não te conheço mais, se é que um dia conheci.

- Amélia - ele chegou mais perto e então me afastei para o outro lado - ela não significa nada. Foi uma idiotice - ele pegou o anel - eu não pensei nas consequências.

- Três anos! - gritei - fazem três anos que vocês estão juntos e pra quem não é nada, até sua mãe conheceu não é? - dei a volta no sofá - eu sabia que sua mãe não gostava de mim, mas aceitar uma amante, logo ela que é toda cheia de papos sobre como o casamento é sagrado? O que mais falta eu descobrir, um filho seu por ai?

- Por favor - ele tirou o paletó - me dá uma chance, poxa, eu errei e quem nunca errou?

- Erro, Wallace? Isso não tem perdão - segurei as lágrimas - eu á juntei minhas coisas e estou indo embora dessa casa.

- Você não pode jogar toda nossa história no lixo assim.

- Quem colocou no lixo foi você, que não parou pra pensar um minuto sequer.

Wallace tentou se aproximar - eu vou embora - disse levantando a mão para ele parar - preciso sair de perto de você e pensar em toda essa merda que aconteceu - peguei minha bolsa - não vai atrás de mim e nem me ligue. Eu preciso que você me deixe em paz - o encarei mais uma vez - ah eu quero o divórcio.

Nesse instante ele me olhou chorando. Como ele podia chorar como se não fosse culpa dele? Como podia me fazer sentir culpa por ir embora? Dei as costas e sai da casa, indo para o carro e entrando sem olhar para trás. Limpei o rosto e dei partida, olhei rapidamente para a casa que foi minha uma vez e então segui em direção para a casa de Doriana. Ela morava na Zona Norte, entrando no bairro parei o carro. Respirei fundo e então não pude mais conter as lagrimas. Era dolorido e inacreditável a dor que estava sentindo. Como queria ter minha mãe por perto nesse momento. Então chorei copiosamente. Após alguns minutos, limpei o rosto e olhei no retrovisor e nossa, as olheiras mais fundas do mundo, o inchaço mais esquisito. Abri a anela e o frio entrou com tudo, tentei arrumar o rosto um pouco com maquiagem, mas não teve jeito. Segui para a casa de Doriana e estacionei na frente. Desci e entrei pelo portão, antes de bater na porta ela abriu.

- Fiquei preocupada - disse ela. Deu espaço para eu passar e o fiz. Sentei no sofá - então? - perguntou.

- Bom - mostrei o dedo sem aliança - se não se importar eu não quero falar disso agora, preciso apenas de um banho e dormir umas, sei lá, dez horas direto.

- Claro, vai pro banho que eu providencio o quarto para você. Segui para o banheiro. A casa de Doriana era pequena, mas o banheiro era muito maior que eu esperava, o chuveiro pequeno - saia pouca água e umas gotas geladas - me fez lembrar de quando eu era jovem e não tinha dinheiro. Wallace me garantiu uma vida que nunca achei que teria antes. Não posso dizer que sai do banho com frio, porque a água não esquentava o suficiente, mas pelo menos a toalha me deu um conforto. Coloquei o pijama que Doriana me emprestou e sai do banheiro. Me direcionei para o quartinho que ela me deixava dormir quando ia para lá. Doriana entrou e sorriu - aqui - me entregou um comprimido - com isso aqui vai dormir sem se preocupar - me alcançou o copo com água. Não me importei em saber o que era aquele remédio e apenas tomei. Ela fechou as janelas e então me deitei. Apenas tentando esquecer o que passei no último dia. Não demorou muito para eu sentir sono e adormecer.

Ao acordar, minha cabeça, mesmo no escuro, parecia girar. Olhei para o celular e eram quase dez horas da noite. Eu nunca dormira o dia inteiro, por isso meu corpo parecia extremamente pesado. Tentei levantar e fiquei tonta, sentei na cama e esperei um pouco. Quando sai do quarto, Doriana estava na sala se arrumando - você vai sair? - perguntei.

- Boa noite - ela disse sorrindo - na verdade, não. Senta ai, preciso falar uma coisa com você.

- Ah , não - eu sentei e agarrei as pernas - mais noticias ruins?

- Bem - ela sentou do lado - escuta, lembra quando eu disse que trabalhava de noite em um hotel?

- Sim, uma vez até te levei lá.

- Então, eu não trabalho mais lá, já tem uns anos - ela parecia triste - a vida ficou difícil demais para mim. Quase perdi essa casa, precisei mudar de trabalho.

- Por que não me falou nada? Eu podia ter te ajudado.

- Você tinha a sua vida com aquele desgraçado, desculpa.

- Tudo bem, ele é um desgraçado.

Doriana ficou um tempo em silêncio - Amélia, eu sou garota de programa - disse parecendo tirar um peso enorme. Eu fiquei totalmente desconcertada. Não sabia o que dizer - eu devia ter falado antes, mas você me conhece.

- Dori, eu nem sei o que dizer - falei em fim.

- Não precisa falar nada - ela sorriu com tristeza.

- Como você faz?

- Eu as vezes vou para a rua e as vezes os trago aqui.

- Aqui? tipo - apontei para o sofá.

- Não, só no quarto - ela riu - é difícil, as vezes tomo esse comprimido que te dei, porque não consigo dormir, dependendo do cliente, se é que me entende.

- Eu vou poder ficar aqui? Quero dizer, posso procurar um hotel.

- Imagina - ela me interrompeu - precisa economizar. Pode ficar aqui, mas terá que se trancar no quarto ou sair quando tiver um cliente.

- Caramba, Dori - eu disse com pesar - eu não podia imaginar - peguei sua mão.

- Tudo bem, hoje tem um cliente, então.

- Vou pegar minhas coisas no carro e ficar no quarto. Se tiver mais um dos seus comprimidos, eu vou aceitar.

- Certo, vou deixar lá no quarto - Doriana levantou do sofá e voltar a se arrumar. Ela colocou um peruca preta - esse cliente gosta de mim morena - disse rindo - ele é meio esquisito, mas é bem fofo até.

Era difícil imaginar a vida dela daquele jeito. Sai do meu transe e fui pegar as coisas no carro, levei aos pouco para o quarto e lá fiquei. Tirei algumas roupas e coloquei na cômoda, alguns livros deixei em cima. Peguei o celular e haviam quinze chamadas do Wallace. Mesmo sabendo de tudo e doendo, queria ligar de volta, acho que era o costume. Após uma hora, ouvi batidas na porta da sala. Por uma fresta, dei uma espiada. O cliente de Doriana, um homem bem mais velho a abraçava, ele passou a mão em sua bunda e beijou seu pescoço, enquanto ela ria descontroladamente. Fechei minha porta e tranquei. Tomei o comprimido e deitei esperando fazer efeito. Acordei com três batidas na porta, ainda meio zonza, levantei e abri. Voltei a deitar e então Doriana sentou na ponta da cama.

- Esse cliente sempre me dá gorjetas cheias - ela mostrou a nota de cem reais - além do pagamento é claro.

- Você fica bem com isso? - perguntei me tapando com a coberta.

- Já aceitei a vida, então por mim tudo bem, as vezes a gente tem que fazer algumas coisas que não gostamos, vou te dar um exemplo - ela deitou ao meu lado - tive um cliente muito rico uma vez, ele me pagou três mil reais por uma noite e eu aceitei é claro. O problema foi que ele queria tudo completo - ela me olhou - até mesmo anal.

- E você fez?

- Não queria, mas fiz, ou melhor, ele fez.

- Mas isso é abuso, Dori. Você devia denunciar.

- Eu sou garota de programa, isso já inválida toda a denuncia.

- Denuncia de abuso sexual é um direito que independente do que você faz - me sentei - não importa se você é garota de programa, eles não podem te obrigar a fazer nada.

- Sério - ela sentou também - deixa pra lá. Isso foi a dois anos atrás - ela levantou - o cara não devia nem ser daqui.

- Você quer que eu veja um advogado pra fazer a denuncia?

- Não - disse firme - vamos falar de outra coisa. Não quero ser chata, mas eu não recebo o suficiente pra nós duas. Não pago aluguel, mas como pode ver, não sou bem remunerada.

- Eu vou procurar um emprego - falei levantando - não pense que esqueci do que falamos agora pouco. Venha, vou te fazer um café da manhã.

Fomos para a cozinha, ao abrir a geladeira, vi que não tinham muitos ingredientes. Porém o que encontrei era o suficiente para garantir uma boa comida. consistia em ovos escalfados, toucinho ou presunto e molho holandês - ou nesse caso maionese que tinha na geladeira -, montados em uma fatia de pão.

- Ovos Benedict - disse entregando o prato para ela.

- Saúde - disse rindo. Ri junto dela e sentei com meu prato. Doriana provou um pedaço e gemeu me deixando constrangida - isso é orgástico.

- Obrigada, eu acho - falei rindo. Realmente estava bom, mesmo com a maionese que não era das melhores. Me lembrei da faculdade e de como eram bons dias aqueles e então Vicente veio a minha cabeça novamente - é isso.

- O que?

- Já sei onde vou trabalhar.

            
            

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