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~Emma~
Eu não imaginava que algo que antes era tão impossível e longe da minha realidade, poderia se tornar algo tão normal e rotineiro como ir de táxi para a empresa onde trabalho. Não me imaginava tendo que lidar com pessoas e suas personalidades constantemente, muito menos que seria reconhecida por algo que eu gostava de fazer. E mesmo após muitos anos desejando algo, quando você finalmente consegue, a excitação em continuar a fazer dar certo logo vai se acabando na maioria das vezes... porém... desde o primeiro dia em que eu fui contratada pela Trion Books, a minha animação em estar aqui continua intacta. Ainda tenho o prazer de me arrumar e cuidar de mim mesma todos os dias para chegar ao trabalho com uma boa aparência e disposição. Gosto quando elogiam o meu trabalho e me incluem cada vez mais em assuntos mais secretos da empresa. Eu gosto de dar esse valor, pois... me esforcei muito para estar aqui. É um sonho viver com o estilo de vida que eu adquiri, e por isso... nem por um segundo eu posso demonstrar desinteresse.
Ainda mais quando o meu trabalho é ligado aquilo que eu mais gosto... ler livros e auxiliar novos autores.
- Emma! Você chegou cedo! - Exclama Lisa do outro lado do balcão lixando a sua unha assim que entro no prédio.
Lisa é a recepcionista, uma linda mulher negra de cachos volumosos, sensual e inteligente, que me conquistou numa amizade desde o primeiro dia em que cheguei aqui. Eu era medrosa e insegura sobre o que deveria ou não fazer, mas Lisa exala confiança e sempre tentou fazer com que eu sentisse o mesmo. Acho que devo a ela um pouco da personalidade auto confiante que adquiri. Fora isso, é a minha melhor amiga dentro ou fora desse prédio. Talvez por me lembrar de uma certa loira que me passava a mesma confiança...
- Bom dia para você também... - Paro em frente ao balcão da recepção onde nos inclinamos para beijar uma a bochecha da outra. - É que eu não consegui dormir direito, aí resolvi vir mais cedo. E como você está?
Ela ergue uma sobrancelha, deixando a sua lixa de lado para me lançar um olhar, desconfiada.
- São aqueles pesadelos de novo que não lhe deixam dormir?
Suspiro me sentindo cansada com a sua pergunta. É verdade... não aguento toda vez que durmo sozinha e fecho os meus olhos... os pesadelos nunca são os mesmos mas no fim parecem iguais. Meu pai me chamando de assassina... minha mãe decepcionada comigo diante das coisas que fiz... meu gatinho sendo morto na minha frente repetidas vezes... aquele homem que eu matei...
No fim, estes pesadelos sempre levam à mesma época da minha vida, quando as coisas fugiram do controle. E por isso, desde o momento que eu acordo aos gritos durante as madrugadas, eu me sento na cama abraçando o meu próprio corpo até o sol aparecer.
- É, mas não precisa se preocupar. Fiquei assistindo as aulas online da faculdade enquanto tomava café e isso me distraiu um pouco. Ainda tenho que fazer uma prova até o final do semestre e isso deve me manter ocupada... - Comento pegando um café do outro lado da sala, na máquina de café. - Mas o que acha da gente ir almoçar juntas? Acho que vou estar livre, e você?
Ela me lança um sorriso, com um olhar mirabolante em seu rosto.
- Claro! Eu tenho muita fofoca para pôr em dia! Você ficaria surpresa com tudo o que eu descobri.
- Tenho certeza que você descobriu... - Dou risada, lembrando que Lisa é muito insistente quando começa a desconfiar de algo, chegando ao ponto de investigar aquilo a fundo.
Não há nada que ela não consiga descobrir...
- Bem, nos vemos ao meio-dia. Beijinhos!
É o que eu digo a ela antes de sair em disparate para o elevador. O andar em que eu trabalho é no penúltimo, onde os editores se reúnem para trabalhar cada um em prol de um objetivo. Como estou em um projeto diferente e que eu mesma criei e levei a ideia para o meu chefe, as tarefas estão sendo duplicadas e mais difíceis para que eu possa realizar.
Tanto que quando eu chego ao meu escritório, suspiro apavorada ao me deparar com a quantidade de documentos e assuntos a tratar. Mas eu já devia ter imaginado isso quando propus ao senhor Lei, presidente da Trion Books, que pudéssemos auxiliar novos escritores que não tem incentivos para escrever ou continuar seus livros. Ele adorou a ideia pois nos traria lucros, e agora estou encarregada de pesquisar por novos autores, transformar seus livros em best seller e lhes trazer lucros de forma que eles venham a se tornar escritores bem remunerados.
E cuidar disso tomou bastante do meu tempo em frente ao computador, até que eu recebi um email com um alerta urgente do senhor Lei, me convocando para o seu escritório. Quando cheguei no andar de cima, vi sua secretária saindo do seu escritório, acenando para mim como forma de cumprimento.
- Pode entrar! - É a resposta que eu tenho após me anunciar em sua porta.
- Senhor Lei. Há algo que eu possa fazer pelo senhor? - Questiono ao encontrá-lo já de pé do outro lado da sua mesa, ajeitando a sua gravata.
Um sorriso surge em seus lábios à medida que eu me aproximo.
É surpreendente, mas o senhor Lei é definitivamente um homem jovem, que há pouco tempo, após se casar, ocupou o cargo que antes era do seu pai nessa empresa. Hoje ele tem trinta e cinco anos e trabalha aqui há cerca de dois anos. Não tive a chance de conhecer o seu pai, mas os antigos funcionários só tem elogios a seu favor. Então quando comecei a trabalhar aqui e percebi como só os elogiavam, sempre me senti segura em relação ao meu novo chefe.
- Emma, eu dei uma olhada naquela história que você havia me mandado, e eu realmente achei muito talentosa a pessoa que a escreveu. Você tem a minha permissão para contatar os editores e revisores para o livro. Entre em contato com a autora da obra e lhe ofereça os dois contratos tradicionais... mas antes não esqueça de perguntar se ela não se interessa em uma possível compra dos direitos legais do livro.
Assinto, anotando rapidamente o que não posso me esquecer para fazer até o final do dia.
- Antes poderia ler o resumo que ela nos enviou?
- Claro. - Assinto, pegando o meu celular em busca do resumo que a mesma enviou para o meu email profissional. - Uma mulher acorda sem nenhuma lembrança de sua vida ao lado de um homem que lhe é apresentado como o seu marido. Enquanto tenta se acostumar com a perda de memória, ela se apaixona pelo seu gentil marido. Até que um acidente acontece e suas lembranças voltam, inclusive do quanto ele a maltratava e a traía após o casamento apenas por vingança, e que após descobrir que ela estava com câncer, ele resolveu tentar consertar as coisas porque já a amava. Parece confusa pela ordem como as coisas acontecem, mas é como o nome da história sugere; Reverso.
- Ótimo, apresente isso na reunião e todos comprarão a sua ideia de torná-lo físico. Mas não foi por isso que eu lhe chamei aqui. Na verdade, eu gostei muito da sua ideia para auxiliar novos autores e marquei uma viagem para daqui uns dias... você tem que vir comigo, se pondo a frente desse novo projeto. É a sua chance de brilhar, aqui está! - Ele me entrega um papel que eu logo compreendo como os das informações sobre a viagem, porém ainda estou surpresa encarando o papel em minhas mãos sem raciocinar direito sobre o que estou lendo. - Na reunião de hoje irei discutir sobre uma possível filial da editora nessa cidade. Você vai gostar, quer dizer, a filial vai ser com o intuito desse novo projeto que criou. Espero que esteja focada em fazer isso dar certo, normalmente não é tão fácil...
Assinto, sentindo-me receosa com o que pode acontecer. Quer dizer, a minha ideia pareceu interessante para ele quando lhe apresentei o projeto, mas... daí abrir uma filial da editora apenas com o intuito de fazer o meu projeto se expandir? Isso tem um grande significado para mim...
- Claro! Eu com certeza vou dar tudo de mim para isso acontecer de acordo com os seus planos!
O seu sorriso se alarga, e é quando ele dá a volta na mesa, indicando que irá sair do escritório.
- Volte ao trabalho, Emma. Logo enviarei um email discutindo melhor sobre essa viagem. Nos vemos mais tarde.
E foi assim que ele saiu do escritório, me deixando sozinha e atordoada, sentindo as batidas do meu coração cada vez mais altas.
No final das contas... isso significa que o meu desempenho está funcionando? Significa que devo sentir orgulho do meu trabalho?
Meu Deus! Não vejo a hora de contar para Lisa!

- São Francisco?! Ai meu Deus, eu já pesquisei tanto sobre esse lugar... o quanto ele é bonito e a Golden Gate... meu Deus! Você precisa tirar foto de cada lugar. Eu vou preparar uma lista de tudo o que eu aprendi sobre lá e você vai em cada um dos lugares que eu pedi, beleza? Você faz isso para mim? - Questiona Lisa ansiosa quando já estamos almoçando no restaurante em frente ao prédio da empresa, após eu contar sobre a novidade da viagem e o que cheguei a discutir com o senhor Lei por e-mail.
Eu dou risada, bebericando um gole do meu suco pensando sobre essa viagem. É verdade que São Francisco é uma cidade com vários pontos turísticos de tirar o fôlego, porém não estou indo lá para passear. E pela forma como o senhor Lei falou, deu a entender que eu estarei atarefada vinte e quatro horas por dia. Por isso apenas lanço um sorriso fraco para Lisa.
- Eu vou tentar arrumar tempo para isso.
- Ah, qual é, Emma! Você sempre está muito ocupada com a faculdade e trabalho e aquela coisa que você diz tomar muito o seu tempo. Então por que não usa essa chance para aproveitar? Você sabe... lugar novo, pessoas novas... lugares interessantes. Você pode relaxar... quem sabe não conhece um carinha interessante por lá e finalmente esquece aquele que fica em seus pensamentos?
Suspiro sentindo o meu peito doer ao lembrar dele. A última coisa que eu quero pensar é em conhecer alguém que possa substituir o sentimento que Pedro deixou em meu peito, pois é impossível! Mesmo que tenha se passado dois anos, eu o amo na mesma intensidade, mesmo sabendo o que ele foi capaz de fazer comigo. Isso é o que mais me chateia!
- ... olha para você! Nem parece impressionada ao saber que vai ficar num hotel cinco estrelas com vista para o mar. - Lisa comenta e eu faço um biquinho.
É que eu já tive o mar só para mim...
"Trim... trim..."
Me assusto ao sentir o meu celular vibrando em meu bolso, já que a única notificação que permito que toque no meu horário de trabalho é sobre a coisa mais especial no mundo para mim.
- Ai meu Deus, Lisa! Eu tenho que ir! - Digo nervosa já me levantando após ler a mensagem da minha vizinha.
Lisa parece confusa e desconfiada enquanto me encara.
- Aquele problema de novo? - Ela questiona se referindo ao que eu inventei a ela sobre algo que está me ocupando o tempo, e eu fico aliviada por ela acreditar.
Não sei o que pensariam de mim se soubessem a verdade... tenho medo dos julgamentos!
- Sim. Me desculpe, marcamos de nos encontrar em alguma outra hora. Tchau, te amo.
Deposito um beijo em sua bochecha e pago a conta antes de sair do restaurante apressada, respondendo a minha vizinha com um "já estou a caminho". Pego um táxi e logo já estou no prédio onde eu moro, pegando o elevador para o sexto andar, onde fica o meu apartamento.
- Emma! Ela ficou com febre de repente e eu não sei o que fazer! Eu pedi um remédio na farmácia, mas como ela só queria comer se você estivesse aqui, acabou vomitando. - Diz Cecília, a filha da minha vizinha, de dezessete anos, após abrir a porta.
Arfo sentindo um aperto em meu peito ao pensar como ela pode ter ficado doente de uma hora para a outra. Lembro que durante a madrugada ela se mostrou inquieta, mas eu pensava que ela apenas estava tendo pesadelos. Agora que eu paro para pensar... ela estava bem quentinha durante a noite...
- Onde ela está?
- Mamãe! - Vejo minha Melissa correr na minha direção com um sorriso de orelha a orelha, abrindo os seus braços na minha direção.
Meus olhos brilham ao ver o tamanho do seu sorriso e os seus cachinhos bagunçados na minha presença. Me agacho no chão e a aperto em meus braços, sentindo o meu coração se aquecer com o seu calor minúsculo.
Minha filha... minha linda e pequena Melissa de olhos verdes e cabelo cacheado... Não existem palavras que possam descrever o quanto ela me faz bem apenas com um abraço como esse... mesmo que no início quando descobri que estava grávida quando os exames haviam apontado que eu a havia perdido não foi uma notícia alegre. Hoje posso afirmar como o sol nasce mais bonito quando tenho ela ao meu lado...
- Hummm... minha princesinha! Mamãe voltou do trabalho para você. Como está se sentindo? Não estava dando trabalho para a Cecília, não é? - Questiono ainda agachada, pondo o dorso da minha mão sobre a sua testa, sentindo-a um pouco quente.
- Mamãe... eu tava com muita sadade... titia Cecilha me deu banho e comida, mas eu quelia ficar com a minha mamãe. Só quelo a comida da minha mamãe! - Exclama ela cruzando os braços na altura do peito, fazendo um biquinho de como quem está brava.
- Me desculpe. Eu tentei fazer ela comer, mas ela se recusava. Pensei que sua febre poderia piorar caso eu não lhe chamasse. Então me desculpa por te ligar no seu horário de trabalho. - Cecília se desculpa, parecendo sem graça e é quando eu me levanto, ajeitando a minha bolsa em meu ombro, já segurando a mão da minha Melissa.
- Não se preocupe. Eu conheço o gênio teimoso da minha filha. Pode ficar tranquila, isso não me causou problemas... amanhã eu converso melhor com você, inclusive... você pode me enviar o número da sua conta bancária pelo WhatsApp para eu transferir o dinheiro para a sua conta?
- Claro. Eu te chamo no Whatss... Tchau, Mel... - Cecília acena com um largo sorriso para Melissa que devolve o sorriso, acenando de volta.
- Titia Cecilha? Você pode tlazer o cacholo da sua mamãe para eu blincar amanhã, pu favô?
Cecília ri, erguendo uma sobrancelha para Melissa que a encara com aqueles olhinhos brilhantes que derrete o coração de qualquer um.
- Claro! Eu peço para ele trazer!
- EBA!
- Vamos, Melissa. Pare de ficar importunando os outros e vamos que você tem que tomar remédio para ficar melhor.
Ela faz uma carinha de nojo diante das minhas palavras, e isso me faz sorrir, imaginando o quanto terei que a paparicar até que ela esteja convencida a tomar o remédio. Por isso, aperto a sua mão na minha e me viro quando Cecília fecha a porta, prestes a entrar em meu apartamento que é logo ao lado, porém a pessoa a minha frente faz com que eu congele no lugar, sentindo as batidas do meu coração aceleradas por ter sido descoberta pela minha melhor amiga.
- Uma filha?