Capítulo 5 Ciúmes

Chego em frente à casa, e me pergunto como meu amigo foi se envolver com alguém assim, espero ansiosa, andando de um lado pro outro, minhas unhas já não existem mais, comi todas, e meus dedos estão em carne viva, quando a porta se abre quase caio pra traz, meu amigo tão lindo, nesses poucos dias perdeu muito peso, seus olhos estão fundos e sem vida, apesar de seus vinte anos, parece agora com quarenta, enrolado em lençóis e amparado por policiais, prestes a desmaiar, corro em sua direção e o abraço forte, quase o derrubando, ele não diz nada, não reclama do meu aperto, mas começa a soluçar, pa

rece fraco até pra chorar.

- Ele precisa ir ao hospital, fazer exames de corpo de delito, e precisa de reidratação.

Assim que o policial de meia idade termina de falar, meu amigo cai desmaiado em meus braços e eu começo a chorar.

- Ele vai ficar bem...- outro policial tenta inutilmente me consolar colocando a mão em meu ombro, e é rapidamente tirada por Miguel que se aproximou sem eu perceber, colocamos Math na viatura ainda desmaiado.

- Eu vou com ele... - Miguel aperta meu braço.

- Não, não vai. - ele me entrega a chave do carro, um sedã prata, que eu tenho certeza que não foi comprado com o dinheiro da oficina, me olha em tom severo de aviso quando tento insistir e fazer carinha de choro, nem sempre isso funciona na verdade nunca funciona com Miguel, ele se afasta e conversa com seus amigos policiais.

Entro no carro, muito intrigada com tudo aquilo, Miguel é muito reservado, não sei quase nada dele, as vezes ele some e fica semanas sem se comunicar e as vezes fica meses trabalhando na oficina, não diz nada, apenas volta como se nada tivesse acontecido, papai também não pergunta nada, isso vem acontecendo desde o dia que eles acharam uma arma e alguns comprimidos dentro do porta luvas de um carro.

Não denunciamos mas o cliente foi preso alguns meses depois, junto com seus comparsas, era uma quadrilha de sequestro relâmpago. Ligo o carro e sigo a viatura, no hospital meu amigo toma soro com algumas vitaminas e dorme tranquilamente, pego em sua mão e vejo vários vergões em seus braços, indicando que ele apanhou com alguma coisa muito dura, provavelmente fios de aço, me arrepiei e meu estômago embrulhou ao imaginar como estaria por baixo das roupas do hospital, o coitado estava totalmente nu.

Por traz da porta escuto a voz do Miguel:

- Ele está bem, foi torturado por alguns dias, sofreu violência sexual, e está fraco, mas assim que acordar e comer alguma coisa vai se recuperar, não fala nada pra tia Lúcia não, ela vai enlouquecer se souber, é, deixa ele acordar, e quando tiver melhor a gente liga pra ela.-

A voz abafada do meu irmão parecia cansada, o Miguel é esse tipo de pessoa, calado, misterioso mas confiável, ele não chora, apenas observa as pessoas friamente, é um pouco vingativo, mas dá pra ver que é caloroso se observar atentamente.

Escuto seus passos se afastarem da porta quando seu telefone toca novamente, me levanto da cama, estava sentada ao lado do Math, abro devagar e um pouco mais distante escuto sua voz ainda mais fria e rouca.

- Sim, deixa isso comigo, vou descobrir o que houve, sim, ele vai pagar, vou arrancar o couro daquele desgraçado, ele também torturou e abusou de um garoto de dez anos, o pai descobriu e quer uma resposta... Sim os advogados dele são muito bons, sim, sim... - a conversa fica mais distante, indicando que ele estava de saída.

Meu couro cabeludo ficou em pé com a frieza e o jeito que ele falou, não posso me meter na vida do meu irmão, mas tenho certeza que ele não está envolvido em coisa boa, pode até ser que a polícia saiba, mas não significa que seja bom.

Escuto meu amigo gemer de dor e me sento ao seu lado, ele continua dormindo, mas faz cara de dor, meu coração se aperta, e mexo em seus cabelos quando ele começa a chorar com meu toque.

- Até meu cabelo dói, ele... Ele...

Meu amigo diz ao acordar, minhas lágrimas brotam.

- shhhh... Eu sei, desculpa.

- não precisa se desculpar, eu que peço desculpas, te abandonei por causa daquele lixo, fiquei sabendo que te deram alguma coisa na festa de aniversário, mas já soube muito tarde, e não tive como sair de lá.

- Não aconteceu nada... Também não lembro de nada. A única coisa que lembro é que eu chutei os documentos daquele infeliz do Joca, faz dias que não o vejo na faculdade , e a Júlia anda estranha, com roupas largas e toda maquiada.

- Com certeza alguma coisa ruim aconteceu com ela naquela festa, tentou conversar com ela?

- Tentei mas ela foge todas as vezes.

- Como você conseguiu se livrar do Joca? ele parecia um carrapato, obcecado, vi várias vezes te observando de longe.

- Ainda bem que tenho muitos irmãos homens pra me ensinar defesa pessoal, senão teria me lascado.

Estremeço só de imaginar, meu amigo abre os olhos, bem abertos.

Leva as mãos aos lábios.

- O que foi? Porque essa cara? - ele parece um pouco desesperado.

- Seu irmão me viu pelado...- assisto seu rosto pálido, e magro ganhar um tom levemente avermelhado.

- E agora? Como vou o encarar?! - começo a rir.

-Você... Você... Como tem coragem de rir me vendo nessa situação?! - indignado ele vira o rosto.

- Desculpa Math, não tive a intenção... O engraçado é que você sempre quis ver o Miguel pelado, no fim ele te viu primeiro... - começo a rir sem parar.

- Isso não é engraçado sua vadia sem coração...

- Vadia sem coração é você que me abandonou...

- Desculpa amiga... Eu não sei onde tava com a cabeça... Tô tão ferida... Despedaçada amiga... - ele começa a chorar e eu não suporto ver meu amigo sofrendo, o abraço e choro junto.

- Se eu nã...nã...- meu coração se parte.

- Você não teve culpa... Ele é um estuprad#r desgraçado, ouvi do meu irmão que ele abusou de uma criança de dez anos... - ele chora ainda mais.

- Imaginar que uma criança passou pelo mesmo dói tanto... Pensei que ia morrer...- choramos mais uma vez.

Sob o efeito dos medicamentos ele dorme mais uma vez.

Meu telefone toca.

- Jó dói tanto ver meu amigo assim... - atendo Jorge no primeiro toque.

- Maninha porque você acha que a gente te protege tanto? Porque tem muita gente ruim nesse mundo, se fosse com você pode ter certeza que esse cara já estaria a sete palmos abaixo do chão, inclusive sabemos o que o Joaquim tentou fazer contigo...- meus coração acelera.

- Como você descobriu?! - fico intrigada.

- Então, Maria Vitória estava lá e viu tudo... Mas ainda não tinha meu número, encontrei ela por acaso aquele dia na pizzaria... Enfim.- Maria Vitória era uma aluna da turma do Joaquim, por isso me senti sendo observada aquele dia...

- Ela disse que a irmã do Joaquim te drogou e ia te levar pro quarto, a Mavi tentou impedir, mas quando foi te procurar não te encontrou em lugar nenhum. - Então por isso aquela mulher sumiu.

- O que aconteceu com você? - respiro fundo.

- Eu estava um pouco bêbada, achei que a cerca viva era uma cama e caí no lote do vizinho, Joaquim veio atrás e tentou me agarrar, mas por instinto chutei as bolas dele, um cachorro apareceu e ele fugiu, o resto eu não lembro, mas o vizinho me disse que eu fui drogada...

- E esse vizinho tocou em você?! - meu irmão grita do outro lado do telefone.

- Bemmm... - sinto sua respiração do outro lado da tela. - não desse jeito, estou intacta... - ele suspira aliviado.

- Cadê minha máquina? Tô precisando dela. - lembro onde deixei e com quem deixei.

- Está segura... - meu irmão chinga ninguém em específico do outro lado da linha.

- Está com quem? Onde você deixou? Se tiver um arranhão nunca mais te empresto... - ele parece calmo mas sei que está passando a mão pelos cabelos várias vezes.

- Não, não vou já buscar...- Assim que a ligação termina dou de cara com a tia Lúca. - seus olhos estão vermelhos e desesperada agarra minhas mãos.

- Co-co-como está meu filho? O que fizeram com meu bebê?! - Math é o mais novo, tem um irmão mais velho, e é muito mimado pela mãe e o irmão, que o aceita e trata muito bem, o protege do jeito que pode.

- Ele... Está bem, um pouco fraco e machucado, mas está bem.- ela entra como um furacão no quarto em que o filho está, e chora mais quando o vê.

- Meu bebê, o que fizeram com você?! Saio do quarto e aproveito que ela chegou pra ir buscar a moto do meu irmão.

Chamo um Uber que sorri educado, e me encara pelo retrovisor:

- É esse endereço mesmo senhora? - pergunta em tom de dúvida.

- sim senhor, esse endereço...- coloco o cinto de segurança.

- Aqui está, muito obrigado e tenha uma ótima tarde.

- obrigada, o senhor também.

Desço do carro e me aproximo da portaria.

Não disse a vocês mas estou vestindo um short jeans rasgado e uma blusinha branca de alças, apertada, que deixa meu decote em evidência, calçando um sapatênis preto, é início do verão, a estação mais quente, o fim de tarde se aproxima, o sol bate no vidro da guarita da portaria, parte da guarita está coberta por algumas sombra dos eucaliptos que cercam a estrada até aqui, o vento traz o cheiro das árvores, fazendo diminuir a agonia do calor e suor. Coloco uma das mãos cobrindo meus olhos.

- Em que posso ajudar senhorita?!

Um senhor de meia idade, sorri educadamente e pergunta me olhando de baixo para cima.

- Ah deve ser a moça nova da faxina...

Antes que eu pudesse abrir a boca novamente ele completa.

- Pode entrar, dona Elvira te espera... - sorrio educadamente.

- Eu não... - pensando bem...- sim! Ela me espera.

Entro no condomínio e fico imaginando como foi fácil dessa vez, bato na porta, uma senhora de meia idade abre a porta e faz cara de desagrado.

- Não recebeu a mensagem? Aqui não é agência de modelo, e essas roupas não combinam com a função.

- Senhora... - a véia não parava de falar.

- Eu sei que o patrão é bonito, e aparece muitas mocinhas como você... Mas ele não aceita seu tipo...

- Senhora... - ela não para de falar sobre moças que querem agarrar um homem rico.

- SENHORA!!!- levanto minha voz e ela para de falar.

- Não estou aqui atrás de emprego ou macho nenhum, vim buscar minha moto que está com seu patrão...- a velha começa a rir.

- Você...?!! Tem alguma coisa aqui?! - ela me aponta com o dedo.

- Vou chamar a policía...- escuto a porta se abrir e chaves sendo colocadas sobre o aparador de vidro ao lado do porta, assisto o homem de um metro e noventa e cinco trocar o sapato social por uma pantufa masculina macia.

- Quer chamar a polícia pra quem dona Elvira? - sua voz poderosa com leve sotaque estrangeiro reverbera pela sala que fica totalmente em silêncio.

- Essaaa... Essa mocinha disse que tem alguma coisa na sua garagem...

- O-oi vim buscar minha moto...- ando em sua direção, sinto o olhar da velha nos meus sapatos, talvez por isso tropeço no carpete da sala e caio de joelhos aos pés dele, meu rosto queima, e não me atrevo a levantar a cabeça quando uma mão aparece no meu campo de visão.

- Venha vou devolver sua moto... - o toque de suas mãos causou um arrepio e um leve choque pelo nosso corpo, surpresos pela própria reação nos soltamos imediatamente, ele me encara de forma intensa, me deixando sem jeito, minhas bochechas ardem, ele desvia o olhar e se vira de forma mecânica e rápida. Antes de sair ele se vira e ordena:

- Dona Elvira me aguarde no escritório...- a senhora torce o uniforme com as mãos.

- O que...- antes que ela termine ele bate a porta. - Em frente à garagem ele aperta o botão do controle que está em sua mão, me dando uma visão de uma garagem ampla e cheia de carros luxuosos, ao lado da moto do meu irmão está uma Kawasaki Ninja H2R! Prendo a respiração e ando a passos lentos até a máquina, e UAaaau! Último modelo, não me atrevo a tocar, sinto o sorriso do homem que está atrás de mim, e sei que pareço uma criança que vai pela primeira vez em um parque de diversões.

- A sua é essa...- ele se aproxima e sinto seu hálito levemente mentolado, seu cheiro penetra nas minhas vias aéreas, e tenho a sensação que ele conseguiu me capturar sem nem mesmo me tocar, seus olhos puxados e penetrantes me observam atentamente, com um quê de admiração, não entendo porque me sinto tão tímida e impotente perto desse homem, seus ombros são largos e fortes, começo a transpirar de nervoso, ele se aproxima ainda mais...

- Você está com a chave?... - o quê? Que chave?

Não percebi que tinha falado alto, até ver seu sorriso de lado fazendo uma covinha aparecer.

- Da moto, oras! - ele fala um pouquinho mais alto se afastando, solto minha respiração ofegante, o coração acelerado, pego a chave no bolso do short, e só percebo que estou fugindo quando estou passando pela guarita novamente.

Capítulo novo! De tirar o fôlego! Sem revisão.

                         

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