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As vezes só precisamos voltar para casa e nos sentirmos crianças novamente para os problemas sumirem um pouco. Esse beneficio eu não tinha. Aos dezessete anos me tornei órfã e fui morar com uma tia de terceiro grau, que assim que completei dezoito anos me expulsou de casa, após seu marido nojento dar em cima de mim. Minha mãe viveu sua vida tranquilamente sozinha até me ter e então a cada seis meses nos mudávamos, morando em diversos bairros da cidade. Posso dizer que conheço Porto Alegre com a palma da minha mão.
Infelizmente ela trabalhou tanto para que eu pudesse estudar e me formar um dia, que seu corpo e coração apenas apagou. Uma noite onde eu teria ido ao cinema com meus amigos e quando voltei, deitada em seu quarto, pálida e gelada ela ficou. Nunca me perdoei pelo fato de não estar lá para ela quando mais precisou. Não sabia o que fazer, chamei o vizinho, aos prantos e ele sem entender nada, apenas o puxei para dentro de casa e ele então chamou a ambulância. Ele e sua esposa me acompanharam até o hospital e então o médico apenas confirmou que eu estaria só dali por diante. A tia distante foi o único contato que achei no celular da minha mãe, em soma ela não fora ruim. Até me tratava bem. Mas obviamente não nos conhecíamos. Eu não era uma adolescente difícil e desobediente e não dei trabalho algum a ela. Mas o marido, ah, aquele infeliz, sempre que chegava em casa e ela dormia, ele tentava entrar no meu quarto. Uma noite quase conseguira e então minha tia acordou e me mandou embora. Comecei a trabalhar durante o dia em uma loja de utensílios domésticos e aos fins de semana em uma casa noturna como barista que ao invés de me pagar em dinheiro, alugava um quartinho nos fundos. Após juntar dinheiro, de não dormir noites seguidas e muito estudar, consegui terminar os estudos e fazer vestibular. E realmente estudei muito para conseguir uma bolsa na faculdade e assim comecei. No auge dos meus vinte anos. A faculdade levou quatro anos e o tecnólogo mais dois. Um ano antes de terminar tudo, conheci Wallace. Namoramos por um ano, até que em uma ida para a praia ele me pediu em casamento. E em falar nele, meu celular tocou me trazendo de volta para os dias atuais. Dessa vez atendi - o que você quer? - perguntei sem paciência para ouvir desculpas esfarrapadas.
- Podemos conversar? Queria ver com você os termos da nossa separação - ele disse. Ouvir sua voz me fez arrepiar. Eu ainda amava esse homem, apesar das coisas que ele fez, não teria como apagar do dia para a noite.
- Os termos são simples, nos casamos em separação total - terminei de colocar meu brinco - é isso, agora me deixa em paz que não quero nada de você.
Desliguei e tornei a me arrumar. Doriana e eu estávamos indo para um bar, tentar dar uma distraída. Eu não tinha um centavo no bolso e ela tentou dar uma levantada no meu astral. De verdade, eu queria apenas ficar em casa mesmo, não queria ter que me levantar e dar uma de social para cima dos outros. Chegamos no bar e logo começamos a beber. Sentamos em uma das mesas livres na parte de cima, Doriana saiu a caça de um cliente para mais tarde. Ali pude pensar um pouco em como ouvir a voz de Wallace me fizera bem. De alguma forma pude esquecer o que tinha acontecido. Será que minha mãe iria se orgulhar de mim? Ou iria me mandar continuar casada com ele? Quando não se tem nada, é mais fácil pensar. Ao mesmo tempo que queria continuar a minha vida na Zona Sul, não poderia me deixar ser enganada daquele jeito, não mais. Continuei a tomar a cerveja que estava diante de mim. Doriana e seu cliente chegaram a mesa e sentaram junto de mim. Era estranho ver ela daquela maneira, como garota de programa, se dispondo a fazer o que ele queria. Após mais algumas garrafas, acredite, eu já não estava mais "normal".
- Então - falei com a voz mais embriagada possível - simplesmente não tenho mais casa, nem dinheiro e só tenho o meu carro, que nem no meu nome está, porque o - tentei lembrar o nome.
- Wallace - o homem disse.
- Isso, Wal-la-ce - eu disse rindo - meu ex marido traidor, disse que era melhor deixar no nome dele. Daqui a pouco ele vai pegar e dar pra amante dele.
- Acho melhor nós irmos - disse Doriana.
- Não - eu disse pegando a garrafa - eu quero ficar mais um pouco. Porque eu sou muito legal.
- Eu posso chamar um carro - o cliente de Doriana tirou a cerveja da minha mão. Sem pensar (isso vai parecer bem óbvio) eu peguei um dos copos e joguei a bebida nele.
- Amélia - Doriana disse levantando - desculpa, deixa eu te ajudar a limpar.
- Não precisa, eu faço sozinho - ele saiu da mesa.
- Você tá louca? Era meu cliente.
- Você não precisa - eu disse levantando e sentando de novo porque estava tonta. Simplesmente apaguei na mesa.
Acordei com a testa dolorida e o corpo também. A boca tinha um gosto horrível e estava seca, tomei um gole da água que estava na cabeceira. Então olhei para frente e Wallace estava sentado na ponta da cama.
- O que faz aqui? - perguntei sem entender nada.
- Sua amiga me ligou para ajudar a trazer você para casa.
Tentei lembrar do que tinha acontecido e lembrava de ter jogado a bebida no cliente de Doriana - meu deus - colocando a mão na cabeça.
- Lamento muito ter feito isso com você. Volta pra casa pra eu cuidar de você. Deixa eu curar essas feridas que eu causei.
- Wallace - as palavras dele ecoavam profundamente - podemos falar disso mais tarde? Preciso de um banho e comer algo.
- Tome seu banho e vamos almoçar juntos? O que acha?
- Pode ser - ele prontamente levantou e sorriu. Eu senti saudade daquele sorriso. Ele saiu do quarto e então respirei fundo. Fui para o banheiro e tomei um banho longo e quente. Eu estava começando a me acostumar com o chuveiro. Sai do banho e coloquei uma roupa aconchegante - vamos lá - penteei o cabelo e sai do quarto. Doriana e Wallace pareciam discutir na sala - tudo bem aqui?
- Tudo - ela disse - estava dizendo para ele cuidar de você.
- Vamos? - ele abriu a porta.
- Sim - olhei para Doriana que continuou parada no mesmo lugar, então passei por Wallace e saímos da casa. Seguimos em direção ao seu carro e entramos. Estava com um sentimento estranho estando sentada ao seu lado. Não sabia bem o quanto ainda queria mantê-lo em minha vida.
Ele sorriu praticamente o caminho inteiro e sempre que parávamos no semáforo, comentava sobre algum dia em que estivemos juntos. Trazendo lembranças incríveis, algumas que me deixaram constrangida. Quando enfim ele ficou quieto - o que eu agradeci aos céus - nós paramos em frente ao restaurante de Vicente.
- Esse restaurante abriu esses dias - ele disse - achei que gostaria.
Me mantive em silêncio, apenas para ver a cara de surpresa dele quando entrássemos no estabelecimento - mas acredito que só abrirão de noite - eu disse ao parar na frente da porta fechada.
- Eu liguei mais cedo e reservei a mesa para o almoço - ele sorriu - o dono disse que é comum isso acontecer.
- E você conhece o dono?
- Ainda não, mas parece gente boa.
Comecei a rir suavemente.
- O que foi? - perguntou rindo.
- Nada, vamos entrar ou comer aqui fora?
- Vamos - ele disse tentando pegar minha mão que desviei - desculpe, é o costume.
Wallace abriu a porta e assim que entrei, Vicente que estava atrás do balcão do caixa, sorriu e ergueu a sobrancelha. Ele caminhou até nossa direção e disse - Bem vindos, vocês que reservaram a mesa para o almoço?
- Isso - respondeu Wallace feliz, parecendo um adolescente novamente.
- Olá, Vicente - eu disse sorrindo - como estão as coisas aqui?
Wallace me olhou e então voltou para Vicente - caramba - ele disse - não o reconheci. Você foi colega dela na faculdade, certo?
- Isso - ele estendeu a mão e os dois se cumprimentaram - venham por aqui, reservei uma mesa, mas como são cliente e amigos especiais, vou coloca-los em outra melhor - o seguimos até a mesa perto da janela grande, de frente para todo o movimento da rua e podendo ver um pouco da cozinha ao mesmo tempo - fiquem a vontade.
- Obrigado - eu disse. Quando fui sentar, Wallace se posicionou atrás de mim e em um movimento rápido puxou a cadeira para eu sentar. Assim que sentei, ele fez o mesmo do outro lado.
- Vou pedir para o garçom vir tirar os pedidos, com licença - Vicente disse saindo de perto.
O acompanhei com o olhar até perde-lo de vista dentro da cozinha. Dava para sentir o cheiro de cada tempero que estava sendo cortado na cozinha. Geralmente os restaurantes deixavam alguns molhos, temperos e caldos prontos antes de abrir. Era a hora dos verdes. Podia sentir o cheiro da hortelã e nesse momento comecei a imaginar o que eu poderia cozinhar com aquele magnifico aroma. Fui interrompida pela mão gelada de Wallace sobre a minha - desculpa - ele disse quando tirei a mão de baixo - você não escutou nada que eu disse.
- Estava - respirei fundo - esquece. O que dizia?
- Não imaginava que esse era o restaurante de seu amigo - ele disse com desdenho - ele parece bem inteligente, não?
- Bem, ele é.
- Amélia - ele disse - eu.
- Vamos pedir? - perguntei o interrompendo e pegando o menu e chamando o garçom que prontamente chegou perto. Observei os pratos e podia jurar sentir cada nuancei entre um e outro em minha boca - bem, eu vou querer esse Carpaccio de vieira e rabanete com vinagrete de Cebolinha como entrada, Salmão do Alasca em folhado com molho de azedinha como principal e um vinho Mousse de Miraval, por gentileza.
- Ótimas escolhas, o nosso Carpaccio é o mais pedido - disse o garçom - e o senhor?
- Vou querer o mesmo - ele sorriu - confio no paladar dela.
- Perfeito - disse saindo em seguida.
- Ainda bem que tenho você na minha vida - Wallace disse rindo - como saberia o que pedir? Não sei nem como combinar essas comidas.
- O que você faz quando está com sua amante? Ela que pede também? - perguntei com frieza. Dentro de mim não havia mais pena ou se quer vontade de perdoar ele. E quando estava ali, diante de mim, com a cara de cachorro perdido, me transmitia mais raiva.
- Me perdoe, Amélia - ele disse quase em um sussurro.
- Como se conheceram? - ignorei completamente.
Ele respirou fundo - ela sempre reagia no meu perfil. Mandava cantadas e eu não soube resistir. Eu sou fraco, Amélia. Quem nunca errou?
- Nossa - falei rindo - você não resistiu? Simples assim?
- Eu sou homem. Queria o que? Ela estava praticamente se oferecendo, mas não pensei nas consequências. Não achei que iria tão longe, mas aí cada vez mais ela exigia que ficássemos juntos. Se eu tivesse parado para pensar no que perderia, jamais teria começado esse caso com ela.
- É fácil, não é? Depois de tudo que fez, dos anos que mentiu para mim, pegar e se sentir arrependido. Mas e eu? O que faço com esse sentimento ruim?
- Eu posso ajudar a curar o que eu machuquei.
- Você nunca vai conseguir curar isso. Até porque quanto mais eu olho para você, mais tristeza eu sinto.
Ficamos em silêncio nos encarando por alguns minutos. Então o garçom chegou com as entradas para acalmar a tensão que estava ali. Em um prato perfeitamente delicado e milimetricamente montado, a perfeita harmonia entre a vieira e o rabanete branco e vermelho, com o molho vinagrete posto com precisão em cada espaço e o cheiro fresco me deixaram anestesiada. Naquele momento, só existia a cozinha, eu e o prato diante de mim. Cada detalhe que Vicente fez no prato, fez com que eu pudesse me sentir feliz, imaginando que um dia faria também. - Nossa - disse Wallace quebrando meu sonho - realmente é um lindo prato. Vamos ver se o gosto também é bom.
Na primeira garfada, deu para sentir a brisa leve do mar que as vieiras doces traziam. Os rabanetes eram os crocantes do prato, as ovas de masago pareciam explodir na boca e tudo se completava com o azeite de cebolinha e um pouco de acidez do limão siciliano. Era tão harmonioso e perfeitamente preparado, folha por folha dos rabanetes e delicado desenho do vinagrete. Eu não poderia descrever de outra maneira se não perfeito.
- Até que é gostosinho, gostei desse negocio que parece explodir.
- São ovas de Masago ou Capelin, se preferir.
- Interessante.
Ver ele aprovar outra comida, me fez reparar que era puro capricho me impedir de voltar a trabalhar. Wallace nunca gostara de comer em restaurantes e tão pouco comer comidas diferentes. Quando eu tentava fazer algo que não conhecia bem, ele sempre usava a desculpa do "paladar infantil" para eu acabar fazendo lasanha ou coisas básicas. Mas ali, ele não precisava fingir que gostava ou não, era puramente e apenas ele. Realmente me perguntava como ele fazia com a outra mulher. Continuamos a aproveitar aquele belíssimo prato, olhei para um pequeno espaço da cozinha, Vicente preparava os pratos, sorrindo e conversando. Percebia-se que ele estava feliz e fazendo o que ama. Em um momento de ilusão, me imaginei ao seu lado, preparando a entrada de vieiras. Voltei a realidade quando Wallace largou a minha antiga aliança na mesa.
- É sua. Mesmo que não me queira mais.
- Você vai precisar dela - empurrei levemente até ele - use com sua nova esposa.
- Entenda, que nunca, jamais casarei com outra.
- Eu aceitei a vir aqui por um único motivo - suspirei - o nosso divórcio. Pra gente entrar em acordo.
- Acordo? - ele riu baixo - você pode ter tudo de volta, é só voltar para mim - sua postura havia mudado completamente. Antes estava calmo, falando de maneira tranquila e agora parecia completamente endurecido - não seja burra, Amélia.
- Como é? - perguntei sentindo o impacto de seu tom rude - de repente não é mais interessante me elogiar e ficar jurando amores?
- Você fica fazendo a difícil. Sabe que odeio isso. Te trouxe nesse restaurante pra te agradar, mas você só quer saber de me atacar, desde que chegamos. Paciência tem limite.
- Não acredito no que eu estou ouvindo - comecei a rir - como que eu posso estar errada depois disso?
- Eu cansei - ele levantou - vou pagar a conta e me procure quando você não estiver mais na TPM - sem nem mesmo pensar, Wallace seguiu para o caixa e pagou. Continuei sentada apenas o observando sair do restaurante. Incrédula.
O garçom chegou perto - tudo bem? Seu companheiro vai voltar ainda?
- Espero que não volte nunca mais - respondi levantando da mesa - Por favor, diga ao Vicente que eu lamento demais o trabalho que vocês estão tendo.
- Tudo bem, desculpas aceitas - Vicente disse vindo em nossa direção com os dois pratos - já que seu marido não quis continuar o almoço, eu aproveito com você. Só não vou beber, porque estou trabalhando - ele disse sorrindo. Colocou os pratos na mesa e acenou para eu sentar.
- Eu nem sei o que dizer - falei sentando - jamais imaginei que Wallace faria isso. Mas ele anda me surpreendendo nos últimos dias.
- Parece que está se esforçando para ser babaca - sentou também - obrigado, Pablo. Pode trazer o vinho dela e me vê aquele suco que trouxe mais cedo.
- Sim senhor - o garçom saiu de perto rapidamente.
- Pelo menos, almoço uma comida boa - Vicente falou ao me olhar - não fica assim. Sério, achei bom ele ir embora.
- Admito que ele estava estragando meu almoço. Me tirando da imaginação que estava tendo.
- E qual era?
- Eu, cozinhando aqui. Você me passando a receita do carpaccio.
Rimos juntos - gostou, então? - ele perguntou.
- Eu nunca vi uma coisa tão linda, quanto aquela comida, me deu até pena de comer.
- Pois bem - ele pegou o garfo - se prepare para esse belo salmão do Alasca.
Era bom estar junto dele. Vicente me trazia uma energia diferente, como se fosse possível realizar meus sonhos. Ele era a visão certa, acho que sempre foi, eu que não sabia ver na época - eu queria te pedir um favor - falei com a garganta seca - queria pedir uma chance para trabalhar aqui. Eu sei que você tem chefes mais experientes, mas eu juro que vou me esforçar - terminei de falar quando o vinho chegou. Pablo serviu para nós dois as respectivas bebidas. Ele nos deixou a sós de novo.
- Pode vir daqui a três dias fazer um teste - ele respondeu mais rápido do que imaginei - só peço que se prepare bem.
- Você não vai se arrepende - eu disse pegando sua mão - de verdade, Vicente, não sei nem o que dizer pra agradecer.
- É só cozinhar do jeito que eu sei que você sabe - ele disse ruborizado nas bochechas - vamos comer?
Eu dei o sorriso mais largo que poderia existir e larguei sua mão. Comecei a comer o salmão em massa folhada com um molho feito de cebola, vinho, vermute e barquete de azedinha. Era tão perfeito quanto o carpaccio. Depois do ótimo almoço com Vicente (o que eu não poderia imaginar que seria o final de um almoço desastroso) cheguei na casa de Doriana. Meus pensamentos eram apenas voltados para o dia do teste, tentando imaginar quais pratos teria que fazer. Aquele era o inicio da realização do que sonhei um dia. Doriana estava sentada no sofá, praticamente nua, com uma camiseta de manga curta e as meia nos pés para aquecer ela.
- Coloca mais roupas, está muito frio na rua - eu disse tirando o casaco e colocando em cima do sofá.
- Aqui dentro não está tanto - ela sorriu e pegou o meu casaco vestindo. O caimento ficou perfeito em seu corpo - como foi? Wallace conseguiu fazer sua cabeça?
- Eu não sei mais quem é ele. Não sei se um dia o conheci de verdade - sentei no sofá - parece que substituíram ele por uma versão totalmente babaca.
- Sinto dizer, mas acho que você não queria ver quem ele era de verdade. Quando a gente ama normalmente não vemos as partes ruins. O deixamos escapar mesmo.
- Mas, Dori - a encarei - ele simplesmente levantou e saiu do restaurante e ainda tentou e fazer ser culpada por não querer perdoar ele. Tem noção disso?
- Caramba, babaca mesmo.
- É - sorri - se não fosse o Vicente.
- Vicente?
- É, o meu amigo que pedi pra me empregar - comecei a rir - fomos colegas de faculdade e agora ele é dono de um restaurante aqui.
- É bonitão? - ela perguntou rindo.
- Não sei dizer, percebi pouca coisa da aparência dele. Acho que ainda gosto do Wallace, mesmo ele sendo um merda.
- Bem, vou te dar uma dica. Quer saber quem é o seu marido, vai falar com a amante dele, afinal parece que eles passam bastante tempo juntos.
- É uma ótima ideia na verdade. Acho que vou na loja dela e ter uma conversa direta. Mas e se ela se negar a querer falar comigo?
- Amélia, ela é a amante, para de agir assim como se fosse você. Ela devia ter medo.
- Você está certa - eu disse me levantando do sofá - pode me devolver o casaco.
- Ah, não - Doriana disse tirando o casaco. Ela me entregou - agora estou com frio.
- Então vai colocar uma roupa. Estou indo - parei a encarei - o que você é Wallace discutiam?
- Ele queria que eu te convencesse a voltar para casa - ela revirou os olhos - disse que tinha medo de você acabar que nem eu.
- Que babaca. Até logo - sai de casa e segui direto para o meu carro, quando sentei e liguei a ignição, senti uma leve tontura da ressaca. Toda via, continuei. o caminho até a loja não era longo, mas tão pouco curto.
Passei na frente de alguns lugares que ia com Wallace. Algumas memórias eram boas demais, felizes demais. Mas não passavam de lembranças. Mesmo tendo me traído durante todos esses anos com uma outra mulher, era difícil acreditar que aquele homem que gostava de me levar para sair e me fazia rir por horas a fio, tinha me enganado durante três malditos anos. Enquanto eu me concentrava na casa e fazia as suas vontades. Lembrei que nos últimos dias em que estivemos untos ele estava mais ativo na cama, me perguntava se tinha a ver comigo ou com ela. Isso me fez enjoar e quase vomitar. Cheguei na frente da loja e estacionei. Tentei arrumar os cabelos um pouco, peguei um dos corretivos que tinha na bolsa e passei nas olheiras, em seguida com o pó, mesmo não sendo a ordem correta, consegui amenizar aquele maldito olhar de derrota. Coloquei meus óculos escuros e desci do carro. Antes de entrar respirei fundo e observei na vitrine uma blusa igual a que Wallace me deu de aniversário. Era incrível as coisas que esse homem havia conseguido fazer sem eu nem sequer notar. Será que eu era burra de mais ou confiava demais?
Entrei na loja e rapidamente reconheci a mulher da foto. Ela estava no celular, sorridente e obviamente conversando com o desgraçado. Ela me olhou e rapidamente guardou o aparelho no bolso. Caminhou até mim e sorriu - Amélia - disse com ironia que era impossível não identificar - já era hora de nos conhecermos.
Dentro de mim, uma vontade enorme de agarra-la pelos cabelos e dar em sua cara, cresceu como se fossemos inimigas a vida toda, porem, dava para se dizer isso também, afinal de cinco anos casada com Wallace, três ele a tinha como amante. Coloquei meu óculos no topo da cabeça e a encarei - podemos conversar? - perguntei apenas.
- Estou recebendo umas mercadorias, se importa de esperar?
- Me importo, sim. Vamos até o café do outro lado. Te dou dois minutos para estar lá - ao terminar de falar, dei as costas e saí. Atravessei a rua e entrei no café. Sentei em uma mesa de frente para a loja e em menos de dez segundos a vi vir em minha direção. Percebi que tremia apesar de falar com firmeza. Ela entrou no café e sentou na minha frente - que bom - falei sorrindo.
- Não posso demorar. Como vê, tenho uma loja para administrar.
- Não pretendo gastar muito tempo com você - nos encaramos durante alguns segundos. Respirei fundo. Podia sentir o cheiro de Wallace nela - como vocês se conheceram?
- Bem - ela riu - foi em uma conferência, ele estava como visitante e eu fui apresentar alguns tecidos. Foi quando ele estava em acordo com aquela empresa de roupas, você deve saber. Pois bem, eu trabalhava nela, quando terminei de apresentar, ele veio, nós saímos para jantar e então não nos separamos mais.
- E quando soube de mim?
- Desde o primeiro dia - ela disse me alfinetando - Wallace nunca me escondeu nada. Dizia que você só queria saber de cozinhar e que o casamento de vocês era apenas de aparência para a mãe dele.
Minha garganta secou rapidamente - filho da mãe - falei. Como eles podiam ter coragem de me fazer de idiota esses anos todo? - e se eu não me separar dele? O que vai ser de você agora que eu sei do caso de vocês?
- Amélia, o Wallace construiu essa loja para mim. Ele me leva para ver a mãe dele a cada duas semanas. Quer se casar comigo, de verdade. Ele nem mesmo fazia questão de levar você para os eventos e eu ia praticamente em todos.
- Como isso é possível? - me perguntei - aquele desgraçado.
- Eu vou me casar com o Wallace, você querendo ou não.
- Boa sorte, então. Porquê se eu não assinar o divórcio não poderá casar. Bigamia é crime. Eu não quero mais que ele chegue perto de mim, mas casar de novo ele não irá.
- Casar de novo - ela riu - você é tão burrinha. Não se deu nem ao trabalho de conferir se a certidão de casamento era válida.
- O que está dizendo?
- Eu não devia te dizer isso, mas o Wallace nunca registrou o casamento de vocês. Ele só forjou, ou seja, vocês não são casados de verdade. Nunca foram.
Nesse instante minhas mãos congelaram. Meu corpo tremeu e minha cabeça girou. Aquilo não podia estar acontecendo. Aquilo, não podia. De jeito algum. Estar acontecendo.
E um simples gesto, desmaiei, sentindo apenas o baque da minha cabeça na mesa, antes de perder total consciência.