- Obrigada, moça. Quando Antônio teve essa ideia, eu fui totalmente contra, mas nunca vi Duda tão feliz em sua própria festa como hoje.
- A senhora é a mãe dele...
- Sim, sou Hilda, sua sogra nesse momento. Quando ele falou numa atriz, eu tive medo de soar falso, mas você parece uma moça comum, apesar de ser muito bonita. Fizeram um belo par; faz tempo que não vejo meu filho com ninguém...
- Eu não sou uma...
- Mamãe, estava preocupado com a senhora, se manteve longe a festa inteira... - Antônio me interrompeu.
- Não sabia como agir e tive medo de estragar tudo. Não me censure na frente da moça. Vou colocar Duda para dormir, Maria Eduarda está acordada desde cedinho e...
- Mamãe, hoje Daniela vai colocar a pequena para dormir e eu irei junto, amanhã a rotina volta ao normal e você pode disputar com Remédios quem coloca...
- Aquela mulher mexeriqueira... Bem, sendo assim eu vou dormir, até amanhã. - Dona Hilda saiu reclamando.
- Elas se odeiam porque ambas querem ser as protetoras da minha filha, e estranhamente você conseguiu deixar as duas quietinhas.
- Remédios sabe a verdade sobre...
- Acho que Remédios não sabe que você não é a mãe. Nunca dá para se saber com empregados, não posso te responder.
- Entendi.
- Vamos colocar Duda para dormir? Daniela, não parece que vivemos somente uma noite nessa mentira, vamos! Vamos concluir e voltar à vida normal.
- Sim, cuide bem dela... Quando for me matar, tenha carinho...
- Eu acho que sempre terei carinho pela mulher que conheci essa noite.
Ficamos alguns segundos em silêncio, senti coisas que nunca havia sentido quando olhava na direção dele.
- Eu também. Obrigada por dar uma segunda chance à empresa.
-Eu daria qualquer coisa que você me pedisse nesse momento.
Nos encaramos por um momento e eu rompi o silêncio.
- Vamos colocar Duda para dormir, é o melhor a se fazer.
- Vou fazer o leite dela e já volto, ela gosta de um copo ao lado da cama para beber se tiver pesadelo. Não demoro, é tempo de ferver com canela e esfriar. Eu já volto.
Fiquei um tempo parada, olhando Duda pular na cama elástica. Queria que ela aproveitasse cada segundo daquela festa.
- Você vai sumir novamente, não é? Aliás, eu acho que você não está longe coisa nenhuma.
Remédios me encarava cheia de animosidade.
- Olha...
- Você não trouxe malas, nenhuma troca de roupa... Claro, vai se trocar em casa, mas eu sempre imaginei que você não era a santa que Antônio diz...
- Não lhe devo satisfação nenhuma.
- Oito anos sem ver a própria filha... Aposto que Antônio está lhe pagando alguma coisa, você não viria aqui de graça.
- Não acredito no que estou ouvindo.
- Não vou deixar você usar o sentimento que Antônio tem por você. O olhar dele me mostra que ele é um tolo e está apaixonado por você ainda, mas eu o verei enxergar as coisas, talvez nem seja médica...
- Com licença. - Fui até a cozinha e encontrei o meu patrão ao lado de uma caneca de leite.
- Tem de ferver para caramelizar...
- Posso ficar aqui com você?
- Pode, aconteceu alguma coisa?
- As pessoas odeiam Daniela e é horrível ser ela em alguns momentos...
- Estão te incomodando? - Ele ergueu a sobrancelha enquanto desligava o fogo.
- Eu não fiz pela empresa. Eu sou órfã. Entendo a Duda como mais ninguém vai entender, eu dei a ela os abraços que eu queria receber.
- Órfã?
- Sim, mas não sei se de pais vivos ou mortos. Fui criada num orfanato, só saí de lá aos dezoito anos de idade. Cada aniversário que me lembro era uma espera, que ela viesse, que quisesse me ver... É a única data que eu imagino que seja inesquecível para ela, um parto não é algo que se faz todo dia.
- Me desculpe fazer você reviver isso, não imaginei...
- Eu gostei, eu pude dar algo a ela que eu sempre quis, me sinto uma milionária.
- Não queriam que tivessem te ofendido, você está me ajudando...
- Você está me ajudando também.
- Acho que seremos amigos, só não posso te convidar para comer em casa. - Ele riu e eu acompanhei. - Zuleica, - ele gritou e uma moça apareceu correndo - leve o leite de Maria Eduarda e prepare o banho dela, por favor. Vamos buscá-la? - Ele me estendeu a mão e entrelacei meus dedos aos seus.
Duda veio relutante.
- Não quero que hoje acabe...
- Sem desculpas, Maria Eduarda, é banho e cama; Zuleica já está com o banho pronto e...
- Quero que a mamãe me dê banho hoje.
- Eu fico com vocês no banheiro, que tal? Eu não sei mexer na banheira... - Acudi, ela pareceu pensar e acabou concordando.
Ela tomou banho e eu escovei os seus cabelos, nunca vi uma pessoa cansada brigar tanto com o sono como ela.
Mas antes da meia-noite o sono a venceu.
- Quer dormir aqui? - Antônio perguntou. - Eu te levo bem cedo...
- Não, quero minha cama, estou tão cansada... Ser mãe cansa.
- Eu sei, vamos. Vou te levar.
Descemos em silêncio, Remédios me olhou com ar de censura, mas não liguei. Por mais que eu tivesse gostado de Duda, minha participação na vida dela se encerrava ali, portanto, as chances de aquela mulher me ver novamente eram mínimas.
Entrei no carro e só não dormi porque fui indicando o caminho mais fácil para Antônio, o único som no carro era Zé Ramalho cantando Beira mar.
De uma forma estranha eu estava com saudade dele, mesmo ele estando ali ao meu lado, isso era algo surreal.
- Amanhã, antes de fechar a proposta com os outros funcionários, quero você na minha sala. Preciso te mostrar as contas e algumas coisas...
- Ok, eu estarei lá.
- Eu nunca esquecerei essa noite, muito obrigado.
- Eu também não, cuide bem da minha menina...
- Eu cuidarei.
Desci do carro cheia de assunto com ele, mas me calei; imaginei que era a situação que a noite me impôs que fez com que a gente se aproximasse.
Não consegui dormir, passei a madrugada inteira revirando na cama e, quando a manhã chegou, apenas tomei banho e me vesti para o trabalho. O vestido que usara estava sobre a cama.
Me peguei lembrando do seu toque em minha cintura, mas afastei os pensamentos que teimavam em me tirar do sério.
Cheguei à empresa e Antônio não estava, entrei para a sala e o esperei até as onze horas. Estava furiosa! Ele me enganara.
Saí da sala dele e ouvi a secretária atender o telefone.
- Antônio não veio, a filha está ardendo em febre e pediu para que eu remarcasse para amanhã...
Meu coração acelerou ao ouvir aquilo, Duda não estava bem.
- Daniela, e o patrão? O que decidiram?
- Amanhã começamos uma nova fase, sim? - Respondi no automático.
Avisei no RH que estava passando mal e pedi dispensa. Respirei fundo, pedi um carro pelo aplicativo e dei o endereço da casa dele.
Tremi o caminho todo, quando desci, pensei em voltar.
- Vai fazer o que aqui? Continuar mentindo? - Respirei fundo e toquei a campainha.
Quando o portão se abriu, eu não estava mais em mim.
Remédios me indicou com a cabeça o andar de cima, e eu corri pela escada.
Abri a porta e vi a menina deitada, Antônio lia para ela enquanto fazia carinho em seus cabelos.
- Mamãe! - Ela levantou e correu em minha direção, o corpo fervia quando a abracei.
- A mamãe não podia ir embora sem se despedir. - Olhei para Antônio, que estava me encarando como se eu fosse um ET.
Era tarde demais, eu não poderia parar de mentir tão cedo.